Princesa- O
menino está só?! Não! O menino não está só! Não vês a água que corre? E o
cágado mesmo ali? O raio de sol que o beija e o reflexo que brinca com os seus cabelos
ondulados?
Pedras – Vejo
tudo isso…e aquele vaso perdido no jardim, de quem será?
Princesa- Não sei
mas quase aposto que foi atirado pelo menino do riacho, aquele sonso está
sempre a fazer marotices às escondidas
Pedras- Não
fales assim do menino…as suas marotices são tão inofensivas….
Princesa-Hum? Não
sei. Porque o faz? Até o mocho, o professor da floresta já me falou sobre este
menino….
Pedras- Porque
faz marotices? A resposta é óbvia, trata-se de uma criança!
Princesa
-O
professor tem experiência e apesar das lentes embaciadas e ver muito mal… nada
lhe escapa.
Pedras- Admito
que sim.
Princesa-
Digo-te, este menino está “apaixonado” por ti e faz de tudo para chamar a tua
atenção, aposto que seguirás por este trilho, verás a bilha e espreitarás,
tirando de lá alguns doces e flores que ele te deixou…
Pedras- Também sou
“apaixonada” por ele, se fosse meu filho não o amaria mais… a terra aguarda sedenta
o alimento que transborda daquele pote, é água salpicada de lantejoulas, há-de
arrastar as impurezas dos olhos da rainha e deste rei…um dia ele vai querer
voar e os pássaros levá-lo-ão para longe…
Princesa- Não
sentirás a sua falta?
Pedras-
Naturalmente que sim…bastar-me-á saber que foi mais além e é feliz … ele tem todos
os sonhos por compor e um mundo para conquistar… os laços que nos unem nunca
mais se desfazem…são como as raízes das árvores.
Princesa- O amor
é assim; primeira espreita, depois estala, mesmo sem querermos ou esperarmos…a
certa altura, estala em dor.
Pedras- Não
existe amor sem dor…
Princesa- O
menino maroto não perdoa, se te afastares muito, sentirá ciúmes e quando
crescer parte-te o vasilhame, retira os doces e as pétalas que te tinha
ofertado … e quando acordares verás que lá estão só as tuas lágrimas …
Pedras- As
minhas e as dele, unidas, para juntas renascerem e seguirem distintos caminhos,
sem nunca se esquecerem. Quando o menino faz maldades vem ter comigo, o lábio
gordo a tremer de emoção, pede desculpas, abraçamo-nos comovidos e o nosso amor
estreita-se ainda mais.
Princesa- Ele
ainda é muito verdinho… tentas ampará-lo mas um dia, constatarás que é em vão…
Pedras- Nada é
em vão…se houver sentimento e verdade.
Princesa- Após
oferecer-te o vasilhame de amor, um dia cansa-se e o jardim deixará de ser zen,
estarás mais velha, o sorriso apagado e murcho e as tardes cinza escuras,
desgostos da vida … então ambos aperceber-se-ão que amadurecer é sofrer os
desaires do amor e seguir por carreiros errantes e distantes.
Pedras- Escuta
o som da natureza, não antecipes as fatalidades, a seu tempo, elas chegarão e
nessa altura eu e ele saberemos lidar com as adversidades. Agora escuta a voz da
água a correr, de uma ave a cantar…tudo é movimento, ação, queda de risco, saltar,
correr, voar ou simplesmente caminhar, cuidadosamente ou inadvertidamente … eu
prefiro nem sempre pensar se vou cair, porque se caio, posso magoar-me ou não…a
queda pode surgir como uma oportunidade de me refrescar e aprender mais …sinto a
mão do menino na minha, é força que me ampara e sorri, que me fala e me segreda
palavras de afeto. Continuo vigilante e observo com desvelo as suas
brincadeiras e repousos.
Princesa-
Preocupas-te tanto com ele! Esqueces que a rainha, minha mãe pediu ao
feiticeiro para transformá-lo em pedra e dessa forma castigá-lo pela
desobediência.
Pedras- Pois,
ao transformá-lo em pedra, aproximou-o de mim…
Princesa- Um dia
o feitiço quebra-se… e ao tornar-se humano, abandonar-te-á.
Pedras- Há
memórias que perduram… nada foi plantado em vão! É altura de protege-lo dos
fantasmas, das bruxas, dos maus olhados, das invejas, das poções diabólicas… e
sobretudo ensiná-lo a defender-se.
Princesa- E como
pensas livrá-lo de todo o mal?
