17 de outubro de 2005

outonos

Arvorei-me sob um Castanheiro, sem procura de cor, nem sombra.
Sentei-me apenas para O sentir e deixar que o tempo se extinguisse num nada e se transformasse em quietude.
Silenciámos segredos na cumplicidade da nossa fantasia, embalados nas folhas que se coloriam de Outonos…
O dia desbarulhou-se , só para não nos incomodar e ali ficamos a fingir-nos vivos em transparências de vento, até ao regresso do tempo…

13 de outubro de 2005

estar

Onde estás?
No eu!
No qual?
No teu!

In “apontamentos para um manual da serenidade” ou como o amor pode ser uma simbiose que nos equilibra o sentir e o existir, sem que se perca o olhar…

12 de outubro de 2005

intensidade

Dói-me,
a angústia de não-me-ser-inteiro-no-Eu, (como a calçada da minha cidade que se desenha nas sombras, entre os brancos-e-negros que lhe existem no Ser…)
Dói-me,
o sentir…

São dores do re-nascer…

11 de outubro de 2005

no desenho da calçada...

Passeio-me sem destinos, nas ruas da cidade grande, na cidade que me nasceu no Eu…
Procuro respirares e com eles o sentir da cor e do ir…

Sento-me,
onde os poetas sofreram, onde poetizaram a dor do existir e deixo-me abraçar, envolver, como quem pousa o cansaço no regaço de mãe.

Fico, entre a chuva e o vento…

Ah,
quando morrer quero ir com este vento e renascer na cor do rio-mar que me olha o horizonte.

Ah,
como queria, com desejo quase animal, ser o vento que leva a vela da nau, a bolinar…a bolinar no céu…

Passeio-me nesta cidade, onde a luz reinventa os cinzentos e as sombras em azuis, nas calçadas…

Sento-me,
onde os poetas choraram e deixo-me diluir na chuva que procura o mar e o fecunda…

10 de outubro de 2005

sou

Procuro nas nuvens que passam,
as lágrimas que verti,
olho-as ao vento,
disformes,
brancas,
negras,
e
procuro atento,
pedaços de mim.

Sou,
arqueólogo,
sem história,
que anda sem rumo, por ali.

Sou,
lágrima esculpida ,
azul,
verde,
carmim…
Ah, velas sem navio,
mar sem fim,
deixem-me ser nuvem,
palhaço-criança,
jardim...

Procuro no céu,
a ave migrante
que fugiu de mim...

Sou,
flamingo azul,
que anda por aí,
perdido,
réu,
navegante...
Ah,
Sou,
poema sem véu,
peregrino sem (a)deus,
pintor sem tela,
sem Tempo,
Livro
esquecido,
evaporado,
queimado-vivo…

Sou,
sem chama,
neste mundo,
letra só,
sem sentido!

7 de outubro de 2005

as mãos

Tenho duas mãos que se abrem e fecham, como flor, mas só uma vida inteira as ensina a ser cor…
Fecho as mãos como quem fecha os olhos, mas o universo escorrega entre os dedos que rezam…
Só o olhar sabe guardar o Universo, vendo-O…

In “ Apontamentos para um manual da serenidade” ou como para sentirmos devemos sobretudo, estar de fora

6 de outubro de 2005

dar passos

Quando te sentires cego, fecha os olhos e vai…

In “ Apontamentos para um manual da serenidade” ou como mais vale caminhar com o sentir do que desenhar passos de sombras que nos invadem o Eu...

5 de outubro de 2005

cores

A terra, tem todas as cores do arco-íris…
As cores todas do arco-íris , são de um castanho febril…
Os gira-sois,
As rosas,
As violetas,
O alecrim
As papoilas,
Os narcisos,
As dálias,
O jasmim...
Ah e as outras,
Sobretudo as outras que nascem flor…
Trituram os sais da terra,
E vestem-se da sua cor…

4 de outubro de 2005

astrolábio(s)

Acendo o olhar, como quem se perde no fumo, escondido na chama que se desfaz numa acendalha, diluído na luz…
Queimo os passos, no mergulho que dou, nos acasos da vida, guiado pelos astrolábios do sentir…
Acendo o olhar , qual fósforo do existir…
E
Vou…

3 de outubro de 2005

sede

Bebi um verso,
Sôfrego de cor,
No calor-do-não-estar-aqui…
Bebi-o!
Todo,
para respirar
e
perder-me no olhar,
sem dor,
por ali…

30 de setembro de 2005

versões

Versão do sentir (1)
Papá, papá diz-me quantos anos tem um poema?
Um poema? Não sei…depende de quem o escreveu, ou quando…
Que pena papá, queria tanto saber quantos anos tem um poema…Deve ser infinitos, não deve papá?
Infinitos? Porquê?
Porque as letras, papá, têm tantos anos…

Versão do sentir (2)
Os filósofos, os poetas ou as crianças tem destas cousas fúteis de se perderem no pensar, nas sobras da vida, e de se porem a contar a idade que um poema tem…
Têm tantos anos as letras, que não chegam a saber quantos anos tem uma folha de poemas….

29 de setembro de 2005

ventos

Há um vento que me arvoreia verdes
e
segreda,
nas florestas sem luz,
palavras desabridas,
feridas,
cegas,
vindas do nada,
sangradas,
perdidas…

Há um vento que dança
desfolhando,
palavras roucas
desavindas,
esquartejadas
pela lança,
de um grito de criança…

Há um vento que esmorece…
que morre
sem esperança

28 de setembro de 2005

paragens

O Pião parou,
Caído,
inanimado nos desequilíbrios…
Só o menino chorou,
e
esculpida no chão,
nasceu uma gota-árvore,
adormecida,
com um menino
de corda pendida da mão…

27 de setembro de 2005

resistências...

Espero,
sem resistir…
Dissolvo-me,
nuvem,
no Sol-poente,
doente…
Sou,
pedaço de vento,
demente…
Espero,
sem resistir,
entrelaçado nas raízes,
e volto do nada,
semente...

26 de setembro de 2005

pedra angular

Desenhei uma pedra…
Angular!

Tem cor violeta,
quase azul…

Foi a cor que me voo no olhar,
podia ser outra, mas a vida,
é
roleta,
sem números par…

Esta pedra,
minha
e
tua
é
assim,
violeta,
quase azul,
como as asas de um colibri
ou
borboleta,
desenhadas ao luar…

23 de setembro de 2005

preencher vazios

Há palavras que não cabem na poesia, e no entanto todas entram inteiras na Vida…

In “ Apontamentos para um manual da serenidade” ou como na vida, devemos, sempre que possível, preenchê-la de sentires, não vá o vazio, fazer-nos escorregar na vulgaridade do existir

22 de setembro de 2005

longitudes...

Não há perto nem longe…há caminho…
Longe é quando se pára!

In “ Apontamentos para um manual da serenidade”, ou como, devemos ter cuidados muitos e não tropeçar no Perto, quando nos distraímos ao retirar o olhar do Horizonte e nos perdemos na vontade do ir…

21 de setembro de 2005

melodia das árvores, em tons de outonos

Enamorei-me por um Ulmeiro que se pintava de Rio e que sonhava com assobios de borboleta, sempre que o vento lhe soprava a sombra que morria…

20 de setembro de 2005

Brinquedos

Insisto em brincar com o tempo. É o meu brinquedo preferido. Atiro-o ao mar e ele volta sempre,
divertido…
Entre as ondas-do-tempo , há, escuso, um espaço de fantasia. É aí que mergulho e quase-quase, bebo alegria…
Nesse, instante-mágico-de-destempo-do-dia, vivo o sonho, de sentir o que está fora-de-mim…
É assim que brinco, com o tempo que me sobra em cada instante de sombra que transborda do meu dia

19 de setembro de 2005

dunas

Tenho uma alma nómada,
difusa nas dunas,
de estrelas-navegantes
que se vestem,
com gotas de chuva…
Nem sempre se vê
ou
sente,
anda por aí pintada
nas íris-das-nuvens
a desenhar girassóis-papoila,
nos jardins
e
em cousas outras,
sem formas
nem fim…

Tenho uma alma que bolina, que anda por aí sem mim…    

17 de setembro de 2005

desenho de um sorriso em Ré Maior

A guitarra colou-se ao corpo...
Percorre-me os dedos,
e
navega-me na pele
solta,
inquieta,
atrevida,
como um pássaro,
que se esconde na cor de uma flor…

Toca,
fado-negro,
em cinzentos azulados,
sentimentos,
rimados,
amados,
sem saudade,
sem lágrimas,
sem choro…

Sou bandeira sem mastro,
nem maestro,
ao vento…

Só a guitarra me ouve
e
fala,
em cada folha-que-me-liberta,
deste ulmeiro sem história…

Sou pássaro?
Sou corvo?
Que importa!

Voo-ausente, nesta melodia,
que bebe o sangue,
do homem-novo,
que renasce,
dia a dia…

Ah!
Fosse eu,
o que o olhar-me-sente,
e
a guitarra que se solta,
e se
desamarra,
quente,
nos dedos,
não era pássaro!
Nem colibri!
Nem rosa!
Nem gaivota!
Nem Arlequim!
Nem lembrança!

Era melodia sem fim,
a cantar por esse mundo fora,
desenhada num sorriso de criança,
que ri,
ao som da guitarra que chora…

16 de setembro de 2005

pinturas

Hoje,
desenhei o céu,
de uma cor só,
em aguarela viva,
dançarina-sem-tempo,
esquiva,
quase flor…
Não oiço o eco,
Não oiço nada…
Tenho a alma,
inteira,
esbatida na cor..
Só o girassol me foge,
em amarelos,
doces,
de-papoila-triste…
Não oiço o tambor,
não oiço nada,
Só a guitarra canta,
o poema que sentiste,
as letras que não escreveste…
Desenhei o céu,
de uma cor,
só...

Hoje…
Não oiço o vento,
Não oiço nada…
Tenho na minha mão,
entrançado,
o coração,
em laços,
em nó,
que chora baixinho,
por ver o céu,
de uma cor só…

15 de setembro de 2005

na dor, de querer SER

Tenho no palato o som amargo da terra que secou,
ferida,
gotejada em âmbares derretidos em noites cinza,
sem luar,
Guardo os gritos numa lágrima…
Uma,
só,
e
repinto-a gaivota com colar de horizonte,

Olho-a ao longe,
e
abraço
saltimbanco-palhaço
que alivia,
no grito,
a saudade,
de sentir a terra viva
sem dor,
a voar liberdade...

14 de setembro de 2005

memórias desenhadas sem tinta

Sonhei,
memórias
e
perdi-me,
no tempo,
na incerteza difusa,
de me ser,
inteiro
na
aguarela que pintei,
confusa,
antes do sonho…

há um homem dolorido,
escondido,
nas páginas do meu livro,
que se veste,
colorido,
aprisionado no destino
e
não voo…

Sonhei,
histórias,
letra
a
letra,
como chuva
desenhada num tempo
que não passou…
agrilhoado
sem esperanças,
em cada passo
que se assustou…

Sonhei,
lembranças,
que o tempo inventou…

13 de setembro de 2005

invisibilidades

Mastiguei um pedaço de luz
e
desenhei,
por inteiro, o Vazio
e
a nudez de um Rio, como se a memória adormecesse sem pesadelos, nem muros-caiados-de-silêncios…
Só as sombras eram brancas, frias, (des)luadas na noite que me dormia…
Despenteadas…
Bailarinas invisíveis,
que me consomem vampiras, o sentir e o Ver...

12 de setembro de 2005

eclipse

Guardei todos os ossos-da-memória, numa gota de vinho rubro, entranhado dos suores da terra e do Homem e fiquei suspenso a Ver o eclipse-da-nuvem que se escondeu entre o olhar a alma...

