Lamentei profundamente o desaparecimento físico do Glauco, exímio desenhista e comentarista.
Sua crítica mordaz, inclusive política era de um aguçado requinte com conhecimento de causa.
Não morre quem deixa uma mensagem tão grata quanto extensa e verdadeira.
Continuará vivo em nosso pensamento para sempre.
Na tentativa de pegar um pedacinho da cauda do cometa da imortalidade, farei a minha caricatura, o meu costumeiro conto, cruel e tenebroso, assim como crítico construtivo, irreverente e sagaz.
Passa-se numa cidadezinha perdida, no meio do nada, nalgum sertão brasileiro, que chamaremos de Sertãolandia.
O posto de saúde dessa cidade fazia um tempo que estava inaugurado, mas brilhava pela total inoperância e descaso permanente com os mais necessitados.
Ainda o poder público não tinha descido ali para investigar, só que os acontecimentos já estavam no conhecimento de muitos jornalistas que decidiram investigar por conta própria Um jornal mandou uma repórter, a jornalista Alice.
Chegando no local, se apresentou à diretora deste único hospital, uma tal de Dra. Dólara.
-Bom dia Dra. Dolara, eu sou a Alice a jornalista e vim fazer a matéria que tratei pelo telefone com a senhora.
-Bom dia Alice e não me confunda nada de Dolara, é DÓLARA minha filha, DÓLARA.
-Muito bem doutora, vim para saber a respeito de queixas existentes sobre a cobrança indevida de serviços públicos deste hospital.
Aqui se cobra por fora algum tipo de serviço?
-Não minha filha, se cobra por dentro, não tem nada por fora.
-Como assim, a prefeitura não garante todas as despesas?
-Sim garante, agora quem garante as minhas despesas pessoais?
-Ai já é outro assunto doutora.
Nesse meio tempo chega um ferido grave e cabe à doutora atender e fazer uma avaliação.
Uma jovem desesperada chega puxando o pai de um braço e clama por atendimento urgente.
-Por favor doutora atenda o meu pai urgente!!
-Urgente? Hahaha, isto é algo difícil minha filha, vamos fazer uma ficha primeiro, ver as condições dele.
-São péssimas doutora.
-Não falo de saúde e sim econômicas.
-Mas doutora veja a situação dele!!!!
-Não vejo nada de grave.
-Olhe nas costas por favor!!!
Quando a doutora se digna olhar as costas, vê uma faca enorme encravada nas costas do cidadão e a camisa escorrendo uma mancha vermelha gigante.
-Bem minha filha, deixa pegar a minha calculadora para ver o prejuízo.
-Calculadora doutora? Precisa é uma intervenção imediata!!!
-Sim claro, ...... costura.........esparadrapo.........limpar a faca.........mil e quinhentos........vai gastar dois mil e quinhentos reais minha querida.
-O que? Ninguém tem esse dinheiro!
-Se vira, vende algo, aceito cheque administrativo ou promissória com avalista.
-É impossível doutora
-Ah é?
Então nada feito, o próximo por favor!!!!!
-Doutora e a faca nas costas?
-Apontou pela frente no peito?
-Não doutora
-Então não é grave, nem pegou um órgão vital, agora me dá licença.
Nesse meio tempo chega uma enfermeira chamando aos gritos a diretora.
-Doutora Dólara, temos aqui uma emergência!!!
-Do que se trata?
-Olhe este cidadão na maca tem um machado incrustado na cabeça!!!
-Deixa ver, olha cara que maldade fizeram com você!!!!
Ta doendo muito?
-Ah...... ah...... ah......
-Quem cuida dele?
-Eu doutora, sou a esposa, teve uma briga no boteco da esquina e fizeram essa truculência com o meu véio.
-Tem como gastar uns dois mil reais mais ou menos?
-Tem não doutora, somos todos pobres.
-Pobre não sabe quanto custa o material médico, olha vai à farmácia e pede pra fazer um curativo.
