sábado, 24 de outubro de 2015

Clarice Lispector - do Livro: Felicidade Clandestina



“Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu queria amar o que eu amaria – e não o que é. É também porque eu me ofendo a toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim. Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente. Talvez eu tenha que chamar de “mundo” esse meu modo de ser um pouco de tudo. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário(…). Eu que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu.”

Clarice Lispector, Felicidade clandestina: contos, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1998, Conto “Perdoando Deus"

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Faça com que minha solidão me sirva de companhia...


Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços meu pecado de pensar.
(Clarice Lispector)

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Safena - Elisa Lucinda

Sabe o que é um coração
amar ao máximo de seu sangue?
Bater até ao auge de seu baticum?
Não, você não sabe de jeito nenhum.
Agora chega.
Reforma no meu peito!
Pedreiros, pintores, raspadores de mágoas
aproximem-se!
Rolos, rolas, tintas, tijolo
comecem a obra!
Por amor, mestre de Horas
Tempo, meu fiel carpinteiro
comece você primeiro passando verniz nos móveis
e vamos tudo de novo do novo começo.
Iansã, Oxum, Afrodite, Vênus e Nossa Senhora
apertem os cintos
Adeus ao sinto muito do meu jeito
Peitos ventres pernas
aticem as velas
que lá vou eu de novo na solteirice
exposta ao mar da mulatice
à honra das novas uniões
Vassouras, rodos, águas, flanelas e ceras
Protejam as beiras
lustrem as superfícies
aspirem os tapetes
Vai começar o banquete
de amar de novo
Gatos, heróis, artistas, príncipes e foliões
Façam todos suas inscrições.
Sim. Vestirei vermelho carmim escarlate

O homem que hoje me amar
encontrará outro lá dentro.
Pois que o mate.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Do coração de uma mulher - Lucilene Machado

.
Pensando bem, não sou essa mulher fatal que você pensa que eu sou.
Aquelas histórias de sedução foram todas inventadas e esse ar superior, de quem sabe lidar com a vida, é apenas autodefesa.
Aquelas frases filosóficas, foram só pra te impressionar, pra te passar essa ilusão de intelectual ...
Na verdade eu ainda nem sei se acredito nos valores que me ensinaram, quanto mais em frases feitas e opiniões formadas!
Senta aí, vai! Deixa eu tirar os sapatos, desmanchar o penteado, retirar a maquiagem ...
Quero te mostrar que assim de perto não sou tão bonita quanto pareço, por isso uso todos esses artifícios.
É que no fundo tenho um medo terrível de que você me ache feia, de que você encontre em mim uma série de imperfeições.
Sabe, não quero mais usar essa máscara de mulher inatingível,
de mulher forte com punhos de aço ...
No íntimo me sinto uma pequena ave indefesa, leve demais para enfrentar o vento e que deseja ficar no aconchego do ninho e ser mimada até adormecer.
Olha pra mim, às vezes minha intimidade não tem brilho nenhum
e você terá que me amar muito para suportar essas minhas impotências.
Deixa eu tirar o casaco, tirar o cansaço... essa jornada dupla me deixa tão carente ...
A convicção de independência afetiva? É tudo baléla!
Eu queria mesmo era dividir a cama, a mesa, o banho ...
Queria dividir os sentimentos, os sonhos, as ilusões ...
Um pedaço de torta, uma xícara de café, algum segredo ...
Ah, eu tenho andado por aí, tenho sido tantas mulheres que não sou!
Quantas vezes me inventei e até me convenci da minha identidade.
Administrei minha liberdade.
Tomei aviões, tomei whisky... troquei a lâmpada, abri sozinha o zíper do vestido ...
Decidi o meu destino com tanta segurança ...
Mas não previ que na linha da minha vida estivesse demarcada uma paixão inesperada.
Agora, cá estou eu, trinta e poucos anos e toda atrapalhada, tentando um cruzar de pernas diferente, um olhar mais grave, um molhar de lábios sensual ...
Mas não sei direito o que fazer para agradar.
Confesso que isso me cansa um pouco.
Queria mesmo era falar de todos os meus medos, "dos seus medos?" você diria, como se eu nunca tivesse temido nada.
Queria lhe falar das minhas marcas de infância, dos animais que tive, do meu primeiro dia de aula ...
Queria falar dessas coisas mais elementares, e lhe levar à casa da minha mãe, lhe mostrar meu álbum de retrato ( eu, me equilibrando nos primeiros passos ), ah, queria lhe mostrar minha primeira bicicleta, com truques. Ela ainda existe!
Queria lhe mostrar as árvores que eu plantei
(como elas cresceram!) e todas essas coisas que são tão importantes pra mim e tão insignificantes aos outros.
Ah, você queria falar alguma coisa?
Está bem! Antes, só mais uma coisinha: estou morrendo de medo que você saia desta cena antes de mim, que você saia, à francesa, desta história e eu tenha que recolocar minha máscara e me reinventar, outra vez !