10 de setembro de 2005

autópsia de um sonho

Pierrot morreu!
Desbotado!
Dissecado em memórias infantis...
Perdeu-se nas metáforas,
sem cor nem sorrisos…
Morreu!
Assim, tal qual,
num quadro de Dali,
que nunca pintou Pierrots nem Arlequins…
Morreu, Pierrot,
derretido,
deitado fora entre as folhas secas do jardim…

9 de setembro de 2005

missangas

As estrelas zangaram-se enciumadas quando pintei o céu de missangas coloridas.
Cresceram muito as minhas estrelas, perderam a fantasia…

8 de setembro de 2005

Notredame

Não há surrealismo que me pinte ou escreva…
Fiquei preso na ponta do arco-íris,
enamorado,
nas gotas de um bago de uva,
a tocar violinos,
e
a dançar com o vento e a chuva…
ah, soubesse ter errado os caminhos e teria encontrado o desenho pintado de Nossa Senhora Paris, numa lágrima de neve pura…

7 de setembro de 2005

fados

Escrevo lágrimas de guitarra que só ela sabe pintar,
toca em bailados
de-di-lha-dos,
em-sons-de-sol,
a-la-dos,
numa história de encantar…
Não tem reis,
nem princesas,
nem rainhas,
nem sapos,
é fado que sente numa noite de luar.
Sal-ti-ta a musica,
leva a cor e o olhar…
Quente esta musa,
que ousa amar,
sopra a guitarra,
sozinha,
num som de embalar.
Não é sonho,
nem gaivota,
é fantasia que toca para a cigana-de-olhos-de-mar,
soltar o corpo,
e
dançar…
sal-ti-ta-a-ci-ga-na,
nas cordas bambas
desta guitarra que chora
a cantar...

6 de setembro de 2005

esquiço de uma noite

Desenhei uma árvore pendurada no céu com as raízes abraçadas à lua…
Vesti-a de borboletas…
Eu,
em silhueta chinesa, a imitar estátuas,
tocava flauta-de-Pain, para encantar estrelas que bailavam quase cisnes,
quase fadas,
quase letras…

5 de setembro de 2005

alísios

Irrequieto-me nos alísios de um dia quente que se esvai em gotículas dançarinas,
folheio a vida em soluços enleados numa aguarela cinza de sombras amarelas
e
o espelho finge-se de mim,
mas estou evaporado em silêncios que ecoam batuques-de-fogo e fumos-de-alma.
O dia esculpiu-se xistoso e o vento levou todas as cores num passeio sem retorno…

Há vozes ao longe…

Minhas.

Musicas e lamentos,
ladainhas antigas…
Só o barco me navega,
bailarino,
lento…
Já não sinto.
Inquieto-me e mergulho,
sozinho,
neste imenso vazio de um dia que se apressa mais que o vento,
sem história,
nem livro…
Só o desenho me lava,
e
leva
leve,
na ondulação das dunas,
desta linha deserta,
sem caminhos…

2 de setembro de 2005

no vermelho-sangue de terra que grita

A terra estremeceu,
soluçou gritos feiticeiros e emulou-se em desesperanças...

Asfixiou-se em respirares de fumos negros...

Lá,
onde o horizonte se azula,
o mar paralisou-se em tristezas e os navegares fantasmas deixaram de gerar ondas…

No fim,
o fogo suspendeu-se em queixumes de lágrimas secas e pairou impune nas nuvens sem sentidos,
nem ventos,
nem sombras,
nem destinos...

1 de setembro de 2005

hibernações do Ver

Vou olhar a lua,
como uma gaivota que navega sem voares,
transformada em falua,
sem ventos,
nem estrelas,
nem azuis,
nem lugares…

Guarda-me a chave da gaveta…

Podes perdê-la
Tanto faz.

Vou (re)inventar tudo …outra vez...

31 de agosto de 2005

a pairar em planuras e mesmo assim, existir...

Estranho-me da ausência.
Irreconheço-me ao andar por aí sem mim.
Sem palavras,
sem desenho
nem cores.
Sou invólucro andante,
pedinte?
pedante?
Autómato de fuga,
de pausa,
de intervalo.
Suspendi-me no existir de mim.
O relógio parou...
Destemperado.
Durmo em gaveta,
baú fechado,
parado...

30 de agosto de 2005

ciúmes

hoje,
o mar revestiu-se de andorinhas e de pescadores de estrelas...
as gaivotas enciumadas,
ficaram a olhar futuros,
com todos os azuis a dançar emoções numa planura serena de brisas ...

29 de agosto de 2005

quando o horizonte se refugia bem perto de nós e nos abraça desconfortado por se transmutar em muro de cinza

O mar escondeu-se numa névoa de fogo,
densa,
escura,
de cinza...
de bruma
e o horizonte fugiu…
Acoitou-se na praia, desenhado em ondas brancas,
tímidas,
medrosas…

Só ao dormir-do-sol, caíram pós-de-pirilampo,
e o mar sorriu de cócegas…



O dia fica pequeno com o horizonte tão perto do olhar.
Há uma espécie de muro na existência, que paira perene, suspenso no (des)tempo de se ser Mar,
por inteiro…

1 de agosto de 2005

ir


"ir"
céus da Ria de Aveiro - Julho de 2005

Chegou o tempo de ir, em sentido qualquer mas ir...
Vou procurar sentires, cores, novas linhas de horizonte.
Vou entre o céu e a terra procurar equilíbrios e harmonia.
É tempo de ser em estado puro, sem filtros, sem horas, sem espaço.
Volto com data marcada em Setembro...

28 de julho de 2005

Sim, Senhor Doutor...

As desatenções levaram-me ao trambolhão e ás consequentes maleitas do corpo que, sendo resistente, não foi feito para brincar com as forças da Natureza, e a gravidade, é a gravidade, não há forma de lhe dar volta, leva tudo ao chão, mesmo que não se queira e se acredite que em vidas outras se foi gaivota.
Aparei a queda com o ombro que de tanto se queixar, lá me convenceu que tinha que ir ao médico. O normal era marcar consulta e ser atendido, mas como é normal ter que esperar meses sem conta, desnormalizamos o acto e toma lá Urgência com a dor que ao menos assim, mais hora menos hora temos olhos que nos vejam, radiografia tirada, e papel de receita a aviar se a dor se prolongar.
Está mal o sistema, estamos mal nós que o pomos sempre à prova com coisas de menor monta, mas saúde é saúde e ensinaram os antepassados que com ela não se brinca.
Ainda pensei em afagar as fomes, que o dia fora longo e pressentia longas horas. Não acautelei o estômago, mas um livrito levei não fossem as horas ter tamanho outro que as normais e os minutos se agigantassem.
Vivemos em sociedade, de informação e cartão magnético é coisa do dia a dia. É só pôr na ranhura e lá está o historial burocrático do cidadão. Mas este que resolveu ao fim do dia utilizar o Serviço Nacional de Saúde, mudou de morada e teve que redizer tudo de novo, de sorriso na boca e dor na omoplata.
Seguiu-se a "triagem" em sons castelhanos e novelescos e lá fui de papel branco na mão, com a queixa da maleita descrita em letra para entendidos, para sala outra, à espera de vez.
Esperei, pouco, porque esperar é estar num sitio sem nada fazer, e eu antes de pegar no livro e isolar-me do local, olhei curioso a tentar adivinhar vidas, coisa que gosto desde menino, pôr histórias nas pessoas e no tudo.
De fronte estava idosa de pele gravada de vida enviuvada, em cores negras de morte adiada. Toda ela transpirava dor, incomodação, olhando o tecto, transformado em céu, e em prece de alívio rápido. Fixei-me na pele gretada, a desenhar movimentos de vida de campo, nos amanhos da pequena horta, das galinhas, dos coelhos e das sua quatro cabras, ganha-pão de tapa-miséria precioso, que passeava mesmo com dores de afia-ossos, nos pastos secos, de terra seca. Eram o seu tesouro, as suas quatro cabras, que tratava com autoridade de pastora-viúva e de filhos emigrados…
Senhora Albertina Silva?
Sou eu, sou eu…
Apareceu um vulto alto, sisudo, de bata branca a esconder ganga-de-marca e desconder sapato italiano (que por cá não se sabe sapatear com classe), olhar de águia, austero, predador…
Quem a mandou cá?
Bem Senhor Doutor, foram as minhas dores…
As suas dores? Então a senhora, tem dores?
Tenho sim Senhor Doutor, não…
Onde? Diga onde?
Na perna Senhor Doutor, na perna, é da coluna, sabe…
Ó minha senhora, alguém lhe perguntou de onde é a dor? Se sabe de onde é vá-se embora, a consulta está feita, quem é a senhora para fazer diagnósticos?
Diagno….Senhor Doutor?
Aponte! Aponte onde é a dor!
Aqui senhor doutor.
Muito bem! Agora espere!
Muito bem ,Senhor Doutor!
( esta cena, este acto de vida, indefeso, passou-se em frente de todos, não foi na reserva de uma pequena sala, foi num corredor de espera, ao sabor das humilhações, no indecoro de uma violação da alma, no desprezo de um desafecto...).
Senhor José?
Levanto-me,( ainda com a Dona Albertina no sentir, a imaginar as preces de perdão por tratar tão mal as suas cabrinhas e por tal falha desumana, estar agora a ser ela, tratada como animal sem rosto, nem pasto de sorrisos).
Entre.
Entrei para uma sala. Intrigado. Mais intricado fiquei quando saí , porque fui bem tratado, acompanhado à porta, com desejos de melhoras.
Fiquei incomodado a pensar se seria do cartão, ou se a dona Albertina, era afinal um fantasma, indigente que por ali passara para incomodar o senhor doutor, senhor de diagnósticos profundos, que escolheu mal a profissão e que se arrasta nos corredores de um Hospital, como ave de rapina a sublimar as suas frustrações de vida…
Não sei se ainda lá está a Dona Albertina, eu já jantei, já aviei a receita e preparo-me para noite inquieta, porque o mais certo é ter visto fantasma porque humano não se trata assim , e cartão afinal é para desburocratizar e facilitar os procedimentos e saber quem paga ou não paga taxa moderadora…

27 de julho de 2005

hoje sou...pedaço de reticências que se desenham sozinhas

Sentei-me num tapete-de-sombra e voei em cada cor que se escondia de mim .
Tapete mágico, (de luzes-de-lua-nevoeiro, que me percorre as veias da alma, sem medos nem angustias, fundo), quase cristalino,
Vou,
Em estado-puro, num cavalgar desenfreado, sem rédeas, nem universos.
Sou saltibanco-de-fantasias, longe do Mundo…
Sou o Mar que me habita,
Onda-elefante,
Muro,
Pedaço de nada, de mim,
Volátil,
Mudo…
Voo, em tapete-sombra, embondeiro-muribundo, entre espelhos-do-eu,
e escrevo,
lá,
no alto, no (des)mim, nas estrelas do Mar-Egeu,
Hoje, sou o acaso,
Pedra solta,
Papagaio-de-papel,
Sou,

todas as letras que não se escrevem em mim,
Pedaço de alma,
In-verso,
Arlequim”

22 de julho de 2005

linhas de mão

Na palma da mão desenho areias,
em gotas de nada,
agarro-as liquidas,
desesperançadas…
Desenho linhas,
longas
no chão,
descompensadas…
Fogem desertas,
sem sombras,
desencontradas…
Desenho na palma da mão labirintos,
meus,
coloridos e vagueio-me nos passos,
não há ecos
nem gritos,
nem castelos-feiticeiros,
há uma luz nocturna que me leva que me viaja aos sons de uma guitarra que chora,
nevoeiros…
Na palma da mão desenho laços,
teus.
São ondas,
douradas
Que esvoaçam mitos
ao longe,
de longe
enamoradas…
Linhas abertas,
feridas,
vidas
que nos fogem
caladas,
perdidas,
sopradas…
Barco fantasma,
(falua,
barca,
bateira ou
moliceiro)
São linhas da mão…
gotas de areia,
desertos de água,
solidão,
flauta,
singela,
bela,
de pan…

oiço,
ao longe
de longe
violinos de Chopin

19 de julho de 2005

dúvidas

Entre as inúmeras possibilidades de acasos, em cada instante só te cabe Um, e nesse que é teu, gravitam outros incontáveis acasos que serão o Um de cada outro que te envolve O viver.
É nesse acaso, (sem dimensão para o olhar e o sentir) que uma simples flor, (desenhada na beleza de ser apenas flor), cabe na tua mão e simultaneamente não cabe no Universo, tamanho é o seu existir e a sua cor.
É assim que surge o Multiverso, contemporaneamente ínfimo e gigante…por isso devemos ter muito cuidado com o existir, porque os nossos instantes são determinantes para a Alma do Universo…

Nota: pede-se desculpa a quem lê, toda esta confusão exotérica. A ideia está embrulhada, labiríntica, mas estas coisas do imponderável, dos instantes e dos acasos são coisas de alma e essa não se deixa explicar, mesmo que ande distraída…
Vou olhar com mais detalhe esta coisa estranha do Multiverso / Universo, porque andei quase meia vida à procura do UM, e agora assim sem mais, sem pedir licença aparece outro UM simultâneo , paralelo "insomável "que me desordenou a serenidade do existir...

17 de julho de 2005

sem um fim

A vida não tem que ser uma vitória, uma incansável conquista, nem tem necessariamente que ter um propósito, basta que SEJA.
Só dessa forma nos conseguimos maravilhar com o UM, porque ele não é um Fim mas um Todo.