-Mas doutora olha a situação dele!!!
-Não é ruim não, entende o que a gente fala, é porque não é grave.
Logo na sala dela, a jornalista Alice continua a entrevista horrorizada com a atitude da doutora.
-Como pode deixar estas pessoas pra lá doutora?
Sem dinheiro não tem atendimento?
E a solidariedade humana, onde fica?
-Olha minha filha, quando vou aos congressos médicos em Paris, Londres, não é a solidariedade humana que paga por isto nem as minhas seis malas cheias de lembrancinhas.
Quando preciso azulejar a minha piscina também a solidariedade não me ajuda.
Você está me entendendo?
-Isso prova, mas não justifica ser desumana, e se o prefeito ficar sabendo?
-Aquele bofe? Hahahahahaha
Vai, vai contar pra ele e verás o resultado.
Olha, eu e ele somos a pinga e o limão, a bola e a caçapa.
Ele é a minha bola, querida bola!!!!
-E a senhora é a caçapa dele né?
Hahaha, como se atreve? hahahaha, quem deu permissão? hahahahahaha
-Isto pode chegar ao conhecimento público e ser instalada uma CPI.
-Que nada, ele é como uma árvore bem grande e forte, tem ramificações que o sustentam.
-Que horror doutora, eu vi essas pessoas que chegaram quase morrendo e não foram atendidas!
-Que nada, tudo isso é patranha, está cheio de fricote por ai, de exageros e manhas.
-Mas o hospital não tem recursos?
-Tem sim, quem fornece material aqui é o meu primo, contrato sem licitação, a limpeza do hospital igual, um cunhado do prefeito, tudo sem licitação.
Só que temos que fazer o nosso pé de meia, você entende Alice?
-Estou tentando............ mas, não consigo.
Nesse meio tempo chega mais um acidentado e a diretora é chamada.
-O que foi desta vez?
-Doutora entrou este jovem com um cisco no olho e pediu para ser atendido.
Era um jovem com rosto e cabelo tipo Bread Pitch, com olhos e voz de Elvis Presley.
-Doutora, entrou um cisco no meu olho e...
-Já vi, deixa que vou tirar...........pronto já está fora, agora precisa de uma lenta recuperação.
-Mas eu não tenho dinheiro para ficar internado, eu sei que a senhora cobra caro.
-Nada disso meu filho, você vai ficar em minha casa e eu vou cuidar bem de você pessoalmente, não se preocupe com nada.
-Bem.............eu.........não sei.............
-É pra já, enfermeira providencie o translado deste rapaz em ambulância pública até minha casa de forma urgente, é prioridade, por favor!
Enquanto isso, Alice já não dava mais crédito aos seus olhos, acabara de entender que o problema nesse hospital era mais grave do que imaginava.
-Doutora, estou envergonhada do que vi, vou relatar isto como um caso repulsivo, horrendo.
-Ah é? Então vai sua jornalista de meia tigela, com essa sua profissão desacreditada, que nem mais precisa de diploma, vai contar que ninguém vai acreditar!
-Quer dizer que eu não tenho diploma?
Que eu estou errada e senhora está certa?
Pessoas como a senhora envergonham nossa Nação.
Vou contar tudo aos jornais e prepare-se, farei a maior sarrafusca, o maior pandemônio e zanguizarra.
Nos veremos em breve doutora, nos tribunais!
-Vai sua mangalaça, sua inepta, incompetente, ninguém vai acreditar em suas historias!!!
-Tal vez não acreditem em minha palavra, agora em tudo que filmei com minha máquina escondida, ahhhhh sim, claro que vão acreditar!!!!!
-Sua frescalhona, sua viçosa! VOÇÊ ME PAGA!
Bem, para Alice foi um aprendizado, o caos, a crise existe em muitos organismos.
Só que primeiramente devemos erradica-lo do coração humano.
Enrique Andres