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Numa disciplina - Sophia de Mello


Numa disciplina constante procuro a lei
da liberdade medindo o equilíbrio dos meus passos.
Mas as coisas têm mascaras e véus com que enganam,
e, quando em um momento espantada me esqueço,
a força perversa das coisas ata-me os braços e atira-me,
prisioneira de ninguém mas só de laços,
para o vazio horror das voltas do caminho.

Sophia de Mello Breyner Andresen, do livro "Coral"

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Ciclo



Preciso sentir o real sob meus pés, ainda que após a onda, a areia e o mar provoquem um bambear breve. Logo o sol justo, a sombra, depois o conforto do lar, o alimento, a arroz e o feijão, salada e mistura, a rede como colo, teu coração como centro.
Um cotidiano de certezas, saber de cor o agrado que mais quero me cativando aos pouco a passionalidade.
O que era paixão, virando chão, construindo arranha céus, coroando rei o amor,  bedel, juiz, alguns dias feliz, outros que passam.
Dias de fadiga, bocejo, sono, aconchego. Dias de febre, prazer e perder-se. Um ciclo se nutre das próprias criações.

19/01/2014

Retornos - Wislawa Szymborska



Voltou. Não disse nada.
Mas estava claro que teve algum desgosto.
Deitou-se vestido.
Cobriu a cabeça com o cobertor.
Encolheu as pernas.
Tem uns quarenta anos, mas não agora.
Existe --mas só como na barriga da mãe
na escuridão protetora, debaixo de sete peles.
Amanhã fará uma palestra sobre a homeostase
na cosmonáutica metagaláctica.
Por ora dorme, todo enroscado.

Wislawa Szymborska, é polonosa, ganhou o Nobel de Literatura em 1996. Teve uma antologia publicada com tradução de Regina Przybycien pela Companhia das Letras.

Amor Violeta Adélia Prado

Irina Vitalievna Karkabi 1960 | Ukrainian Figurative ...
O amor me fere é debaixo do braço,
de um vão entre as costelas.
Atinge meu coração é por esta via inclinada.
Eu ponho o amor no pilão com cinza
e grão de roxo e soco. Macero ele,
faço dele cataplasma
e ponho sobre a ferida.

( poema de Adélia Prado )
(Do livro Bagagem. Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 83)

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Soneto De Carnaval - Vinicius de Moraes


Distante o meu amor, se me afigura 
O amor como um patético tormento 
Pensar nele é morrer de desventura 
Não pensar é matar meu pensamento. 

Seu mais doce desejo se amargura 
Todo o instante perdido é um sofrimento 
Cada beijo lembrado uma tortura 
Um ciúme do próprio ciumento. 

E vivemos partindo, ela de mim 
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos 
Para a grande partida que há no fim 

De toda a vida e todo o amor humanos: 
Mas tranqüila ela sabe, e eu sei tranqüilo 
Que se um fica o outro parte a redimi-lo.