In “ apontamentos para um manual da serenidade ou como é tão fácil perdermo-nos no caminho quando confundimos o querer com o ser…

16 de julho de 2005

mestres

Vivo num país sem Mestres…
Não que os não hajam, mas porque todos o são…

In “apontamentos para um manual da serenidade” ou como a sabedoria não está na opinião que se tem mas como se transmite …

15 de julho de 2005

ingenuidades...

A consciência é a sombra colorida da alma. Persegue-a, delimita-a, com ou sem luz, abraça-a. Uma alma sem a sua sombra é como flor sem cor, existe mas não se sente…

In “ apontamentos para um manual da serenidade” ou como por vezes devemos deixar-nos ir com a ingenuidade do existir de mãos enlaçadas à nossa sombra-de-alma, vá ela por qualquer onde…

14 de julho de 2005

era uma vez...( desculpem, hoje só falo com crianças)

Colei,
estrela-do-mar,
entre as nuvens e o azul da noite,
e outra,
do céu,
entre as águas e o horizonte salgado de ondas e ventos e mares.
Cada uma com cor sua.
(Quem não gostou foi a lua,
que ficou sem pedaço de luz com que se passeia,
nua,
pela rua. )
Mas o céu ficou salpicado de estrela princesa
que queria ver o mar lá do alto,
onde se escondem os desejos...
E o mar,
iluminado de estrela príncipe, quase rei, de uma luz suave de Natal.
Foi nestas andanças, de lua e de estrelas
que encontrei maravilhado,
pequeno animal,
que já não sabia quem era neste espaço universal...
se cavalo,
(coitado),
marinho,
apaixonado , pela estrela que tinha desejos maiores que amar coisa de rabo enrolado,
se menino enfeitiçado por estrela que se fez ao mar.
Fosse o que fosse,
o pequeno animal,
estava encantado,
por se sentir assim,
pasmo,
baralhado,
por esta confusão de ser joguete,
peão,
de poeta desastrado
que pinta,
com o que tem à mão,
distraído,
estrelas em qualquer lado,
no céu,
no mar
ou no coração...

13 de julho de 2005

tonalidades brancas

Pintei um branco que só a gaivota sabe e salguei-me nos céus-vermelho-sangue…
Hoje sou “pôr-de-gaivota” que se esconde no horizonte-verde-mar…
Pintei um branco que só a dor sabe e tatuei uma lágrima doce que beijou o mar…

12 de julho de 2005

futuro(s)

Só há futuro se ousares…
De outra forma só te restam dias que se repetem ao ritmo da rotina, que se desfolham como um livro branco, em monotonias…
Se resistires a folhear as páginas brancas sem esboçares um sentir, sem te deparares com um impulso de um desenho, de uma letra, de um risco, então estás perdido. Enterra-te!
Mas se ousares um sentir, então nasce o NOVO e esse arrasta-te no futuro...

In " apontamentos para um manual para a serenidade" ou como tudo se pode tornar simples se nos maravilharmos com a emoção do desenhar o futuro através do sentir...

11 de julho de 2005

o grão de areia

Se fechares a mão e prenderes o que nela cabe, todo o Mundo te escorrega entre os dedos e o que te sobra , só existe para ti…

In “ Apontamentos para um manual de serenidade” ou como quando te aproprias de um grão de areia, todo o Universo se ri de ti…

10 de julho de 2005

forças

Se abres as mãos para sentir a força do vento, do mar e dos rios, porque não abres coração para sentir a força da vida?

In" apontamentos para um manual da serenidade", ou como não sendo possível agarrar a totalidade, é sempre possível senti-la...

8 de julho de 2005

africa

Há um pássaro negro em mim que pinta o céu de sol em esvoaços,
livres,
outro que me pesa em ecos-sombras
coloridos-de-lagrima,
tristes.
Águia-corvo de um mesmo voo que se agonia sem audácia
e pousa triste em terras,
longe,
de acácias,
rubras,
sem céu,
nem
asas...

7 de julho de 2005

odiosapiens

bailados amordaçados

A revolta contra a extinção do Ballet Gulbenkian resultou numa petição on-line. Será entregue ao Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian.
Estou de acordo e assinei.
A última parte merece ser transcrita:

«É, na nossa opinião, um crime cultural contra o país. Temos noção de que o BG não é uma instituição pública. Sabemos que a Fundação Calouste Gulbenkian é soberana nesta decisão. Mas quarenta anos de vida – e que vida – tornaram o BG património nacional. E o património nacional, manda a lei, a ética e o bom senso, deve ser defendido. Esta extinção não faz justiça ao Ballet Gulbenkian nem ao seu público. Não faz justiça a Portugal. Nem faz justiça à Fundação Calouste Gulbenkian, grande farol de um país culturalmente tacteante. Pedimos, por isso, que reconsiderem a vossa decisão. Sob pena de ficarem para a história – da FCG e de Portugal – como os carrascos de um membro insubstituível do panorama artístico nacional.»

Para darem o vosso apoio basta acederem aqui:

http://www.petitiononline.com/bg05ext/petition.html

o guardador vagabundo

Vi um pastor,
sossegado,
caminhante...
Passeava flores,
divertido com o Universo…
Ah! Deus meu…e as cores do sorriso das flores…
Fosse eu pedaço,
verso,
estilhaço,
ou
sombra do pastor,
e era eu que ria,
quase palhaço,
deste dia, que nasceu,
aço,
fino,
aguçado,
de dor…
vi,
um pastor,
não de gado…
de flores…
Não tinha capela,
nem templo,
nem arado,
tinha um sorriso rasgado,
por estar ali,
descansado,
a vaguear o aroma das cores…

6 de julho de 2005

descuidos

As nuvens (des)azularam o céu com histórias gotículosas que se desfazem na pele como brisas de afectos. Acariciou-me uma que me disse sem ventos nem cerimónias “ …andas desatento-de-cores…mergulha-te no desdentro e vive cada palavra que não ousas…”

In “ Apontamentos para um manual da serenidade”, ou como devemos olhar para fora da concha-do-eu para sentirmos a Vida que se nos oferece e nos empurra no existir…

desazularam
= pintalgaram de branco o céu ( emitiram sons de segredo no sentir de quem escreve)
goticulosas = tentação de quem escreve de confundir o leitor, com gulosas ( gotas pequenas gulosas? ávidas de se ouvirem? doces? ternurentas?) De qualquer forma a imagem é de pedaços de nuvem que nos beijam a pele...
desdentro = influência da literatura africana, cada vez mais presente na minha forma de estender as palavras no sentir e de reinventar sentidos ( Mia Couto, Pepetela…) que na verdade apenas pretende dizer, para fora ,de dentro para fora…sai de ti...

Peço desculpa ás palavras de as aprisionar em sentidos. Não é habito meu impor paternidades...

5 de julho de 2005

somatórios

Onde estás?
Aqui!
Onde?
Entre o que sentes e o que vês…
Ah! Estás no Eu!

In “ apontamentos para um manual da serenidade” ou como uma ausência nos desenha o Eu, ou como somos um somatório de ausências, ou ainda como o vazio nos envolve em caminhos e nos leva no ir...

4 de julho de 2005

...

Não escrevo.
Pesam-me as palavras que esvoaçam escuras.
Não gosto de palavras sem cor.
Não escrevo.
São silêncios de dor…

30 de junho de 2005

de papel...no azul

Vagueio o vazio,
O mesmo.
O sempre que me navega,
vagabundo,
o que me habita no destempo do Eu que me cega…
Marco sem bússola as pegadas
que gravo,
grave,
no Mar…

É esse o desenho do meu vazio…

Os passos no azul…

Os pássaros?
De papel?
Presos?
No fio?

Não,
Não há pássaros azuis-de-mar e eu sou pássaro-onda,
branco-espuma,
nuvem,
que vagueio no vazio,
nos passos,
sem compasso,
perdido no tempo...

No pêndulo?
No templo?

Gravo as pegadas,
uma
a
uma em voo alado,
sem destino.

Não procuro,
ando,
vazio,
num círculo,
longe de mim...

De TI?

Sou onda-eco,
que desenha passos,
no jardim…

29 de junho de 2005

(des)humanidades

pinto, de lápis e cores de água.
suave ,
não vá o lápis revoltar-se.
os olhos do lápis partem-se em lágrimas se lhe transmito a dor disforme que me salta do ver.
aguarelo-me inteiro,
dessalinado,
em ossadas-andantes-na-negritude-do-sangue-fome.
não tenho ódios,
nem raivas,
nem palavras,
nem gritos,
sou indignação.
por inteiro.
afiado, como o lápis que me escreve,
sem poesia nem perdão.
pinto,
suave,
com o cuspo da ilusão.

parem o tempo!
já!
ah se desse, parava-o eu,

a cada segundo morre uma criança sem (a)deus .

parem o tempo já.
agora!

para que não morra a criança que ainda não nasceu…

já não grito.
já não choro.
sangro sal.
uivo ,

sou animal.

28 de junho de 2005

desencontros

Encontrei nuvem que me contou coisas que só o céu sabe. Disse-me assim sem vergonha e com escárnio que nos olha um a um e se põe a imaginar um desenho para cada qual. Disse (faladora dos diabos esta nuvem…) que me viu palhaço quando eu ainda era só coisa pequena, mas que agora estava disforme…
Estou à espera que te desenhes, sublinhou num sussurro arrogante e sem sorrisos.
Vou falar com outra nuvem…esta não tem imaginação nenhuma.

25 de junho de 2005

irrequietudes de um caminho

Sempre que me aproximo do horizonte ele inquieta-se e transforma-se em montanha.
Só na distância da planura sinto o infinito de uma linha que me acalma em serenidades longínquas e me sinto em mim...
Quando me aproximo, quando saio de mim, tudo se agiganta em perguntas que se perdem sem resposta ...

In “ apontamentos para um manual da serenidade” ou como só te deves aproximar do horizonte se estiveres preparado para a subida, porque o teu horizonte, a linha que procuras, encontra-se para de lá da ilusão ...

24 de junho de 2005

um só nome...o nosso

Desenho o teu corpo de linha só, dos cabelos nasce a linha que te percorre os traços de mulher.
Tens um só traço,
um só nome,
Beijo-te os seios, em vento-seda-de-carícia,
sorris…
é como beijar a felicidade…

23 de junho de 2005

(em) sombra

Sento-me no Sol,
ensandecido,
queimado no desmim,
gota de um nada,
ferido
na
asa,
quebrada
num alar esquecido,
do fim…
Vou
no
que
sou
em voo,
sem
ali…
Ah, fosse eu Só,
sombra-oculta
na penumbra
de mim
e era vento-vela
no mar,
solto
do além
do aqui…

22 de junho de 2005

dimensões

O infinito,
tem,
entre outros,
dois tamanhos e um é MAIOR que o outro…
Não há infinito como o de uma criança…
Quando crescemos, ele encolhe, mingua, nos filtros que usamos no abuso de o olharmos por dentro, o nosso infinito passa a ter o tamanho do nosso “por dentro”…
Só o infinito de uma criança salta dos olhos…e é esse salto que o transforma em ENORME

21 de junho de 2005

na corda de um peão


Desenhei a fantasia,
numa flor…
Pintei-a de cor,
de uma cor…

Uma.

Só.

Musiquei-me a ouvi-la,
(nos
pingos
que pingam
o
tempo,
e
as
esperanças
),
todas as histórias,
que
ela
tinha,
nas
lembranças,
mais
os segredos
que
não
dizia
a
quem não lhe soubesse
a
dor,,,
Eu,
sabia,
desenhei
a
fantasia
num dia
de
sombras-vazias,
nas
curvas
de
um
peão
que girava
sem
asas,
nas linhas
da minha vida.

