Tecer considerações sobre livros e autores a partir da literatura produzida para crianças e jovens no Brasil. Os textos deste espaço estão disponíveis para pesquisa; devendo-se, em caso de citação, indicar a fonte, conforme a legislação em vigor: LEI Nº 9.610
domingo, 20 de setembro de 2009
GRACILIANO RAMOS- E a historia se repete
E a história se repete
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ/PB)
e-mail: neidemed@gmail.com
A palavra não foi feita para brilhar como ouro falso. A palavra foi feita para dizer.
(Graciliano Ramos)
Entre os anos de 2003 a 2006, a Editora Record reeditou a obra completa de Graciliano Ramos. O projeto de reedição da obra do autor de Vidas Secas foi supervisionado por Wander Melo Miranda, professor titular de Teoria da Literatura da Universidade Federal de Minas Gerais.
A reedição de Alexandre e outros heróis traz a data de 2006 e inclui, também, A Terra dos meninos pelados e Pequena história da República. A base desta nova edição foi a 1ª edição de Histórias de Alexandre. O exemplar da 1ª edição foi cedido pelo professor José Aderaldo Castello ao Instituto de Estudos Brasileiros – IEB/USP. Os manuscritos de A Terra dos meninos pelados e Pequena história da República, que se encontram no Arquivo do Fundo Graciliano Ramos – IEB, serviram de suporte para a edição da Record. Estamos, portanto, diante de um livro bem documentado.
Graciliano escreveu romances e contos, crônicas, relatórios, literatura infantil e livros de memórias. É a literatura do meio do caminho que nos interessa – a literatura para crianças, de modo mais preciso – Pequena história da República.
Quando consultamos a fortuna crítica de Graciliano Ramos, encontramos inúmeros ensaios, teses, dissertações, artigos, sobre os romances, contos, livros de memórias, mas notamos um reduzido número de textos críticos sobre a Pequena história da República. Qual será o motivo ? Será um livro menor?
Se pensarmos em número de páginas, Pequena história da República é diminuto, talvez tenha o mesmo número de páginas do famoso Relatório do prefeito de Palmeira dos Índios, contudo, em termos de análise sócio-política, é um grande livro.
Alexandre e outros heróis (Record: 2006) traz um posfácio de Rui Mourão com o título Procura de Caminho, mas pouco fala sobre Pequena história da República. Recorremos, então, a uma edição antiga, também da Record (1979), e lá encontramos um ensaio primoroso de Osman Lins – O mundo recusado, o mundo aceito e o mundo enfrentado.
A leitura do texto de Osman Lins esclarece que Pequena história da República foi escrito para crianças em 1940 e se destinava a um concurso literário. O livro foi rejeitado, feria as normas da história oficial. Graciliano ironizou D. Pedro II, Presidentes da República, militares e políticos. Os relatos da Pequena história da República começam em 1889 e se estendem até 1930.
Pinçamos alguns fragmentos do livro para demonstrar a sutileza irônica que permeia o texto de Graciliano. E cabe aqui um rápido comentário: Como a história se repete!
Em 1889 o Brasil se diferençava muito do que é hoje (...). As pessoas não voavam, pelo menos no sentido exato deste verbo. Figuradamente, sujeitos sabidos, como em todas as épocas e em todos os lugares, voavam em cima dos bens dos outros, é claro; mas positivamente, a mil metros de altura, o voo era impossível, que Santos Dumont, um mineiro terrível, não tinha fabricado ainda o primeiro aeroplano, avô dos que por aí zumbem no ar. (2006: 139-140).
Nesse tempo, o chefe do governo era o Imperador D. Pedro II e existiam dois grandes partidos: o liberal e o conservador. A respeito dos dois partidos, vejamos o que diz Graciliano:
Um deles dirigia os negócios públicos. O outro, na oposição, dizia cobras e lagartos dos governantes, até que estes se comprometiam e S. M. os derrubava e substituía pelos descontentes, que eram depois substituídos. Os programas dessas facções divergiam, é claro, mas na prática elas se assemelhavam bastante. (p. 141).
Em 1910, o presidente eleito foi Hermes da Fonseca, que concorrera com Rui Barbosa. A respeito de Hermes da Fonseca, Graciliano assim se expressa:
Mexeram-lhe na vida íntima, expuseram em letra de forma horríveis minúcias em gíria de bordel. Nunca houve neste país torpezas semelhantes. (2006: 175).