Oxford, carnaval de 1939

Naquele carnaval...(Clariciando)



"Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma."













(Clarice Lispector)

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Os deslimites da palavra - Manoel de Barros



  2.5
 Ando muito completo de vazios.
 Meu órgão de morrer me predomina.
 Estou sem eternidades.
 Não posso mais saber quando amanheço ontem.
 Está rengo de mim o amanhecer.
 Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
 Atrás do ocaso fervem os insetos.
 Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu destino.
 Essas coisas me mudam para cisco.
 A minha independência tem algemas.

 Manoel de Barros

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Lua Branca - Chiquinha Gonzaga


Oh, lua branca de fulgores e de encanto
Se é verdade que ao amor tu dás abrigo
Vem tirar dos olhos meus o pranto
Ai, vem matar essa paixão que anda comigo
Oh, por quem és desce do céu, oh lua branca
Essa amargura do meu peito, oh, vem, arranca
Dá-me o luar de tua compaixão
Oh, vem, por Deus, iluminar meu coração
E quantas vezes lá no céu me aparecias
A brilhar em noite calma e constelada
E em tua luz então me surpreendias
Ajoelhado junto aos pés da minha amada
E ela a chorar, a soluçar, cheia de pejo
Vinha em seus lábios me ofertar um doce beijo
Ela partiu, me abandonou assim
Ó, lua branca, por quem és, tem dó de mim

sábado, 18 de outubro de 2014

Estrutural





por certo
teus pequeninos olhos seguiam
casas, vielas e ruas
o habitar sem rosto das cidades

nos fundo deles
um cor indefinível
uma lembrança de queda

fixava rachadura cimentais,
fileira de formigas o carregar das folhas
mãos grandes sobre a mesa
mastigar e engolir á seco palavras

quando tudo era vertigem e medo

Anna Amorim, 16/10/2014

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Acordo sem o contorno do teu rosto...(Eugénio de Andrade)



Acordo sem o contorno do teu rosto na minha almofada, sem o teu peito liso e claro como um dia de vento, e começo a erguer a madrugada apenas com as duas mãos que me deixaste, hesitante nos gestos, porque os meus olhos partiram nos teus.
E é assim que a noite chega, e dentro dela te procuro, encostado ao teu nome, pelas ruas álgidas onde tu não passas, a solidão aberta nos dedos como um cravo.
Meu amor, amor de uma breve madrugada de bandeiras, arranco a tua boca da minha e desfolho-a lentamente, até que outra boca - e sempre a tua boca - comece de novo a nascer na minha boca.
Que posso eu fazer senão escutar o coração inseguro dos pássaros, encostar a face ao rosto lunar dos bêbados e perguntar o que aconteceu.

Eugénio de Andrade

sábado, 2 de agosto de 2014

Inteireza do ser

                                                                                        Emmanuelle Bousquet

desejara
ler, tantos  livros
escrever, tantos poemas 
aguardando
atualizar-se, noticiários

depois,

descansar o corpo
na maciez dos lençóis
no revirar da cama

de súbito, seus lábios,
quiseram entrebeijar-se

na solidão, o encontro.

Stand by


as urgências
sem razão
perderam-se
no tempo

despediram-se

depois
deixaram de ser

Anna Amorim,  10/10/2013

sábado, 26 de julho de 2014

Se o vires - Maria do Rosário Pedreira



Se o vires, diz-lhe que o tempo dele não passou;
que me sento na cama, distraída, a dobar demoras
e, sem querer, talvez embarace as linhas entre nós.
Mas que, mesmo perdendo o fio da meada por
causa dos outros laços que não desfaço, sei que o
amor dá sempre o novelo melhor da sua mão. Se

o encontrares, diz-lhe que o tempo dele não passou;
que só me atraso outra vez, e ele sabe que me atraso
sempre, mas não de mais; e que os invernos que ele
não gosta de contar, mas assim mesmo conta que nos
separam, escondem a minha nuca na gola do casaco,
mas só para guardar os beijos que me deu. Se o vires,

diz-lhe que o tempo dele não passa, fica sempre.