17 de junho de 2005

história mal contada, ou como nem todas as histórias servem a uma criança

Tentei contar a uma criança que o céu, durante o dia tem mil e uma estrelas, não uma.
"Nem todas tinham nome, era certo, que a que se via, escondia as outras e quase nos cegava quando olhada, olhos nos olhos, era também verdade, mas elas estavam ali, como anjos a brilhar"…
Duvidou, o menino que me ouvia, com tanto desacreditar que tive que arregaçar as mangas, pegar em escadote e uma por uma , até mil, repintar todas as estrelas-anjo que se envergonhavam nos azuis claros do dia.
Não sei se foi por causa do Sol ter derretido todo o meu trabalho, ou por não ter escolhido os amarelos-brilho certos, o certo certo é que ouvi com todo o desdém , Isso é batota! Disse-o assim sem mais, com os dentes todos, poucos, mas todos, num sorriso de troça…
Não é nada batota, insisti com a imaginação toda aflita…
Voltei a subir a escada e furei o céu em mil e uma alfinetada a pedir-quase-reza, às sortes que acertasse em cada uma das estrelas que se divertiam escondidas de mim.
E agora? Perguntei sem abrir os olhos, tal era o meu desacreditar…
Estragas-te o céu todo! Vou dizer à minha Mãe! Vai-se esvaziar todo! Estúpido!
Fiquei a vê-lo ir em corrida de medo sem olhar para o atrás …
Só reabri os olhos à noitinha.
O céu estava todo divertido, às gargalhadas de luzes…

16 de junho de 2005

cadastro de mim

Todos os meus átomos são de Mar, Terra e Ar…
Só um me escapa…
É esse que me leva... na lembrança do existir…

15 de junho de 2005

Mestre


Não nos deixaste,
ficaste inteiro no VER,
na invenção dos dias claros que se escreveram no desenho com todas as cores da HUMANIDADE…

Somos orpheus de ti

há 35 anos(*) eu era criança , tu….também…

(*) anos da morte de José Almada Negreiros

a forma de uma intimidade

Não sei em que pedaço
do espaço
que
me
abraça,
encontre a suavidade
de
uma
intimidade…
( aquela coisa estranha que nos aquece até ao (des)fim …),
se em gota de sal,
pingada num sorriso,
se em seio,
desenhado,
visto,
de mulher,
desvestida no baloiço da brisa,
ou em orvalho de rosa,
flor,
perdida,
na cor…
Não sei em que forma de lágrima,
ou em que forma,
procure…
Seja ela o que for,
molde,
pintura
risco,
escultura,
esboço,
sonho,
delírio,
loucura,
apenas nuvem,
ou amor,
que surja
do
aqui
ou
do
além…
mas que seja intima.
Sem dor…

14 de junho de 2005

coisas simples

O sonho mais simples de um homem, é dizer "amanhã" com um enorme sorriso no olhar...os outros são muito mais complexos (não nos cabem no corpo*)...têm por inteiro toda a emoção do Universo!


(*) o que nos cabe no corpo inclui até onde o olhar nos leva...

13 de junho de 2005

os passeios de uma árvore

Encontrei uma árvore que se espreguiçava em mil-braços-de-palhaço-aposentado, espécie rara, porque pastora, guardiã de pássaros-folha…
Tinha momentos de futuros e sorrisos, porque quando os seus pássaros voavam, transformava-se em nuvem.
Gostava de viajar, esta arvore-de-babel de cores muitas e mil cantares…
Descansou na minha sombra…tinha cousas para me contar…sabes, disse-me em sinceridades, já percorri o Mundo, levantada pelos meus pássaros, mas tenho saudades da Terra, estou cansada de me levarem. Perdi raízes. Sequei-me nos sonhos e nas cores de um ir que não me coube no acaso. Tenho-me sede de árvore, de sentir o vento ir com afagos de carícias de penteares. Tenho saudade de sombra, de me passear na sombra em rodares de saia bailarina ao sabor da estrela, ao ritmo da luz. Tenho saudades dos meus passos…só me passeio em sombra…
Guarda os meus voares…quero sentir as minhas folhas

Eugénio

os poetas não morrem...
vão com as aves


caro Eugénio,

Dias há em que as palavras ficam presas entre o olhar e a garganta, agrilhoadas numa dor suave que não grita mas que nos perfura a alma...Estilhaçam-se, fragmentadas em lágrimas que já não existem, porque se choram, vazias.
Dias há em que os poetas partem nas nuvens, sem palavras, só com poesia…
um abraço,

12 de junho de 2005

as cores que o escuro esconde

A noite levou-me nos desdormires como se todas as inquietudes se concentrassem em ebulições descontroladas do existir e só coubessem fora de mim.
Levantei-me e fui com ela à procura do escuro ...

9 de junho de 2005

mimicas esquecidas

A cidade-grande vestiu-se de violetas-fortes.
Parecia uma cidade a retirar o luto, com quase-sorrisos-coloridos escondidos entre muros e paredes de casas que me desconheceram os passos.
Senti-me visitante-intruso nas ruas que se esqueceram de mim…
Tentei guardar o sentir dos violetas-fortes ( com todo o brilho que uma cor nova tem, sem águas), mas estavam presos ás árvores e nem elas me falaram com mímicas de ventos…
Tenho que as percorrer mais vezes, talvez assim elas ( árvores e ruas ) se recordem de abraços e histórias antigas que trocávamos com o olhar.

8 de junho de 2005

7 de junho de 2005

os meus lápis

Hoje não desenhei, não encontrei os meus lápis de cor. Saltitaram todos, em viagem que não sei. Fazem-me falta, os lápis, porque as cores, tenho-as sempre, mesmo no escuro…principalmente no escuro. É no negro ( com ou sem sombras) que lhes dou o contorno do sentir e este só é intenso quando me cego.
Mas são os lápis que me brincam e me jogam a vida.
Os meus lápis não têm embalagem, por isso nunca os afio. Eles gostam de se empoeirar nos meus dedos ( é a nossa intimidade, os nossos sussurros, reduzidos ao mais simples, ao elemento, ao pó). A espessura do traço é com eles. Por isso gosto do desenho, ando sempre a adivinhar a forma e o peso do sentir. Todos os meus lápis me são pele por isso não ouso usar borracha...
São uma enorme responsabilidade, ter lápis que se alimentam do meu sentir. Vezes há, que me fogem e eu fico a perguntar-me se foram desenhar sozinhos a história que me descobriram nos dedos...
Quando conseguir decidir-me no nome que hei-de dar a cada um, deixo-os partir sem me interrogar…

6 de junho de 2005

mão

Abri a mão e tentei lembranças sobre as linhas que lhe gravaram os caminhos que a dobra.
Sorri…
Estão lá todas, as de menino e as outras.

Posso fazer o desenho!

De uma, a outra está ocupada com as cores que os olhos lhe dizem…

4 de junho de 2005

lentidão

Passeei-me lento entre amarelos secos…
O Tempo d e m o r o u – s e . . . agrilhoado no suor da terra... adiou-se, como que filtrado nos poros do existir.
Percorreu-me o corpo entre carícias e lembranças, prendendo-se, esquecido. Perdido na fantasia, num mundo onde se funde nas inexistências …

3 de junho de 2005

( re) encontros com a noite

A noite veio buscar-me!
Descolou-me suave do Eu e levou-me…
Tinha cousas para me mostrar, cousas outras, esquecidas, antigas de um menino a chorar que desencontrou os amores, quando incauto, tinha revelado aos grandes, segredos sagrados.
Diziam, soprados ,tais tesouros (mal guardados) alquimicos, que amava... ( sabemos nós que falamos da quimica da alma) , Não menina, mas flor-fada, exótica e rara que só tinha cor, no escuro das noites e que lhe contava, em assobios-de-azuis, aventuras de um menino-indio que sonhava, sozinho... Não cousas de soldados e heróis mas de bichos pequeninos que desenhavam o que sentiam, até cousas de amores…
A noite veio buscar-me e eu fiquei a ouvir o que os azuis me diziam, cousas outras que não vou contar, pois são para ouvir, só por quem entende o vento a falar…

2 de junho de 2005

sem dimensão

Abri um buraco,
com pá,
picareta e suor.
Fundo.
Vertical.
A perder de Tempo.
Negro.
Sem cor, nem dimensão (medível).

(muito fundo…)

Ao lado ergui até ás nuvens,
uma escada,
de corda.
Alta
Vertical,
de prumo,
mas de cor,
Trigueira (bonita, esta escada, a imitar fragmentos de Sol).
Sem dimensão.
Alta, até arranhar ( sim, claro, o céu)
ENORME!

(até ás nuvens…)

Depois,
depois subi.
Lá,
olhei para baixo.
Para o Buraco.
Visto do alto, um buraco é um buraco, plano, sem fundo...

( com a espessura de folha de papel...de arroz)

É como a Vida,
tanto faz a distancia que temos de Tempo.
Só o instante conta e se sente.
O fim perde-se da vista…

1 de junho de 2005

o instante de se ser um ponto

Quis desenhar uma palavra na areia da praia...
Uma única palavra que pintasse a emoção de ser um ponto do Universo.
Não encontrei palavra ( nem cor)…
Ficaram as pegadas, até ao instante da onda se espraiar,
livre…
Como o ponto…
Como o Universo…
Ficou o instante…

31 de maio de 2005

vagueações

Agarrei no cachimbo e deixei-me arder no sal, de olhos vagos, (fugitivos-das-lágrimas), a passear-me por dentro…

30 de maio de 2005

tempo(s)

Desenhei uma onda pendurada no céu em forma de cavalo-marinho-azul e que me sussurra histórias do vento.
Olho-a e o longe…
Voo-me a descoberta do Tempo que me coube...
Cabe inteiro no que vou gastar até me fundir no horizonte…

In “ apontamentos para um manual da serenidade", ou como mesmo que alguém resolva brincar com a nossa linha do horizonte, o nosso espaço-tempo cabe inteiro no nosso querer de ir sempre além…

29 de maio de 2005

pinturas em fim de tarde

Prendi-me às velas de um barco que se escondeu onde o mar e o sol escorregam, abraçadas ao mistério da Descoberta…
Sopro o vento,
a fingir-me caravela…
Voo,
em brancos-bruma,
e
sou,
Gotas-sangue,
de aguarela.

27 de maio de 2005

sons em branco...surdos

A onda espumou com raiva lenta os gritos surdos de uma gaivota que se perdeu entre os azuis...

26 de maio de 2005

divagações

O desenho é como um poema, só a linha que o delimita na forma e exalta o sentir, tem vida própria, tudo o que fica fora dela só merece a invisibilidade…
As linhas e as letras para o poeta são uma e a mesma coisa.
Não sei escrever, nem sei desenho, mas sei poema, porque poema é de cada um e nasce no VER.
O que o rodeia são suposições que deformam o original. Só o original nasceu do SENTIR o que se segue apenas O provoca.

25 de maio de 2005

se a existência se resume ao" ter e não ter"...não tenho!

Não tenho invisibilidades…
Até a imaginação se põe a dançar com uma bailarina-borboleta (que se diverte em sombras), ao som de uma guitarra que se abraça a uma trompete que se finge piano e fala comigo em sussuros de feiticeiro africano...( colorido em tons de Malagatana)

24 de maio de 2005

o palhaço de D. Quixote

D. Quixote tinha um palhaço…
Não o era o Sancho, nem o próprio, o Cervantes, muito menos o Rocinante…
Era eu…só que cheguei atrasado à história…

de pernas para o ar

Nasci ao contrário ( com os olhos a fugir para dentro, numa tentativa vã de não existir na Luz).
Todos o sabem?
Não! Não todos, a mãe sabe, eu também, disse-o ela em grito de parto engasgado. Cansada.
Talvez por isso me sinta bem no Ver que se desenha no olhar, de pernas para o ar…
Só assim entendo e descodifico o Ser-Me…o resto do Todo, é artificial, articulado no Ver-em-câmara-escura ( sei eu e todos que na câmara escura a imagem anda por ali em bolandas de pernas para o ar para ser vista)
Eu vejo o sentir em fenómeno óptico…tudo de pernas para o ar, sem câmara escura…

23 de maio de 2005

A quem vai tendo a paciência de me ler fica o aviso que retirei a possibilidade de comentários em todos os espaços que criei…
Por cobardia,
dirão uns...
aceito ( digo eu, com a convicção que me assiste),
censura? Sim, assumidamente,
mas a verdade é que não me sinto com vontade nem disposição para receber insultos.
Que me inventem o EU, não quero saber. Não me interessa. Que o façam noutros espaços, é direito vosso, também não me interessa, mas não o permitirei que o façam neste espaço.
Este espaço, e os outros em que me escrevo ou pinto foram criados com um enorme prazer e existirão até ao momento em que me derem prazer.
É um direito meu.
Sou como sou, tenho sobretudo defeitos, por isso me isolo, por isso escrevo na minha solidão, no meu canto.
Fica um obrigado a todos os que me foram comentando, esperando que entendam que não tenho outra intenção que a de conseguir continuar a rever-me neste espaço, como meu, como reflexo do meu olhar e que só o conseguirei fazer se para tal tiver vontade.

silêncios

Pintei o silêncio a pó-de-giz.
Negro.
Fragmentado.
Há silêncios que se colam à pele como o nevoeiro-de-áfrica, denso, pesado e ferem a alma com uma lámina-sabre. Carniceira!
Despedaçam-nos, vivos-sangue sem uma única lágrima no olhar e um desprezo INTEIRO…

No entanto vou,
cego,
numa planura disfarçada de horizonte,
ébrio de VER…

22 de maio de 2005

puzzle do eu

Se estás incompleto, só existes nas partes…
Procura-te nos fragmentos e soma-te no UM…

In “ apontamentos para um manual da serenidade” ou como há dias em que o importante é encontrarmos pedaços do Eu, reconhecidamente nossos e não perdermos tempo em dizer-lhes “ sejas bem vindo”…

21 de maio de 2005

queda(s)

A Vida é uma espécie de QUEDA inconstante, em permanente transmutação e que finge fugir da Morte…

Levanta-te!
Dá um passo!
UM!

