Muito tempo
atrás que já se perde na memória até dos mais antigos, existiu um pavilhão que
o distinguiu pelos seus cuidados exacerbados com a disciplina do lugar.
Era algo
inacreditável para uma cadeia daquele porte.
Encima da
disciplina da polícia, que naqueles tempos era muito rígida, os internos
colocavam a sua própria e, pasmem senhores, ninguém, absolutamente nenhum dos
presos do lugar escorregava na obediência...
... e estamos a
falar de bandidos, alguns de alta periculosidade e acostumadas ao mundo do
crime e aos sofrimentos da cadeia, mas, dentro daquele pavilhão se adequavam em
fina sintonia ao regramento imposto pelo ambiente.
Eu nunca me
enganei com eles!
Ali ninguém era
(e nunca foi) santo. A rígida disciplina era uma estratégia recheada de alguma
sabedoria aleijada que tirava a atenção e os olhares da polícia de sobre o
lugar – a fórmula era quase matemática – sem problemas, polícia longe; com problemas,
polícia perto.
Assim, diante de
tal equação que se transformou em um lema, o voz do lugar organizou uma equipe
de profissionais competentes multidisciplinares que somente se apresentavam quando
se faziam exigidos os seus serviços – estas ocasiões apareciam quando algum
preso, de alguma forma, apresentava-se na grade de segurança para incomodar a
polícia – então, estes competentes profissionais escalados a dedo pela
liderança do pavilhão entravam em cena despejando excelência e profissionalismo
inigualáveis no desempenho de suas funções.
A formatação
dessa equipe, reconhece-se, foi um achado, um daqueles golpes de sorte que a
vida raramente oferta. Qual a chance de encontrar todos esses valorosos
operários do saber juntos, ao mesmo tempo, no mesmo lugar? Quase nenhuma... mas
nesta época, conseguiu-se esta façanha graças a visão do líder do pavilhão, um
homem a frente de seu tempo.
A equipe, se
ainda me lembro, tinha alguns terapeutas ocupacionais, psicólogos, psiquiatras,
um fonoaudiólogo que ensinava aos coitados com pouca dicção a falar a língua do
lugar, entre outros que a memória falha me faz esquecer.
Sei que quando
eram acionados, se aproximavam com uma calma franciscana do preso que estava
dando problemas, o relações públicas (a equipe também possuía um) convidava num
sussurro delicado para que o indisciplinado o acompanhasse, o abraçava com um
carinho quase exagerado passando o braço num gesto afável pelo pescoço do
reeducando e o levava para uma cela que servia as vezes de consultório.
Algumas vezes,
raras vezes, o preso indisciplinado tentava argumentar mas o relações públicas
(somente ele falava) os outros da equipe somente observavam, dizia: Calma!
Vamos conversar, vamos conversar, vamos resolver tudo lá dentro...
(Lá dentro era o
famoso consultório...)
Que trabalho excepcional!
O convite, a
entonação da voz que passava segurança para o preso que seria atendido, as
palavras cuidadosamente escolhidas em frases quase que poéticas, a forma do
abraço, tudo era extraído de uma perfeita didática construída aos labores de
anos de cadeia e estudos arqueológicos e sociais, uma performance digna de ser
estudada em universidades e que eu muito parcamente tento registrar – meu testemunho
não faz jus a esses profissionais, reconheço e me desculpo.
Quando o
indisciplinado entrava na cela (ops! consultório) a porta se fechava e a
terapia começava, aí sobressalta outra qualidade dessa gente singular – odiavam
a exposição desnecessária, detestavam a publicidade, o anonimato era o seu
segredo, sua realização pessoal e seu prazer era bem realizar o seu trabalho.
Nunca se soube,
pelo menos até onde eu conheça, que houve um preso submetido a estas terapias
que retornou para dar problema... reincidência com essa gente, não existia.
O sistema
deveria aprender com eles....