Lembro bem.
Acordei já apreensivo, o dia era mais do que importante.
Barba muito bem feita, banho caprichosamente tomado,
aguardando a hora de enfrentar os julgadores da primeira Auditoria Militar do
Rio de Janeiro, vinte e cinco anos, já formado e com relativa experiência no
Tribunal do Júri. Não, ali nada era
igual. A começar pela entrada do suntuoso
prédio, perto da Praça da República, guarnecido na entrada por dois soldados da
Polícia do Exército, com seus capacetes vermelhos, metralhadoras seguras em
frente ao peito, sérios demais. Tudo ali
era sério.
Comi pouco, como manda a boa regra. Estômago cheio não dá boa defesa. Entro no lugar com os oficiais acusados, dois
clientes meus, um capitão e outro segundo-tenente. Escoltados e em companhia de
outros acusados, todos militares.
Acusação: tentativa de tomar o poder constitucional do Estado do Rio. O governador, nesta época era o general Paulo
Torres, um mito. Amigo da minha família,
eu não poderia tocar em nada que envolvesse o nome dele e, na verdade, o
general Torres nada tinha a ver com o processo, ou melhor, tinha e muito, mas
indiretamente. No caso, vítima.
Um tribunal militar do Exército nada tem a ver com o
Júri. Estavam sentados na mesa sete
oficiais, um com patente de coronel, pois havia um major acusado e assim sendo,
pelas leis da época, deveria haver como julgador do colegiado um militar com
patente superior.
O juiz-presidente, civil, após todas as formalidades de
praxe, ordenou que o escrivão fizesse a leitura da peça acusatória. Os sete
oficiais que compunham a mesa, ouviram atentamente, com semblante feio.
O juiz passou a palavra à defesa, depois de ouvida a
acusação, promotor militar que diante da fraqueza das provas colhidas,
limitou-se ao tradicional pronunciamento ‘faça-se Justiça’.
É uma oportunidade sem igual, hora da defesa falar pouco,
pouquíssimo, e explorar rapidamente o dito pelo Ministério Público Militar, por
todos temidos.
Os advogados dos outros réus, para aparecerem e
justificarem o ganho alto monetário, falaram, falaram e falaram, como se todos
os seus constituintes fossem santos, às vésperas de canonização. Nervoso, temi por um mal. Um menino,
talvez. Elegante, sóbrio, comedido,
interferi na defesa de um colega.
— A defesa do capitão e do tenente envolvido está
satisfeita. Toda vez que o Promotor pede
justiça, está pedindo absolvição, por falta absoluta de provas. Faço o mesmo.
Meus colegas acompanharam minhas palavras, a defesa de
todos estava mais do que feita. Fechada
a sala para o julgamento, quando novamente aberta, foi lida a sentença.
Todos absolvidos, sem prejuízo de sanções estritamente militares que
poderiam estar envolvidos.
Então sim! Duas
doses duplas de uísque estrangeiro foram maravilhosamente bebidas. Eu havia sido pago na hora, e a quantia
modesta permitia a excelente marca escolhida. Quantia modesta? Bem, advogados
falam o que devem, principalmente em causa própria.
Não, não comemorei com os meus constituintes. Eu, minha noiva e meu pai, na minha casa, felizes, comemoramos minha vitória.
Tempos felizes, tempos de paz.