Grossman é um pacifista confesso e apoiou Israel durante o conflito com o Líbano, em 2006. No dia 10 de Agosto desse ano, ele e os seus camaradas de letras Amos Oz e A. B. Yehoshua participaram numa conferência de imprensa em que manifestaram ao Primeiro Ministro de Israel a urgência que se fazia sentir de um cessar-fogo que tornasse possível criar bases para uma solução para o conflito entre Israel e as forças do Hezbollah, no Líbano.
Dois dias mais tarde, o seu filho Uri, com 20 anos, foi morto no Líbano, numa operação militar.
?David Grossman falando em memória do Primeiro Ministro de Israel Yitzhak Rabin, na praça onde este foi morto, em Tel Aviv. 4 de Novembro de 2006.
Segundo uma crítica da Los Angeles Times Book Review, “Em Carne Viva pode ser a mais estranha e triste história de amor alguma vez contada.”
E é verdade.
A história é simples. Yair vende livros raros. Um dia, numa reunião na escola, Yair vislumbra, muito de relance, uma mulher que lhe chama a atenção. Uma mulher discreta, sem nada que chame a atenção. Yair sente-se impelido a escrever-lhe uma carta arrebatada. É a primeira de uma troca de correspondência que os leva a uma intimidade muito mais profunda do que qualquer relação física. E no entanto ela apenas se realiza através de palavras.
Como é extraordinário o poder das palavras! Yair, a uma dada altura, conta a Miriam que pensara criar para o filho uma linguagem toda nova, feita de palavras cujos significados não estivessem contaminados, uma linguagem que lhe permitisse reinventar o discurso e criá-lo de novo, só com coisas boas.
O drama é que chega um dia o dia em que o que esperam de nós não é essa linguagem descontaminada e nova, mas uma linguagem que seja do uso de todos os outros e que quando esse dia chega é tarde demais para restituir às palavras o seu significado.
“Foram anos muito maus e eu insisti em escrever esta história sobre duas pessoas por sentir que a situação exterior era tão horrível e intrusiva, a invadir, a envenenar cada parte da nossa vida com medo e violência. Eu precisava de criar esta bolha de intimidade.” – declarou David Grossman em entrevista a Alexandra Lucas Coelho, no Público.
E é dentro de uma bolha de profunda intimidade feita de palavras que estas duas personagens – Yair e Miriam – vão desmontando as suas vidas reais, escalpelizando os sentimentos, dissecando os medos, autopsiando as esperanças mortas.
E é aí que chega David Grossman. Onde a faca penetra e não se contenta com a ferida que abriu. Para lá do suportável e do sofrimento das vidas feitas de uma argamassa estranha de caos e ordem que se sobrepõem continuamente e que vão encontrando palavras para definirem o impossível de definir. E quando alguém se esquece do significado das palavras, quando alguém “perde” as palavras, quando alguém deixa de se ligar com a realidade através do significado das palavras? Há dois caminhos, qual deles o mais terrível: não aceitar a a-normalidade e fingir para além da dor, ou restituir o significado às palavras nem que para tal seja necessária a mais dolorosa das mortes.
Bill Moyers, entrevistando David Grossman, Nova Iorque, aquando do lançamento do livro, afirma: “[em “Be My Knife” David Grossman] leva-me a um mundo diferente, um mundo onde eu nunca tinha estado”.
E não é um mundo agradável, apesar de “Em Carne Viva” ser uma bela história de amor, mas nem todas as belas histórias de amor são agradáveis. Ou poucas o serão.