Graciliano conclui este livro com relatos da Revolução de 30:
Coisa bastante surpreendente em 1930 foi a rápida mudança de valores sociais, o que determinou uma subversão quase completa na hierarquia. Vários cavalheiros importantes, autores e colaboradores da revolução, foram depressa relegados para a segunda classe, enquanto personagens obscuras, inteiramente desconhecidas, galgavam postos elevados. ( 2006:185)
Graciliano Ramos escreveu Pequena História da República em 1940. O livro foi censurado e só foi publicado em 1945. São passados 64 anos e a história permanece atual. Vale a pena uma releitura.
( Jornal Contraponto. Caderno B, 18 a 24 de setembro de 2009).
domingo, 13 de setembro de 2009
A Crônica entre o jornal e o livro Crônica – dose diária de sonho e de fantasia
LIVROS & LEITURAS
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil - FNLIJ/PB)
e-mail: neidemed@gmail.com
A Crônica entre o jornal e o livro
Crônica – dose diária de sonho e de fantasia.
(Marisa Lajolo. Apresentação do livro. Crônicas para ler na escola/ Carlos Heitor Cony).
Quem quiser estudar a vida nacional deve ler as crônicas publicadas nos jornais de ontem e de hoje. Machado de Assis escreveu mais de 600 crônicas durante quase 40 anos de militância jornalística, e tratou de assuntos diversos. O Rio de Janeiro inteirinho está presente nas crônicas do bruxo de Cosme Velho. Do velho império à República, tudo é motivo de noticia e de crônica.
Na segunda metade do século XX, Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos se tornaram conhecidos nacionalmente escrevendo crônicas para jornais e revistas.
Rachel de Queiroz era a dona da última página da revista O Cruzeiro. Os mais velhos devem se lembrar muito bem desse quarteto famoso: Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Raquel de Queirós. Nas décadas de 50, 60 do século XX, eles pontificavam na crônica.
Os anos se passaram. Surgiram novos cronistas e os textos continuam diversificados. Alguns apelam para o romantismo, outros caminham para a jocosidade, não faltam aqueles que se debruçam sobre aspectos filosóficos da vida. Todo jornal que se preze possui bons cronistas.
A semana passada o carteiro me trouxe mais um livro de crônicas. Crônicas que foram publicadas em jornal e viraram livro. Crônicas para o leitor jovem ler na escola. E o livro vem com a apresentação da professora Marisa Lajolo.
Quem é leitor assíduo da Folha de São Paulo, conhece bem o estilo de Carlos Heitor Cony. O novo livro que tenho nas mãos reúne crônicas de Cony, publicadas em jornais e traz o título: Crônicas para ler na escola/ Carlos Heitor Cony. ( Ed. Objetiva, 2009).
Marisa Lajolo, discorrendo sobre o que representa a crônica para o leitor, faz esta afirmativa:
“ Crônica é aquele texto que costuma chegar à nossa casa no jornal diário, geralmente numa página fixa.”
Prosseguindo, a professora cita algumas crônicas que irão encantar o leitor jovem. Uma palavra puxa a outra e um objeto entra em cena – “Estojo escolar” (p.31); um sonho acorda lembranças antigas – “Areias de Portugal” (p;43); uma palavra chama a atenção por seus vários sentidos – “ O mundo e o menino” (p. 155)
terça-feira, 1 de setembro de 2009
LIVROS PREMIADOS PELA FNLIJ SÃO FINALISTAS DO JABUTI
LIVROS & LEITURAS
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil/ FNLIJ/PB)
LIVROS PREMIADOS PELA FNLIJ SÃO FINALISTAS DO JABUTI
Para bem criar passarinho
é bom ter asas na alma,
imensa inveja dos voos
e viver leve com as penas.
( Bartolomeu Campos de Queirós. Para criar passarinho).
A Câmara Brasileira do Livro divulgou a lista dos finalistas do Prêmio Jabuti. Vários livros que receberam o selo Altamente Recomendável (AR) da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil figuram na lista dos finalistas. Vejamos alguns desses livros que estão nas categorias: Teoria/Crítica Literária; Ilustração do Livro Infantil e Juvenil; Didático e Paradidático; Infantil e Juvenil.