Fizeste FUTURO!

20 de maio de 2005

roubo

Roubaram-me o dia.
Sumiu-se, sugado por uma palhinha…
E
eu,
ali,
a inventar-ME cores…
A vê-lo IR…

19 de maio de 2005

bancos-de-jardim

Espalhei passos (meus) em acasos de fim-de-tarde, cansado, em Jardim-Pintado-de-Novidade (com salpicos-coloridos, a espreitar os verdes e a murmurarem conversas soltas como só eles, o vento e os poetas-pintores entendem e sabem).
Sentei-me em Banco-de-Jardim.
Branco-Pedra.
Frio.
Os bancos de jardim, mesmo novos ( como este que me abraçou o olhar e o cansaço) são ouvintes, ao acaso, nos ocasos dos destinos que soluçam, engasgados, os desencontros da vida, num jogo de dados ou de cartas, ou em jogo nenhum, porque a solidão afinal não o é (jogo), é sim uma pergunta contínua que joga à escondida com a resposta. ( desculpem, os que têm o azar de se passear nestes labirintos escritos, mas quando nos paramos, mesmo sentados, o pensar não pára e confunde-se na inércia do existir).
Sentei-me.
Repito...
Cansado (ainda) no banco-branco do jardim…

Os bancos dos jardins, mesmo os de pedra, novos, são desenhadores de rugas…

As rugas escorregam-se quando nos sentamos nos bancos dos jardins a olhar o horizonte que nos passou no Ver quando não nos sentávamos, cansados, nos bancos de Jardim…

18 de maio de 2005

engano(s)

Recortei, as minhas sombras, uma a uma com tesoura e bisturi.
D e s c o l e i – a s .
Não me sabia tantas !
Entornei-lhes transparências e joguei-as no mar (sempre tiveram tendências navegantes, estas "alter-sombras")…
Olhei-as, sopradas pelas ondas e imaginei no desenho, uma nuvem de gaivotas a segui-las em manto-branco-trompetista, até ao horizonte, mas não vi nenhuma gaivota, nem mesmo no longe…devo-me ter enganado nas sombras…

17 de maio de 2005

interlúdio poetico

A Cláudia , capitão Mantras do Nautilus vai dizer poesia ( como só ela sabe), dita com o olhar no , dia 21 de Maio, pelas 18 horas, na Fnac do NorteShopping, no lançamento do livro de poesia A NUVEM PRATEADA DAS PESSOAS GRAVES, de RUI COSTA , das Quasi Edições.
Apareçam, porque tenho a certeza de que vão gostar muito do livro e da forma ouvida em que se transforma a poesia sentida pela Cláudia.




também podem aparecer em Aveiro no próximo dia 25 ás 21,30 na Feira do Livro

16 de maio de 2005

distracções , (in)consequentes

O céu caiu!
Todo!
Desamparado,
desarrumado.
Desprendeu-se dos azuis e tombou trôpego-cinzento, pesado como um cobertor-de-papa-molhado-das-lágrimas-da-nascente-do-Nilo …
Eh! Oh de cima, então?
Vá de içar isto, que coisa assim não é de baixo é de cima!
Vá Iça!
Isso!
Devagar…
Alto! Mais à direita…sim…mais um pouco...ÔH!
Iça!
Iça!
Isso!
Como andam distraídos, vai uma pessoa a passar e pimba!
Chiça!

15 de maio de 2005

isto hoje não é para ler

A Lua nasceu de pernas para o ar.
Fiquei a vê-la, parado, a derreter-me extasiado em tentativas de desenhar o visto e a ouvi-la rir-se de mim em gargalhadas trovelescas ( burlescas?)…
Pode rir-se à vontade, mas desenhar a Lua de pernas para o ar é cousa importante e ÚNICA!
Sempre pensei que AZUL era AZUL, AMARELO, AMARELO, mas VER, AZUL ou cor qualquer de pernas para o ar é cousa SURREALISTA!

Vou telefonar ao Cesarini e pintar uma fonte, fiquei cheio de sede de me interrogar sem olhar resposta...

Nota: a alusão a Mário Cesariny ( quasi me esquecia do y ), não tem autorização do autor , mas fica a imagem ou o sentir de uma conversa de surdos, porque afinal de contas está tudo virado de pernas para o ar...só a fonte, dá vida e corre para o mar...

14 de maio de 2005

traz todas as tuas tintas, não escolhas nenhuma e deixa o sentir pintar-te

Queria tanto desenhar,
letra
por
letra,
toda a poesia que se pinta-de-olhares na minha estante-inclinada, gravada no sentir por linhas finas,
fundas,
como que pendurada no estendal a dançar,
colorida
qual folha de Outono a pingar da árvore, desprendida

Ah, isto de se querer mais do que a vida é um desencontro ininterrupto, sem tamanho que cabe inteiro na contradição de estarmos presos no tempo em voares de colibri...

13 de maio de 2005

quando as minhas lágrimas ( também elas), choram

As lágrimas ausentam-se de mim,
uma
a
uma,
gotas de tempo
sem espaço.
No rosto,
laminas frias de aço,
uma
e
uma,
todas,
num mar de sargaço
sem fim …
Aguada de cor,
pintada na dor,
sem abraço.
Rio sem destino
nem memória,
gaivota ferida,
caída,
assim
no branco-cal,
em folha que escrevi,
sem história.
Ver que não vivi,
desenho-te,
esboço
de
risco fosco,
sinal-sombra em mar acido…
Fel
que
tomba
na
pele
que tece
e arde
no sal
que desaparece
em mim…

12 de maio de 2005

aveiro, hoje

É dia da cidade.
De festa.
Dia de Joana.
Santa.
Tocam os sinos, a fanfarra…
Há perfume a pipocas,
algodão,
foguetes.
Discursos aqui,
ali,
com sentido e não
palmas ali,
aqui,
sentidas,
ou sem emoção,
joguetes...
É dia de festa,
de cores,
procissão.
Pandeiretas,
pandas,
como velas,
ao vento…
Afasto-me,
lento.
Sou moliceiro navegante,
enfunado de levante,
barco perdido,
distante,
ao relento..

11 de maio de 2005

terras de memórias

Caí em abismo, nos sons de África, a cavalo numa trovoada que me “tempestou” a noite em sonho escondido do Eu.

Batuque
longo
no fundo da noite,
feiticeira monge,
num
tuque
tuque
que foge
se tinge,
em sangue de sangue
ao longe,

Espreitei a magia que me abraça em cores-de-terra-memória, com o desejo de me esfumar lento-longe nos seu horizonte.
Finjo-me vento,
sinto-me terra.
Vermelha-de-dor a evaporar-se em Vidas.

Formigas.

Caí em abismo,
desamparado,
estilhaçado em relâmpago perdido na noite que não foi dia,
foi “cousa” rasgada, ferida…

10 de maio de 2005

inaptidão

Saí cedo para a escola, ia com o ver à frente dos passos, pejado de importância e de sentido.
Era o meu primeiro dia.
Razão havia que transbordasse, afinal ia aprender a falar com o vento.
Triste ilusão, não estava habilitado!
Disse-me o Mestre, num s-o-l-e-t-r-a-r vagaroso , que sou muito novo, para a aprendizagem de talha tão complicada. Primeiro tenho que saber falar com os pássaros (afinal os pássaros voam , não por ter asas, mas por saberem falar como vento, os malandros…), só depois estou apto para o estágio . Mesmo assim, não garante, disse-me, porque o ideal mesmo, era saber pintar a linguagem das nuvens…

9 de maio de 2005

pinturas

Esta noite , num cantinho da noite, choveram lágrimas de polén e o dia acordou pintado de borboletas bailarinas…

8 de maio de 2005

coisas de amor

Aviso desde já,
conhecidos, e outros,
anjos e anjas,
incautos ou pensadores
que quem escreveu o que se segue não percebe nada do assunto,
não é teoria,
nem verdade inteira,
nem tão pouco pedaço dela.
Não peçam explicações nem desenho.
Explicação para o sentir não há e o desenho é difícil, como sério, é pintar uma lágrima cristalina de mil reflexos, cada um com cor diferente, e ao pintor só lhe ensinaram sete,
não mil.


escreveu-se, o sentir assim ( o tal do aviso):


Não entendo porque é que a pessoa a quem se DÁ amor (só mesmo um humano, tem este tipo de problema existencial, todo o resto da existência é muito menos complexa no sentir), só se satisfaz se ouvir dito ou escrito (mas sobretudo dito, vezes muitas) AMO-TE!"


Não entendo!
O amor não está na palavra, transborda nos gestos e no olhar…

7 de maio de 2005

(des) encontros ou uma viagem à essência das coisas

Encontrei um menino, que não via desde que dei um pulo no país do desenho, onde se pensa e sente sem ordem de prioridades. Este, sempre foi especial e anacrónico, talvez por ter existência de índio e cabelos azuis-noite-prateados-de-lua ( e que me conste nunca andei por terras de índio). Passeava-se com olhares de quem procura um lugar esquecido. Tinha nome de olhar, Olhos-de-colibri, porque se perdia nas cores das flores e falava com elas, sempre apaixonado por cada uma. Deu-me um olá indiferente e seguiu na procura. Desapareceu na aguarela, esbatido nos azuis de um céu que nasceu já pintado. Não o via há muito tempo, porque há muito que não tinha um instante destes, de viver noutro espaço, ausente do corpo e da existência que nos contornam o VER, como uma aguarela que é cor e agua e tem a serenidade da sabedoria de ser poesia sem palavra, nem desenho…

5 de maio de 2005

dúvidas...de peso...

Papá, Papá diz-me, porque me pesam tanto os olhos, porque me dói tanto o andar?
Porque, o que não quiseste ver e os passos que não quiseste dar te pesam e te prendem…E não quiseste porque te distraíste com o Todo . Ninguém consegue carregar com o Todo em vez só, o todo constrói-se!
Mas papá , estou tão cansado! Só me apetece fechar os olhos e sentar-me no escuro. Estou tão cansado Papá...
Se olhares para uma formiga perceberás que cada uma leva um grão de cada vez. Estás cansado porque queres agarrar tudo com o olhar, num só dia. Assim perdes quase tudo. Deves ser inteiro, como cada dia é inteiro, só assim consegues ser sempre tu em cada dia que te olha e te caminha no Ver. Por isso fechas os olhos, por isso páras de caminhar, assim é o teu não querer que te orienta, não o teu querer. É o teu não querer que te pesa!...
Mas é tudo tão bonito, papá.
Só é bonito o que te cabe no olhar. E deves ter olhar para cada um dos teus dias. O rio não desagua todo de uma vez no Mar...
Está bem papá vou pintar um dia de cada vez…mas à noite posso sonhar não posso ?

4 de maio de 2005

desenhar uma semente

Tracei uma linha contínua, não lhe sei início, nem fim.
É um retrato.
O teu, com reflexos de azuis-noite-em-dia-de-brisa-suave-e-estrelas-navegantes.
Pintei-o, como quem se enche de universo e fiquei sentado ver-te partir…
Há cores assim que nascem pequeninas e tomam o tamanho inteiro de um destino…
É um retrato.
O teu…
Meu, só o maravilhar de te ver Ir com a suavidade de uma gaivota que abraça o mar…

3 de maio de 2005

conversas sérias com a papoila que acordou num dia que não devia ser o dela

Queria tanto ser uma árvore…
Ouvi ao longe numa espécie de choro cristalino. Olhei mas não vi de onde...
Estás a ouvir-me? Queria tanto ser um árvore, mesmo que seja uma das pequeninas…
Oiço, sim, mas repito-me, não te vejo…Eu sei que tenho andado distraído com as minhas pontes, com as minhas viagens, com os meus cansaços, mas na verdade só te oiço, estás longe do meu olhar…
Estou aqui, em baixo, sou a tua papoila…

Mas porque razão queres ser árvore?
Queria tanto ver coisas outras…e ter o tempo todo de uma árvore…
Ensandeceste! E a cor? A cor de papoila? Que fazias à tua cor de papoila, à tua delicadeza de seres quase seda, a de seres a primeira flor dada a uma mãe, a de seres a primeira flor dada com amor? Ninguém agarra numa árvore e a oferece pintada de papoila! Por ventura já gastaste o teu Tempo? Que eu saiba renasces todo o ano, em sítios diferentes…viajas com o tempo e na terra que te dá a cor. Essa cor é só para ti. Esta árvore que te dá sombra come da mesma terra que tu, e não se pinta de papoila, pinta-se de árvore…
Deixa-me sozinha, sim…continua distraído com as tuas pontes e deixa-me com o meu sonho…
Mas deves viver o teu sonho, não deixes é de te viver papoila!