Maria do Rosário Pedreira

tempo à la carte



enquanto a solidão engole os dias
no prato: fome de viver

Anna Amorim, 2014

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Poema preso - Viviane Mosé






A maioria das doenças que as pessoas têm são poemas presos.
Abscessos, tumores, nódulos, pedras…
São palavras calcificadas, poemas sem vazão.
Mesmo cravos pretos, espinhas, cabelo encravado, prisão de ventre…
Poderiam um dia ter sido poema, mas não…
Pessoas adoecem da razão, de gostar de palavra presa.
Palavra boa é palavra líquida, escorrendo em estado de lágrima.
Lágrima é dor derretida, dor endurecida é tumor.
Lágrima é raiva derretida, raiva endurecida é tumor.
Lágrima é alegria derretida, alegria endurecida é tumor.
Lágrima é pessoa derretida, pessoa endurecida é tumor.
Tempo endurecido é tumor, tempo derretido é poema.
E você pode arrancar os poemas endurecidos do seu corpo
Com buchas vegetais, óleos medicinais, com a ponta dos dedos, com as unhas.
Você pode arrancar poema com alicate de cutícula, com pente, com uma agulha.
Você pode arrancar poema com pomada de basilicão, com massagem, hidratação.
Mas não use bisturi quase nunca,
Em caso de poemas difíceis use a dança.
A dança é uma forma de amolecer os poemas endurecidos do corpo.
Uma forma de soltá-los das dobras, dos dedos dos pés, das unhas.
São os poemas-corte, os poemas-peito, os poemas-olhos,
Os poemas-sexo, os poemas-cílio…
Atualmente, ando gostando dos pensamentos-chão.
Pensamento-chão é grama e nasce do pé,
É poema de pé no chão,
É poema de gente normal, de gente simples,
Gente de Espírito Santo.
Eu venho de Espírito Santo.
Eu sou do Espírito Santo, eu trago a Vitória do Espírito Santo.
Santo é um espírito capaz de operar o milagre sobre si mesmo



domingo, 20 de abril de 2014

casulo


não é que me queria inteira
sozinha
plena
e passiva

mas eis que me tornei assim

atrás das sombras
compassiva
encapsulada

metamoforseei-me


14/04/13

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Luas

Bruno Steinbach

há o tempo de emudecer
a lua
num quarto

é o tempo de gritar
toda nua

branca

teu azul
meu universo infindo.


25/02/2014

terça-feira, 25 de março de 2014

Finito


seria verdade
se fosse
o amor
olhos dilatando pupilas
e ela acreditaria

a paixão entrelaçando-lhe as mãos
diria desvendado seus  olhos
comece por mim alvoroços

uma história sem fim

mas a ausência 
empalideceu os dias
foi tornando-a árida 

poema finito.

Anna Amorim, 02/02/2014 

domingo, 23 de março de 2014

SER mulher (reeditado)





















Amarga
Chorosa
Engraçada
Nervosa
Suspiro
Suspende
Suspense.

Pegajosa
Escorregadia
Preocupada
Assustada
Aterrorizada
Serena
Tardia
Endurecida
Macia
Seca
Umedecida
Fria
Quente
Triste
Sombria
Serena
Enigma
Suspense
Suspende
Suspiro
Doce

Suave
Eteréa
Carnal
Fascinante
Falante
Atordoante
Inebriante
Estando
Sendo
Compondo
Cedendo
Tecendo
Querendo
Desejando
Sendo
Ultrajante
Intrigante
Suspense
Suspiro
Doce
Mulher.

A escrever
A desejar
A SER
Mulher.