O livro de Marisa Lajolo e João Ceccantini (Orgs.) – Monteiro Lobato: Livro a Livro (Ed. UNESP) concorre na categoria Teoria e Crítica Literária. AEIOU (Ed. RHJ), de Ângela Lago, está concorrendo na categoria de Ilustração de Livro Infantil e Juvenil. Na relação de Didático e Paradidático, aparece Literatura Infantil Brasileira: um guia para Professores e Promotores de leitura (Ed. Cânone Editorial), de Vera Maria Tietzman Silva. Para satisfação dos paraibanos, nas categorias Infantil e Juvenil, surgem dois autores bem conhecidos: Bráulio Tavares, com A Invenção do Mundo pelo Deus-Curumim (Ed. 34), categoria Infantil e No Risco do Caracol (Ed. Autêntica), também Infantil, de Maria Valéria Rezende. Na categoria Juvenil, foi selecionado o livro de Maria Valéria e Alice Ruiz Conversa de Passarinhos: haikais para crianças de todas as idades (Ed. Iluminuras). São, portanto, três livros de paraibanos que brilham nos caminhos do Jabuti.
Ainda há outros livros premiados pela FNLIJ que são finalistas do Jabuti, mas seria cansativo enumerá-los. Vamos examinar um pouco mais de perto os livros dos autores paraibanos.
Bráulio Tavares é paraibano de Campina Grande e mora no Rio de Janeiro, escreve diariamente para o Jornal da Paraíba. Maria Valéria é natural de Santos, mora, atualmente, em João Pessoa. É detentora do título de cidadã paraibana.
No livro A invenção do mundo pelo Deus-curumim, Bráulio traz uma versão indígena para a origem do universo.
Entre as tribos indígenas, as histórias da criação do mundo se prendem às narrativas tradicionais, às histórias contadas ao pé das fogueiras acesas, aos mitos.
Inspirado em lendas de tribos indígenas sobre a criação do mundo, o escritor criou uma história com dois personagens: um Deus menino (um curumim) e sua mãe. Esta dá um presente ao filho, um coco, mas pede que guarde sem olhar o que havia dentro. Qual é o menino que consegue resistir à tentação de receber um presente e não abrir? O Deus-curumim dessa história se parece com todos os meninos do mundo, e resolve abrir só um buraquinho para desvendar o segredo. Saíram quatro coisas: uma estrela, uma folhinha de mato, um grão de areia e uma letra. O curumim tapou o buraco, mas as quatro coisas já tinham se espalhado pelo mundo e foi impossível recolocá-las no seu devido lugar. O resto ? A leitura do livro desvenda.
O leitor não fica indiferente às bonitas ilustrações de Fernando Vilela. Poucas cores, mas cores fortes, vibrantes, carregadas de mistérios.
Maria Valéria Rezende vem se dedicando ultimamente à poesia e, no gênero poético, revela uma preferência pelo haikai. Os dois livros que foram incluídos no prêmio Jabuti são livros de poesia que apresentam haikais.
No risco do caracol concorreu ao Jabuti na categoria “Criança”, traz poemas que estão inseridos no universo infantil: brincadeiras de criança, a presença de pequenos animais, banho de chuva, o canto da cigarra, tudo é motivo para encantamento.
Marlette Menezes se adentrou no universo infantil e colocou ilustrações grandes, chamativas, algumas tomam a página toda, deixando apenas um pequeno espaço para a transcrição dos três versos do haikai.
Conversa de passarinhos é, também, um livro todo em haikai. Valéria dividiu o prazer da escrita com Alice Ruiz e as duas falam sobre o mesmo tema: passarinhos. Cada uma com sua visão de mundo. Este livro está mais próximo da natureza, dos poemas de Bashô. É indicado para um público juvenil.
Fê, com muita delicadeza, fez as ilustrações em preto e branco, com toques da técnica de aquarela. Ilustração suave, condizente com os poemas.
Desejamos que os livros dos autores paraibanos consigam o prêmio maior - Jabuti/2009. Se não ganhar o prêmio na categoria infantil, que venha o juvenil.