1 de maio de 2005

pianos...vivos

Nunca tinha desenhado um palhaço apaixonado por um piano, abraçado entre os brancos-negros da melodia e o colorido do seu olhar...
De trompete, de violino, de pandeiretas e tambores,
muitas,
de piano,
nenhuma.
Hoje saltou-me um, no desenho, mas não lhe dei nome...
Um palhaço não deve ter nome.
Uns tiveram, Pierrot , Arlequim, mas esses não eram bem palhaços eram poetas, palhaços foram só as imitações que se teatralizavam em gestos premeditados do rir .
O meu não tem nome, é inimitável…

30 de abril de 2005

esquiços de dança

Desenho uma sombra,
não a tua,
não a minha,
a que nos intersecta…
É quase colorida e dança ao som dos búzios…

29 de abril de 2005

escultura

Esculpi um muro, em pedra de xistos molhados com brisa de mar, e espreitei …
Vi um campo enorme, com fim no horizonte em tons de verdes, vermelhos, amarelos, violetas e brancos, todo pintado ás pintinhas num desfocado de névoa…
Estranho muro este que se atou a um horizonte que se escondia no seu existir

In “apontamentos para um manual da inquietude”, ou como devemos ter muita atenção ao gesto, porque nele nasce e morre um outro mundo que lhe vive preso nas (inter) dependências do acaso...

28 de abril de 2005

quebra-cabeças

Inventei um quebra-cabeças para me desinquietar, o sol estava divertido, o céu no seu lugar, até as gaivotas se passeavam entre os horizontes…
Tudo indicava que hoje o desenho seria coisa viva, de cores quentes e traços sentidos, mas não, dei comigo a procurar a metade da minha alma.
O ponto exacto que a divide no meio de mim ( e a culpa é da Sophia “metade da minha alma é feita de maresia…”, que encontrou a sua).
Primeiro usei o numero de ouro, o tal das proporções e que nasceu com a vida, depois com o desenho e só mais tarde com o numero.
Perdi-me!
A minha alma não tem proporções, é desarticulada ( anda aos saltinhos só para me confundir…), por isso não lhe encontrei a metade, nem o terço, nem o um.
Já à noitinha resolveu serenar-me e segredou-me, brincalhona ” como podes encontrar a metade se ainda não me conclui no um?…o inacabado não tem metade, porque a metade cresce proporcionalmente com o um…"( ainda bem que não sou matemático, porque senão lá se ia outra vez a serenidade para a gaveta, na tentativa de formular a teoria do crescimento da alma).
Inventei um quebra-cabeças…
É bem feito, o dia ofereceu-te todas as cores para o teu quadro, escusavas de andar por aí a quebrar-te só para encontrares a tua metade…

27 de abril de 2005

conversas sérias

Entornei uma mão cheia de palavras sobre o papel, sem desenho nem limites ( papel-horizonte-de-bagos-de-arroz).
Falei com cada uma delas, sem lhes ferir susceptibilidades ou liberdades…
Cada qual sente o que sente e toma a forma que entender, mas era dia ( nunca devemos adiar a conversa, mesmo que seja, com as palavras que esvoaçam connosco o caminho do Ver) de sabermos, eu e elas se cada um cabia dentro de cada qual, na existência de cada um.
Foi conversa séria, mas delicada.
Quando se derramam todas as palavras que digam, com ou sem letras “AMOR”, é como pegar borboleta, se a “aprisionamos” pelas asas, transforma-se logo em pó(len?), mas se a deixamos pousar, nem que seja só no olhar, sentimos todas as suas cores por dentro*…


* "amar por dentro", ideia escrita e sentida por Ana ( in Ana e o tio Deus de Fynn - editora Ulisseia, reeditato pela Presença)
** sentires diferentes com a coincidência do mesmo olhar (tinta permanente)

26 de abril de 2005

fado

Cavalguei, noite dentro,
nas cordas de uma guitarra,
que me cantava, baixinho,
o choro de uma cigarra.
Toco a guitarra, sozinho
uma saudade triste,
dos tempos
em que me viste,
misturado na cidade.
Não é fado,
nem, poesia
é um querer sem tamanho
de estar sempre a teu lado.
Toco a guitarra sozinho,
na noite escura,
ao luar,
choro, com ela, devagarinho,
um sonho alado,
a rezar.
Soubesse eu cantar,
e ia por todo lado,
tocar esta dor,
que se desenha no ar,
num abraço negro,
da minha capa
a chorar…

( saudades...não há saudades sem fado )

25 de abril de 2005

voares

Guardo o dia,
este,
os outros também,
porque o sentir,
é esta essência de ser,
mais que palavra,
mais que o querer…
É ir,
sempre além,
como gaivota,
livre de nascer,
todas as coisas,
que só o pensar sabe ter…

(queria escrever sobre a liberdade, coisa singela, coisa simples, mas só me apetece voar...)

24 de abril de 2005

quando a cor se perde com a vontade

O céu enrugou-se de veios brancos.
Apetecia-me alisá-lo de azuis para o ver inteiro.
Perdi-me na vontade, é tarefa de gigante imaginar um céu por inteiro, não tenho azul que chegue no olhar...

22 de abril de 2005

monólogos inconsequentes

…e quando de repente, olhamos algo que nos foi intensamente belo e não acreditamos na banalidade dos seus traços?
O que se perdeu?
O belo ou o olhar?
Perdeu-se o instante!

In “ apontamentos para um manual da serenidade” ou como não devemos cansar o belo, para que ele não fique para trás, sem folgo para nos acompanhar, ou se não quiseres perder o belo não deves andar nem devagar nem depressa, mas abraçá-lo em ti...

21 de abril de 2005

ser-se no EU

Ser coerente no caminho que se traça no dizer( ou no ser), não é ter sempre a mesma opinião.
O importante é que o que lhe dá forma (sentir, ver, ou coisas outras como a cor ou os silêncios), faça sempre parte do teu desenho e que cada Sim, que cada Não, te defina sem equívocos o NOME!

In “apontamentos para um manual da serenidade”, ou como devemos andar sempre ás voltas com um continuo interrogar para não cair involuntariamente fora do papel, ou como um esboço já diz tudo do nome de quem o sentiu no lápis...

20 de abril de 2005

revolta suave, porque não nos podemos zangar por coisa tão pouca

O "poeta" falou-me!
Autoritário!
Estava tão zangado que o ouvi mudo e fui cabisbaixo, olhar o mar e a imaginar no desenho, a melhor forma de pintar um caracol surrealista de formas cubistas, sem poema, só para o arreliar.Isto de se dar ouvidos a poetas surrealistas, é grave e perigoso e só se o deve fazer se estivermos preparados para não interrogar…
Eu não estou.
Aguente-se o poeta, com boina ou sem boina.
Eu Pinto, não escrevo.
O que me sai do olhar, não são palavras, nem rimas, é desenho.
Nem sempre tem cor, é verdade, mas tem todos os traços escondidos em mistério, (como um-vitral-de-uma-floresta-a-permitir-se-embalar-na-luz), (isto por exemplo, é desenho-directo-do-olhar, é, sem mais, uma emoção, um sentir-ilustrado)...
Que se afogue o poeta e o seu latim.
Aqui, deste lado sente-se com o olhar,...
Aqui, não há paramentos, nem regras, nem mesmo surrealistas...
Aqui há um vazio cheio de mim que corre qual rio, com margens pintadas de EMOÇÃO !
Aqui há um su-emocionista (*) que vezes pinta, outras desenha, outras ainda e muitas, imagina, nem que sejam palavras, mas é tudo olhar transformado com o SENTIR.
É TUDO TRANSFORMAÇÃO...

(*) Não encontro palavra, como seria de esperar quando se pretende resumir o que há para lá da emoção do sentir numa única palavra, mais a mais inexistente, mas se há surrealistas...

Nota: isto não é um manifesto, é um desabafo com metáforas mais ou menos disfarçadas que nunca atingirão o alvo, mas ficam escritas e não se fala mais no assunto...

19 de abril de 2005

a tarde! ou.. é tarde? ou...

A tarde cansou-se de me esperar e foi por aí, sem saudades à aventura, sozinha.
As tardes são coisas estranhas (os dias, as noites, também, mas as tardes refinam na subtileza do mistério…) que se desdobram (qual caleidoscópio) na vida e para a vida de cada um…
A que me coube em sorte foi irreverente e não esperou por mim…
Azar só dela (perdoem-me a arrogância, mas como a tarde é minha dou-me a esse desvario) porque partiu cega e andarilha, presa ao umbigo do meu olhar.
Podia ser rancoroso e deixá-la ir assim sem mais nada, cortando-lhe o cordão (umbilical) mas corria o risco de ela se perder e eu ficar irremediavelmente desorientado na vida, sem uma tarde e olhem que isto de se passar da manhã para a noite é coisa de gente mal encarada com a vida e eu não me permito sê-lo, porque curta. Sei-me de missão encontrar todos os dias uma cor nova, tarefa de todo incompatível com desencontros voluntários com a vida…
Sei que a culpa é minha, ela (tarde) fez tudo para me realinhar com o tempo, mas eu estava tão entretido a escrever um manual prático de como se guardar o pôr-do-sol no bolso (para uso imediato e em qualquer hora do dia) que me distraí.
Não encontrava descoberta convincente para conservar a cor.
Estava indeciso em envolver o pôr-do-sol entre pétalas de rosa ou entre reflexos-de-olhar-de-menino-a-falar-com-a-sua-estrela.
Optei pela segunda e corri a agarrar a tarde…

18 de abril de 2005

mentiras descuidadas

Menti descaradamente!
Disse a uma gaivota triste que me sussurrou a sua vida, que parecia uma papoila a contar histórias…
Louco!
Irresponsável!
Indigente de sentires!
Uma gaivota não conta histórias, mesmo que vestida de papoilas !
Toda a gente sabe que uma gaivota é uma caravela navegante, branca que voa sobre o mar e o que ela sabe, não é história, é olhar…


"Eu já falei com uma gaivota e ela contou-me histórias. Mas como não acreditei nela, fui obrigada a segui-la. E ela mostrou-me que era verdade..."
testemunho deixado pela Cakau

Afinal andava enganado, ou pelos vistos o olhar, pode ser contado ( o que me leva a concluir que menti na mesma! Louco! Irresponsável! Indigente de sentires! Uma gaivota conta histórias sim senhor! Bem me pareceu que eram descuidadas as minhas mentiras...)