Pedras- Tenho
aqui um livro, o livro do amor. Foi uma fada boa que me deu. Já comecei a
escrever nele as minhas memórias, espera, deixa procurar a página que ela me
indicou…
Princesa- Porque
repetes baixinho o número mil oitocentos e trinta….?
Pedras- Para
não esquecer a surpresa que esta página me reserva…cá está!
Princesa- O quê?
Em branco?! Que assombro! Ficaste pálida…e agora que me dizes?
Pedras – Não
sei…ou…é isso mesmo, observa, o livro está todo em branco, sou eu que terei de
escrever a minha história.
Princesa-
Fazes-me rir, porque raio havia uma fada boa de oferecer-te um livro em branco,
e indicar-te uma página igualmente em branco!?
Pedras- Tu não
compreendes, a fada deu-me uma lição; não há setas, nem pistas. Encontra tu
própria o caminho.
Princesa- Se for
seguro…. Vai e arrisca. Delicio-me a passear por aqui, todos os dias, eu e o
meu príncipe dragão, claro está, sentimos a energia deste lugar… que me deixa a
alma limpa, fico mais leve, livre e acabo sempre por suspirar da escalada de
emoções… diz-me, afinal por que razão o feiticeiro obedeceu cegamente às ordens
da rainha? Que recebeu em troca?
Pedras- Não
sei, a rainha é mãe…e foi com o consentimento do rei…não sei mais nada.
Princesa- tudo
isto me intriga e me confunde…se a rainha é mãe…onde ficou o instinto maternal,
a compaixão, o amor…?
Pedras- A
rainha adora o seu filho, embora a olho nu, não pareça, está doente e afetada,
em muitos aspetos incapacitada, noutros irresponsável e ainda noutros infantil.
Princesa-
Infantil?!
Pedras-
Infantil, quando se coloca ao colo do filho e pede-lhe proteção…quando se
esconde nas costas dele com um escudo …os papéis invertem-se.
Princesa- Como
sabes tudo isso? Nunca me apercebi dessas coisas…
Pedras- Fui ama
da casa real durante muitos anos ou já esqueceste?
Princesa- É óbvio
que não esqueci…
Pedras- Nem
podes, quando nasceste, eu já lá estava.
Princesa- És
muito perspicaz.
Pedras- …Podias
salvar o teu irmão, porque não o fazes?
Princesa- Estás
doida! Neste momento sou a favorita, a que corresponde às expectativas dos
reis. A herdeira da coroa sou eu e não abdico desse privilégio por nada.
Pedras-
Princesa…por favor.
Princesa- Não!
Não tentes. Lamento, no entanto já tomei a minha decisão.
Pedras- É pena
que não sintas o mesmo que eu pelo teu irmão, o teu único irmão, mais novo que
tu. Eu faço deste canto, encanto e da
pureza, purificação. A voz da criança é conto de fadas, castelo flutuante,
prado verdejante, jardim florido… moinho que produz vento…não queres ouvi-lo?
Aqui é o lugar mágico do sol e da água límpida e corrente…
Princesa- Não creio
nas tuas palavras, estás enfeitiçada. Vou embora, até porque se faz tarde.
Pedras-Adeus!
Princesa- Adeus!
Uma tarde, cansada de esperar,
Pedra, decidiu procurar o mago, não suportou mais a indiferença dos reis em
relação ao menino. O castelo tinha-o esquecido definitivamente. Tornara-se inadiável
socorre-lo. Após longas horas de diálogo, entre ela e o feiticeiro, haviam
chegado finalmente a um consenso. O mago quebraria o bruxedo com uma condição;
desposaria Pedra, torná-la-ia humana e adotariam o rapaz. A ideia foi bem recebida.
O bruxo não era feio, a sua graça andava furtiva nos escombros da maldita
bruxaria, merecia uma oportunidade para conhecer o novo sentimento e deixar
advir das profundezas um homem renovado. O menino tinha treze anos quando se
tornou de novo humano. Prepararam-se para a viagem. Um estalo de dedos do mágico
e raiou no céu um robusto pássaro mecânico, movido por rodas, ferro e outras
geringonças. Os três subiram uma escada desengonçada e meteram-se na barriga da
ave. De repente, ouviu-se um ruído feroz e a cauda do bicharoco expeliu uma
fumarada, os enormes membros inferiores iniciaram uma corrida veloz, por fim a
ave arremessou-se de novo no céu… e as asas abrindo e fechando na ânsia de
chegar ao lugar prometido. Pedras sorriu por se lembrar que a viagem
iniciara-se precisamente no ano de mil oitocentos e trinta.
PN 20 de Fevereiro de 13
Nota: Peço desculpa pelas gralhas que poderão encontrar.