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Seriam umas dez horas da manhã. O sol algarvio brilhava forte sobre o mar azul na praia de Armação de Pêra. Sobranceiro à arriba um varandim metálico em toda a extensão do jardim actua como miradouro daquele mar grande e lindo. Eu também fui até lá. Antes porém pousei os meus pertences num banco ali ao lado onde um casal de jovens ingleses conversavam animados. Em baixo um barco aproximou-se da praia, ouviu-se a campainha a avisar do passeio ás grutas, e alguns banhistas na água funda subiram aos baldões para aquela casca de nóz que baloiçava a valer elevada pela rebentação. Ouviam-se pequenos gritos terminados em rizadas e após todos estarem acomodados, o responsável ligou o motor e o barco estabilizou, e de seguida em boa velocidade e direitinho seguiu seu rumo. Desviei o olhar para terra e reparei que uma senhora já idosa se encaminhava para o banco. Aproximei-me de imediato para libertar o espaço ocupado pelas minhas coisas para que ela se pudesse sentar. A senhora ainda me perguntou se eu queria o lugar no banco, respondi que não que ficásse á vontade, e sobraçando o que era meu voltei para o varandim. Mas daí a pouco o casal inglês levantou-se e foram embora. Então caminhei em direção à senhora que sentada me olhava, e sorrindo como é meu hábito disse-lhe em ar de brincadeira: - agora já quero o banco! - E sentei-me ao seu lado.
Ela retribuiu-me o sorriso ao mesmo tempo que me dizia:
- Mas que grande livro!!!
- Animada respondi: - é verdade, é gordinho! Tem 550 páginas.
Sabe, foi a prenda da minha filha pelo meu aniversário na passada semana. Ela até me disse que era mesmo bom para os dias de férias, porque tinha muito para eu ler.
E continuei:
- Eu gosto muito de ler, e gosto deste escritor, tenho vários livros dele.
É o Ken Follett.
Também conhece?
Um misto de asco e repulsa transpareceu na sua voz ao responder-me:
- Eu não! Não conheço!
- Não gosto de livros nem de escritores!
- Só gosto de jornais e revistas porque dizem coisas verdades.
Agora os escritores?! É tudo a fingir. Só dizem mentiras!
Fez uma breve pausa para logo continuar:
- Mentirosos, inventam inventam, e ganham a vida assim. Ah, mas comigo não!
Eu aturdida não respondi nada, ela julgava-se tão certa, infelizmente para ela.
Depois, ainda pensei argumentar, tentar despertá-la mas preferi mudar de assunto e falar do clima agradável característico daquela província algarvia, e aí sim, as minhas palavras encontraram eco, da parte daquela senhora que não gostava de escritores. Pouco depois ela olhou o relógio e levantou-se, despediu-se de mim com simpatia e caminhando devagar atravessou o jardim em direção à avenida. Eu continuei ali e por momentos não pude deixar de sentir uma certa pena, por aquela senhora não conseguir ver a beleza que os livros encerram e a leitura transmite. Mas a cada qual seus gostos e opções.
E a minha foi abrir o livro, e alheia a tudo ao meu redor embrenhar-me na leitura que tinha iniciado na véspera e me havia deliciado.
Quando me levantei para regressar lembrei-me de novo da senhora, mas para formular este meu voto sincero: - Que aos escritores não lhes falte nunca a imaginação, para que, com a sua arte continuem "a mentir-nos" se possível eternamente!
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
Fernando Pessoa