17 de abril de 2005

teorias

A beleza das coisas (Bc) é directamente proporcional à beleza da alma ( Ba). Esta é uma verdade indesmentível e que não tem discussão.
É a minha primeira verdade!
Ou seja a beleza da alma está para a beleza das coisas, assim como o UM está para a alma (nossa incógnita),donde
a = Bc x UM / Ba

a = alma
UM = ver teoria ( clicar em UM)
Bc = beleza das coisas
Ba = beleza da alma
Então, se:
Bc = Ba,
temos,
a = UM

donde , devemos todos tratar muito bem da nossa alma ( mesmo que seja incógnita) para não estragar o UM

In “ apontamentos matemáticos para o manual da serenidade “ ou como de vez a vez, vale a pena iludirmo-nos que esbarramos com uma verdade…

15 de abril de 2005

passeios desatentos

Há dias assim (gostava de saber quantas vezes me ponho a pensar em escrito, desta forma pouco criativa…há dias assim, ou hoje o dia…, mas não me vou perder em matemáticas…), dizia eu, e lá vou repetir-me... Há dias assim em que nos enamoramos pela brisa e fugimos com ela.
Fomos! Sem início nem fim (estávamos desatentos e quando demos por isso já era tarde, que isto de amores é coisa esquisita), transformados em folha de Outono, iludidos pelo poeta que se levantou hoje e foi passear-se de boina preta sem aviso prévio…

14 de abril de 2005

o pássaro

Passou um pássaro negro a esvoaçar-me meio louco à janela e a pintar o céu de gritos roucos. Parecia um piano de cauda, desconjuntado a tocar sozinho…
Chamei-o!
Disse que não me podia atender, que andava meio perdido ( meio-louco) à procura do olhar, não do seu, que o sabia bem guardado, mas aquele outro que tinha que mostrar à humanidade, antes do céu se pintar de estrelas, porque senão, não iria haver sonhos nessa noite.
Fora um desastrado, encantara-se por uma borboleta linda, de-cores-violeta-rosa e num acto tresloucado oferecer-lhe o olhar que os pássaros tem que mostrar à humanidade e a agora não havia nada que salvasse a humanidade. Ele que era o guardião, estava agora desgraçado…
Espera! disse eu aflito, surpreende-nos… só precisas de te sentir borboleta de cores-violeta-rosa, verás que ninguém dá pela troca, anda, anda aqui, que te pinto… o sentir, esse é contigo, mas as cores...
Não dá, tenho que A encontrar, não se pode enganar o sonho, essa é a grande diferença entre o sonho e a mentira…
Nunca mais o vi...
Só me resta esperar pela noite e ver de que cor se pinta o meu sonho, talvez tenha encontrado a sua borboleta naquele prado lindo vestido de papoilas que se esconde, ali ao pé do horizonte…

Um livro não tem letras...

tem almas que nos transformam o sentir…
Uma cadeia de literatura surgiu na blogosfera portuguesa - o ex-libris da tugosfera -por iniciativa da Lique que a recebeu de outros. A Moriana passou-me o testemunho confiando que eu lhe daria seguimento. Assim fiz.
Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
Queria ser um livro vagabundo que se passeasse na recolha de cada olhar, queria ser o sentir de cada folha, de cada história.
Já alguma vez ficaste apanhadinha(o) por um personagem de ficção?
Fiquei pelo poeta, personagem, Alberto Caeiro.
Qual foi o último livro que compraste?
Titânia – Mário Cesariny (histórias inconsequentes, surrealistas em jeito de poesia).
Qual o último livro que leste?
Leio vários livros, mergulho-me em cada um, mas só termino um de cada vez…o ultimo a voltar à estante foi a Catedral Verde de João de Aguiar.
Que livros estás a ler?
Ai! Estou a ler uma estante…
Poesia: Poema continuo de Herberto Hélder; Todos os Poemas - volume I de Ruy Belo; Poesias IV José Gomes Ferreira: poemas de Deus e do Diabo – José Régio
Ficção: o Jardim das Delícias de João de Aguiar; O Nosso Reino- Valter Hugo Mãe
Reflexão (?): O Livro do Desassossego – Bernardo Soares. Este, a reler, porque se esconde e é como a primavera, tem sempre cores novas de cada vez que se re-olha.
Diários: Diário V - Miguel Torga
Banda desenhada:Leonard (n.º 35) Le Génie Donne Sa Langue au Chat-Turk; Julius Corentin Acquefacques – La 2,333e dimension - Marc-Antoine Mathieu.
Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
Temos um problema de escolha, que se resolve facilmente, levaria apenas dois, os que me acompanham desde que leio com o olhar e que dormem junto pousados à minha mesa de cabeceira e que acordam ao ritmo das minhas insónias: poesias de Mestre Almada Negreiros ( porque tem a magia de me abrir janelas) e a Bíblia ( autores vários…), (Porque caminha...)
A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?
à Blue Shell, porque me acompanha desde o primeiro post desta aventura na blogosfera e que escreve com o sentir...
à Barca de lyra, que navega em mares revoltos de encontros e desencontros ( não tem tempo eu sei, mas confio).
à Nanne ( contos de Vénus), pela sua sensibilidade e porque olha do outro lado do atlântico espreitando-nos com carinho....

13 de abril de 2005

insistências

O Eu, espreguiçou-se, p-r-o-l-o-n-g-a-d-a-m-e-n-t-e a fingir-se dono do dia.
Sorriu-se, divertido com os azuis atrevidos que insistem em se fantasiar em Caravelas sem destino que teimam em se orientar só com o olhar...

12 de abril de 2005

a medida de cada um

Papá, papá diz-me, porque estou sempre a voar? Porque ando sempre a fugir-me? Diz-me papá que eu ando tão perdido…
O sonho, meu filho, não é fuga, é um sorriso da alma que nos fortifica o querer…
Mas papá, diz-me, então porque ando sempre tão triste, e só me sorrio quando me invento?
Tu inventas-te? Finges-te?
Não sei papá, mas as minhas asas são desenhadas….
Mas meu filho, tudo que é desenhado com o sentir, existe-te, porque é autentico…
Papá, papá, mas eu não sei o que fazer com o sonho...
Não faças nada com ele, deixa que ele se dissolva no olhar e verás que cada vez que isso acontecer, cresceste no teu caminho…
Toma as minhas asas, papá. Não as quero mais…
Não as posso aceitar, meu filho, cada um só pode voar com as suas próprias asas, não se empresta o sonho… Guarda-as com carinho, porque foram elas que te trouxeram até aqui.
Papá, papá diz-me, porque é que quando voo sinto-me sempre tão sozinho…se tu também desenhas-te as tuas asas e voas, porque nunca te vejo no meu voar…
O voar é o teu questionar, apenas te ensinei a acreditar nas tuas asas, se assim não fosse perderias toda a capacidade de as usar, porque elas só funcionam com o sentir, e esse meu filho tem a medida de cada um…

11 de abril de 2005

mutações al-químicas

Não tenho pertenças.
Apenas o sentir e as suas sombras são meus (sobretudo estas, que me acompanham para lá do sentir...).
Tudo o resto, atravessa-me o Ver em velocidades descompassadas …

In “ Apontamentos para um manual de serenidade” ou como aprender a utilizar um filtro al-químico ( química da alma) que transmuta a matéria em emoções. Quanto mais lenta for a passagem, mais intenso é o sentir, maior é a nossa posse, maior o nosso património (mesmo que traga sombras. Não há filtros perfeitos, mesmo sendo destes, que não consta terem controlo de qualidade por manifesta incapacidade de se encontrar “padrão aferidor…), ou como afinal está ao nosso alcance a transformação da matéria em (tes) ouro…

9 de abril de 2005

ousar

Tenho uma mania absurda de falar com as árvores.
Não sei a causa.
Talvez o seu olhar, silencioso e permanente, quase eterno que se transforma em sabedoria omnipresente-de-sombras-cúmplices …
As árvores são pastoras de sonhos.
Discretamente presentes, olham-nos em abraços de mãe.
São uma espécie de guarda zeloso que nos permite a dádiva da liberdade, mas que nos olham e nos apontam sentidos, enquanto nos abrigam na sombra…
Oiço-lhes os murmúrios que se escondem em mim, apenas e só, por estarem ali, naquele preciso espaço que nos cruza o acaso, a existirem da terra, das raízes, da luz e do ar.
Uma árvore, protege-nos o sonho e do sonho…
Em criança, subia ás árvores para as ouvir, lá do cimo.
Hoje oiço-lhes as raízes.
É nas raízes que está a vida, não nas flores.
As flores são obreiras da vida, mas são as raízes que as alimentam, e no entanto estão ali a suportar, todo o peso da existência, escondidas nos silêncios-de-luz…
As raízes-da-alma, (nossas) também estão escondidas e temos, vezes muitas, a ousadia de crescer sem as ouvir…
Hoje a árvore que se dança no meu jardim, disse-me, sem segredos, toda autoridade, para experimentar viver um dia inteiro sem tempo…” só assim te podes encontrar…”, “ deixa que se misturem todos os instantes da tua vida, como se fossem um mar”, “ não te esqueças de estar atento, e ver em que cor ele se transforma…
Tentei!
Devo ter feito tudo ao contrário!
Só me vi menino, a brincar com todas as cores ao mesmo tempo sem me preocupar em dar-lhes nome…
Vou tentar novamente, talvez encontre outros instantes que se passeiam no rio…

8 de abril de 2005

nada

Não!
Quero ser, nada!
Hoje, não quero ser...
Tenho medo do poeta,
que se finge,
se pinta,
se inventa…
Pior que ser nada,
é este navegar,
sem sentido,
nesta fantasia lenta,
que mente
e
nos suja,
nos dobra,
queima,
e
esvoaça demente.
Não!
Hoje não vou enlouquecer,
vou andar por aí,
sem VER.
Sou abismo de mim,
na palavra do EU…
Quero Ser,
Nada,
sem temer…
Tirem-me o Vagabundo
Dispam-me D-E-L-E,
Tirem-me o Mar,
a gaivota,
tudo!
Levem todo,
num grito só,
mudo!
Mas devagar,
para não ficar nada no meu Ser…
Mergulhem-me no verde,
no azul,
no amarelo,
no branco e no preto,
sem pressa,
pintem-me todo,
esborratado,
engravatado,
não interessa,
e
soprem,
soprem-me todo,
Tudo,
pelo ar,
até ficar , nada.
Tudo muito bem apertado,
machucado,
Vazio!
Quero ser, Nada,
sem palavras
nem poesia…
Sossegado,
a deslizar sozinho pelo rio,
Hoje quero ser, Nada,
pássaro, sem assobio,
nevoeiro, sem maresia...
Ah! Nem o Eu me safa,
deste meu querer destemido,
de não ser barco,
nem vento,
nem cor,
nem gota,
nem fio
de água.
Nem janela sou,
nem papoila,
nem agonia,
nem pó,
Nada!
Não te escondas no EU, que até esse voo…

7 de abril de 2005

mar sem cor

Inundo-me de brancos e de lágrimas,
secas,
e desenho-as,
uma a uma,
transparentes.
Crentes.
Multidão sem voz
que caminha,
Vão em silêncio,
sem medo,
mas,
cada uma sozinha.
Fossem elas todas,
Um,
não haveria branco nem negro,
e lágrimas,
eram outras,
de alegria...

6 de abril de 2005

gaveta

Tenho uma gaveta cheia de violeta-quase-flor…
São pedaços de nada que viajam comigo,
para onde for.
É engraçada, esta minha gaveta,
porque afinal,
não tem nada…
Tem uma cor,
timida,
(res)guardada
Que parece dor…

afinal é para isso que servem as gavetas, mesmo as minhas que são desarrumadas, para (res)guadar, nem que seja um desenho de uma flor...

5 de abril de 2005

oiço...


Capto o silêncio da terra que se oferece em cores húmidas e que me fala pausadamente, (como se eu não lhe soubesse o falar),
conta-me os passos,
passados num eternamente longe.
Conta-me as viagens, as suas.
É terra navegante, esta que hoje piso e me fala dos passos pisados.
Foi amada, foi mãe vezes sem conta,
pisada e re-pisada também.
Mas conta,
conta-me,
cada grão,
cada nada.
Conta,
conta-me que grão só, não vale nada, só inteira tem história.
Oiço.
Oiço-a.
Oiço-me.
Em silêncio, no seu silêncio...

Vale do Sorraia - Março 2005

4 de abril de 2005

mar (és)



Deixem-me re-escrever o Mar, libertar todo este azul-esmeralda que há em mim, num abraço-labirinto...
Fundir-me, nesta névoa-de-azul-salgado e deslizar,
onda pelo ar
e...
lá no alto,
deixar de Ser e pairar-leve-só-sentir...

Mar(es) da Ericeira - Março 2005

3 de abril de 2005

ás voltas


"Moinho-me" na vida, com as velas,
todas,
a dançar...
Brilham ao vento,
no mar.
É moinho trigueiro,
que gira,
gira,
sem parar...
Fosse ele,
só vento, e não saberia a cor com que se pinta o ar...
Não,
não é azul,
nem cinzento,
nem verde,
é cor de onda,
de espuma,
de Mar...
Nem branco,
nem prata,
é cor do meu olhar...

Ericeira - abril 2005

2 de abril de 2005

obrigado, Karol

de branco,
fragil,
peregrino-homem...
Procurei-vos ! (disseste)...
Estamos aqui...caminhando...