(Anna Amorim, junho, 1998)

segunda-feira, 10 de março de 2014

Uma Arte - Elizabeth Bishop

A arte de perder não é nenhum mistério
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
Mesmo perder você ( a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (escreve) muito sério.
(Elizabeth Bishop; tradução de Paulo Henriques Brito)

O Brasil e a obra – Em 1952, Elizabeth desembarcou em Santos (SP), de onde seguiu de trem até o Rio. Ao chegar na cidade, foi recebida pela dançarina de balé Mary Morse, ex-colega de escola em NY, e sua companheira, Lota, que lhe ofereceram hospedagem por quanto tempo desejasse. E a estada no país, programada para durar algumas semanas, estendeu-se por duas décadas. No começo, Elizabeth e Lota, de personalidades opostas, se estranharam. Até a escritora ter alergia a um caju, a arquiteta cuidar dela e o inevitável acontecer.
Por cerca de dezesseis anos, Elizabeth viveu ao lado de Lota, de personalidade forte e expansiva, contrastante com seu jeito de ser, retraído e reservado – resultado, possivelmente, da infância traumática sem os pais. Paulo Henriques Britto, principal tradutor da autora no Brasil, lembra que, antes do Brasil, apenas no Canadá, onde viveu por seis anos, ela se sentiu acolhida.
Para Britto, é notável em suas crônicas a presença de temas ligados à infância e ao tempo passado junto à família da mãe, cujo afeto lembrava vagamente o do povo brasileiro. Mesmo imersa em um ambiente que sentia caloroso, contudo, Elizabeth manteve o seu estilo discreto, evitando o tom confessional, tanto em sua prosa quanto em sua poesia. Em 1955, ela recebeu o Prêmio Pulitzer por Poems: North and South – A Cold Spring, seu segundo livro, escrito no Brasil, e o National Book Award por The Complete Poems, de 1969.

A norte-americana Elizabeth Bishop nasceu em Massachusetts, em 8 de fevereiro de 1911, e morreu aos 68 anos em Boston.

Ameaça contemporânea


o tempo que faz lenda
traz o real: dias contados
suplicio do desperdiçar
render, render
aproveitar, aproveitar
contar, contar
anotas, anedotas
proezas demais
aventuras
vividas
viver
tudo todo tempo
n
a
d
a

Anna Amorim, 07/11/2013

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Finitudes


era o ciclo
finitudes e recomeços
o tempo fazendo verso na pele
a vida perecível

seria  reciclável   
o poema?

Anna Amorim, 02/2014

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Solidões



Solidão

beije-a
lábios
sem contorno
contorcem
letras

sem umidade
o frio
seco ar
a boca
vazia

Ao pé da letra

passos
sem registro
sem testemunha
nada dizia
das minhas falas
falhas
errante
segui

Nós 

num abraço
triste
solidão
insistia

Anna Amorim, 2013

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Estilhaços




Em vão

hálitos
bocas
hábitos
cama feita

Pronuncio em vão:
-Amor


Cotidiano

á tua força
estilhaço
eu

num movimento golpe
num golpe de aço

firo-me

logo acordo
prenúncio de manhã
desejo ir


-Bom dia, amor!

26/09/2013

quando não mais

as urgências
sem razão
perderam-se
no tempo

despediram-se

depois
deixaram de ser
                     
10/10/2013

Anna Amorim. 2013

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Nada é presente



 Edvard Munch (Separação-1896)

Das mãos dadas do AMOR
tema
o
                                        vão




 espaço


                                             entre
                                      os   dedos    que
se
fa-di-gam
                 entrelaçados  
o tempo
                   vira
                              memória
onde
                                   tudo
é
                                               passado

                                                                                                                               distante
                                   nada
é
                                               presente.



Anna Amorim, 29/09/2013

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Na solidão o desejo

Katia Chausheva

Na solidão repousa frouxa a esperança de chegar ao colo de alguém sem correr o risco de queda, numa entrega sem envergadura, sem medo e com astucia, ser para um outro  verdade e quimera por todo futuro.


Anna Amorim, 07/11/2013