Oportunamente falaremos sobre outros livros que foram selecionados para o Jabuti/2009 e já tinham sido premiados, antes, pela FNLIJ.
(Jornal Contraponto. Caderno B, 31/08 a 07/09/09)
Para criar passarinho revisitado
LIVROS &LEITURAS
Para criar passarinho revisitado
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ/PB)
e-mail: neidemed@gmail.com
Três vezes passa por perto da gente a felicidade.
(Guimarães Rosa. Desenredo. In: Tutaméia).
Para criar passarinho, de Bartolomeu Campos de Queirós, editado pela Miguilim, chegou às minhas mãos, pela primeira vez, na primavera de 2001. Li, reli, me apaixonei pelo livro. Um dia resolvi emprestá-lo a uma amiga. O passarinho gostou tanto da nova companhia que não voltou mais. Senti-me abandonada, triste. Como ousara trocar a sua antiga dona por um novo amor?
Vasculhei livrarias, sebos e nada, tomara mesmo “chá de sumiço”, o danadinho.
Os anos se passaram. Em 2004, passeando pelas alamedas da Bienal do Livro, em São Paulo, deparo-me com uma nova edição do livro, igual àquela que tinha antes. Meu coração bateu mais forte, comprei dois exemplares, dei um de presente e fiquei com o outro, guardado a sete chaves. Nada de empréstimo. Aprendi a lição.
Agora, recebo uma nova edição. O livro vem cheio de novidades – novo formato, novas ilustrações, apenas o conteúdo é o mesmo. Examino-o carinhosamente e sinto uma imensa saudade da edição antiga que tenho à minha frente, e pergunto: Onde estão as belas ilustrações de passarinhos de Walter Lara?
Uma voz fraquinha de passarinho responde:
- Foram todas substituídas por desenhos geométricos: quadrados, losangos, triângulos, circunferências. Algumas páginas coloridas em amarelo, verde e azul lembram as cores de passarinhos. Só isso, nada mais.
Repito baixinho: “never more”...”never more”.
O único consolo, caro leitor, é que o poético texto de Bartolomeu Campos de Queirós está lá, inteirinho, imutável.
Quem não conheceu as edições anteriores poderá se contentar com esta nova e percorrer, página por página, o belíssimo (é superlativo mesmo) texto de Bartolomeu Campos de Queirós.
Mas nem tudo está perdido no país de Pindorama. O bom projeto editorial e a criativa capa de Guto Lacaz minoram a dor da partida dos pássaros de Walter Lara. Pássaros gostam de voar. Certamente estão pousados em algum lugar seguro, livre de poluição.
Para criar passarinho é um livro para crianças?
É um livro para pessoas que têm sensibilidade poética e que amam a natureza e os pássaros.
Mas quem é realmente Bartolomeu Campos de Queirós?
É um escritor mineiro que mora em Belo Horizonte. Já recebeu os mais significativos prêmios brasileiros: Jabuti, Selo de Ouro da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Foi indicado, em 2008, para o prêmio Hans Christian Andersen e recebeu, em dezembro de 2008, no México, o Prêmio Ibero-Americano SM de Literatura Infantil e Juvenil.
A professora Marisa Lajolo integrou o júri do Prêmio Ibero-Americano e, em texto transcrito para Notícias 11, novembro de 2008, Boletim da FNLIJ, assim se expressou sobre a obra de Bartolomeu Campos de Queirós:
“Sua estréia na literatura deu-se em 1974, com a obra O peixe e o pássaro. Já esse seu primeiro livro ganhou de imediato um dos mais importantes prêmios brasileiros para livros infantis: o Selo de Ouro outorgado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, a seção brasileira do IBBY. Este livro já fala dos espaços largos, da beleza da vida, do miúdo e do cotidiano de que continua, até hoje, a ocupar-se sua literatura” (p.6).
No conto “Desenredo”, Guimarães Rosa conclui com estas frases:
“Três vezes passa por perto da gente a felicidade. [...] E pôs-se a fábula em Ata.”
Para criar passarinho passou por mim três vezes, mas apenas duas vezes vi a cor da felicidade.
Em tempo: O livro de Bartolomeu Campos de Queirós foi reeditado em 2009 pela Editora Global. É um texto poético/filosófico como costumam ser muitos livros do escritor mineiro.
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