31 de março de 2005

terra

Deixo-me invadir pela terra, castanha, escura, lavrada e solto-me pó, com o vento…
Não há liberdade maior do que ser pó de terra à procura de semente e viajar em gota de água.
(já imaginaram a quantidade de cores em que se pode transformar um grão de pó de terra-castanha-escura? Verde-de-prado-novo, vermelho-de-papoila, violeta-dela-própria, de amores perfeitos, cada um com a sua, amarelo-sol, continuem, continuem….ou escolham uma, não há nada melhor do que cada qual escolher a cor em que se transforma quando num dia ao acaso, se sentem grão de pó e liberdade suficiente para voar sem destino)

30 de março de 2005

pinturas confusas, mas cheias de vontade de dançar

Pintei folha de papel de aguarelas , só com letras, não de cores, mas de cor, só. Cor de letra azul-de-céu-de-verão. Só falta mesmo elas ( letras) perceberem o que me ia na alma e juntarem-se todas sem ficar nenhuma fora do papel que se ofereceu, confiante à pintura ( coitado...).
Vou tocar o meu violino-trompete-que-chora-sons-de-guitarra, sempre é mais divertido, vê-las dançar no branco-nuvem-que-não-chorou-ainda, em compassos de sonho em noite que não se pensou, do que senti-las tristes e baralhadas com o sentir que se não disse…

26 de março de 2005

voares

Hoje não há histórias.
Nem todos os dias as têm, nem é necessário acontecer conto ou poema para o dia ser especial (ando a apurar o sentir para todos os dias serem únicos, mas tem-me levado uma eternidade),
o hoje,
foi um voar rasante num campo de girassóis que se vestiram todos de branco-cegonha.
Quase apetecia pintar o que o olhar sentiu; uma ovelha, sentada, toda debruçada de atenção, a ouvir a papoila ( não, uma, mas aquela que ali estava sozinha, como gota de sangue naquele enorme lençol de girassóis brancos), a ensinar-lhe como se deveria comportar perante um poeta que não sabia escrever e só sabia sonhar…
Talvez ainda lá estejam amanhã, pode ser que assim, afinal haja história, mas não hoje que o voar só tinha ir…

25 de março de 2005

sem carta de marinhar

Não sei o que me prende hoje a esta cadeira, entre paredes e estantes multicoloridas, talvez seja o fumo-aroma-cachimbo-que-afaga-um-gato-sem-botas, que me pensa, lento numa procura intensa da descoberta-do-que-me-trouxe-ao-existir
Vagueio na humanidade, como o sangue se navega nas minhas veias...
Quando um de nós parar, desistimos ( des-existimos) ambos. Mas o sangue, sabe o que faz, eu não, o que não me impede, apesar de tudo, de me percorrer na humanidade, mesmo sentado numa cadeira, a olhar vazios…

24 de março de 2005

preso...

Algures, em hora e dia indeterminado do nosso existir, surge ou surgiu um cavalo.
Faz parte do nosso imaginário, mil e uma aventuras, vividas no dorso de um cavalo.
Mesmo quem os receia, viveu um sonho com um cavalo, se não é verdade, imaginemos que sim e deixa de haver espaço a polémicas, que sonhos não têm discussões. São todos verdadeiros!
O meu cavalo, branco e vermelho, de crina-de-lã-trigueira, apareceu-me hoje em galope de vento…
Quis levar-me em corrida sem destino, com as suas patas-de-baloiço a voar, ao som do seu sininho…
Mas fiquei aqui, com as patas presas…
Tinhamos os dias desencontrados...que pena...

23 de março de 2005

gasto

Gastei-me inteiro no dia.
Gota a gota de mim.
Não me sobrou nada.
Houvesse inteligência, minha e não tentaria em teimosia desenfreada empurrar a montanha. Subiria a sua encosta e de caminho ainda veria o mar e sentiria a brisa a abraçar-me. Assim, estou sem o dia e sem forças, esvaído num nada, aterrador.
Vou fechar os olhos e procurar o sol…

In " Apontamentos para um manual da serenidade ", ou como a harmonia se deve procurar no ponto que absorve a menor energia, num total empenhamento do existir...

22 de março de 2005

uma mão cheia

Tenho a mão-cheia-de-chuva, e não sei o que fazer com ela, se bebê-la, se a largar no céu, na terra ou semeá-la nascente…
Ela bem tenta dizer-me qualquer coisa, mas não lhe conheço as palavras... julgo entender que “ caí do ninho...”, por isso desenhei-a pássaro e larguei-a a voar.

Não voltou, devo ter entendido bem o falar da chuva que se aconchegou na minha mão...

21 de março de 2005

instantes mágicos

Em silêncios,
movimentos lentos,
reflexos,
despes-te , de artefactos...
Olhas-te,
em ausência,
tua,
sensual...
Soltas-te dos enfeites,
um brinco,
outro,
um colar,
uma pulseira,
pedaços de ti,
pedaços de jóias esculpidas,
em lágrimas escondidas,
uma
a
uma,
soltam-se de ti,
nua.
Olhas-te em refugio,
teu,
só teu…
É momento mágico,
o teu por-do-sol,
quase erótico,
quase poema,
quase lua…

( a mulher tem dia a dia este instante mágico em que se entrega a uma metamorfose pura, num momento mágico só dela, é o instante de ser silêncio, de ser sua)

19 de março de 2005

amuos

As ruas da cidade grande escorregaram todas para o rio e ouviu-se um grande silêncio. Depois tocaram os sinos e todos acordaram. Foi um trabalho louco repescar todas as ruas. Não queriam vir, consta que se zangaram por ninguém lhes ligar, apesar de andarem todos de olhos no chão. Voltaram cheias de cor, lavadas. Pena foi os habitantes da cidade grande, não terem escorregado também, andam muito descoloridos a fingirem-se de pombas-gaivotas, mas as cores deles são outras.
Cada um deve vestir a sua própria cor para haver arco-íris…

18 de março de 2005

desenhos

O desenho de uma árvore é uma eternidade de linhas que se escondem na terra e se pintam no céu.
A que desenhei hoje fugiu-me do papel, tão ciosa que estava de fazer cócegas nas nuvens…

17 de março de 2005

tropeções

Tropecei no horizonte.
Linha irrequieta, esta que insiste em nunca se passear no mesmo local…
Atrevido, puxei-a com olhos-de-palhaço-criança-em-hora-de-recreio ,enrolei-a num enorme novelo-de-encantar e segurei-a com o olhar.
Não era de cristal esta bola-horizonte-em-tons-de-papoilas-que-chegaram-antes-das-andorinhas, era como... cabelo, de mulher que se ama, entre os dedos, em penteares de ternura…
Mas chegaram as papoilas, com ou sem horizonte, caído ou levantado, pouco importa.
Chegaram!
Vermelhas-sangue-de-sol-posto-em-terras-de-áfrica!
Devem ter vindo do mercado. Cheiravam a novidades, mas eram todas segredo ( podem e devem ler esta parte em sussurros murmurados, quase só olhares)…
Conto, porque o segredo era só delas, não meu…as andorinhas vêm mais cedo (já o sabíamos, disse-o a bola que não era de cristal), só que vêm pintadas de azul…
Fiquei a imaginar primaveras-com-andorinhas-azuis-e-papoilas-tagarelas…
Não, o céu não vai gostar de se ver invadido, assim sem aviso prévio, por outros azuis…
Vai ficar cheio de ciúme, porque vamos todos olhar para ele, mas não para o ver…

É o que dá quando tropeçamos no nosso horizonte…

16 de março de 2005

tonalidades ao som de uma trompete

Desenhei uma árvore a dançar com um trompetista e deixei-me voar nas cores de um sol tardio que se abraçou à terra e se esqueceu do universo, derretendo-se por inteiro naquele instante…

15 de março de 2005

talvez cegueira, talvez não…

Sinto-me só.
Não terrivelmente, nem angustiantemente...
Simplesmente só, ou serenamente (estado de alma, ou de sentir com que gosto de pintar os cenários do existir em jogos de absurdos e de silhuetas bailarinas).
No intimo, sinto-me só porque abandonado de memórias (aquelas imagens que nos moldam o carácter e que nos dizem o nome inteiro), como se de um momento para o outro apenas me restasse o Presente e os sucessivos instantes do" acontecer", condenado a reinventar os vazios que preenchem o (des)olhar. Uma espécie de torcicolo neurótico que me impede de olhar para o detrás de mim. Sensação inquieta de quem está em pontas de pés, de costas para um abismo e só lhe resta o defronte.
Talvez seja só hidropisia-de-caminhante-de-olhos-espantados que tudo arrasta, tudo limpa, talvez só cegueira, só cansaço, mas um homem só com instantes, é uma espécie de relâmpago, quando afinal, nasceu estrela, porque a luz da estrela é passado e a do olhar futuro…

14 de março de 2005

distracções

Ia distraído.
Vou sempre, quando me viajo no Universo, porque vou sem sentido a ouvir as árvores a ralharem-me o existir.
Esta que me falou hoje era um pinheiro-com-perfumes-de-alfazema, cheio de eternidade. Disse-me que ia no sentido errado, que o meu caminho era bem lá mais para baixo, junto ao Rio. Lá tinha todas as minhas sombras e cores que eu baptizei em menino…
Zanguei-me com ele, respeitosamente, por ser árvore apinhada-de-tempo , " caminho é onde o olhar nos leva, não os passos", disse sem convicção a olhar o chão não fosse ela fulminar-me com todo o seu peso de árvore-que-segura-a-terra-no-céu.
Ele amuou e eu também.
Fiquei assim, sem jeito de saber se o meu lugar era ali perto da serenidade, ou junto ao rio que não pára, sempre com pressa de se transformar em Mar…

12 de março de 2005

procura(s)

Quando procuramos, o melhor, é perdermo-nos por inteiro, só assim colocamos todo o sentido da descoberta na ousadia do querer encontrar…

In "apontamentos para um manual da serenidade", ou com nem sempre é fácil partir com a vontade de chegar…

10 de março de 2005

como quem dá...

Um poema afinal não se escreve,
nem se desenha,
nem nada.
Um poema oferece-se,
como quem dá uma flor-camuflada-entre-dos-dedos-de-uma-mão-que-acaricia,
mas com os lábios,
ou com o olhar,
todo desarrumado de sentires,
para nos extasiarmos na procurar dos sorrisos que se soltam em cada viagem que nos transporta, aos caminhos por onde ele andou antes de nós…

9 de março de 2005

sede

Resumi toda a minha vida num pedaço de papel, com letras bonitas, importantes, vaidosas de bonitas. (Já repararam como ficam vaidosas as letras quando contam uma história, mesmo que só caiba num pedaço de papel? Estas não são diferentes de outras letras, por isso estavam todas azuis-de-sorrisos-de-manhãs frescas). Mas estas, estavam para além do sorriso porque o papel dobrou-se em barco-de-papel-com-letras-vaidosas e passeou-navegante todo o dia na fonte do jardim, até se transformar em água-bebida-por-uma-pomba-que-por-ali-poisou …
E foi assim que a história de uma vida matou a sede, ao acaso, de uma pomba que gostava da água da fonte de um jardim...

8 de março de 2005

atropelos

Pára!
Coloca todo o teu peso, na atitude, clara, precisa de O deixar passar. Solta-o da sombra, não te embales no seu ritmo, na sua força, na sua determinação. Se o tempo te empurra, deixa-o ir, não vás tu tropeçar e perderes o teu próprio tempo, porque o teu, esse, não te atropela…

In “ Apontamentos para um manual da serenidade” ou como devemos aprender a ilusão de não nos deixarmos impelir pelo tempo, para podermos levar tudo que nos cabe no olhar

7 de março de 2005

hoje...

Hoje, talvez só hoje,
sou cristal de Mar, escondido na lágrima de uma gaivota que se desliza em vento a sonhar ser onda...
Hoje, talvez só hoje,
sou onda despenteada que se dissolve em nuvem a abraçar o Sol...

ah! que isto de ser existência-pura tem que se lhe diga...

4 de março de 2005

vontades

A lua pingava uma chuva envergonhada. Mais ficou quando lhe dei a mão e sussurrei em murmúrios de poesia, vontades de pintar uma papoila

3 de março de 2005

embalado em comboio de aço

No balanço,
danço,
sem rede,
nem laços…
Desacordo,
manso,
acordes de trompete
que me soam,
sem cansaço,
uma nuvem azul-baço,
que chove beijos,
em sorrisos palhaço...
Danço,
manso,
sem desejos,
na janela-verde
que me embala,
em abraço...

2 de março de 2005

desassossegos deambulantes

Passeei na Cidade Grande com passos preguiçosos.
Estava sossegada, nos seus silêncios…até as janelas se divertiam em sombras-de-vidros, com cores atrevidas…
Dilui-me, desassossegado, transformado em sussurros-que-olham-em-ecos-surdos…
Há um choro árabe, quase fado que se derrama em ruas, no olhar, como se a existência se concentrasse inteira num só grito…