sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009


(imagem:by me)

Súplica
Miguel Torga

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009


A Pantera
(Rainer Maria Rilke)

De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.

A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.

De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009


(Imagem:by me)
Depus a Máscara
Álvaro de Campos

Depus a máscara e vi-me ao espelho. —
Era a criança de há quantos anos.
Não tinha mudado nada...
É essa a vantagem de saber tirar a máscara.
É-se sempre a criança,
O passado que foi
A criança.
Depus a máscara, e tornei a pô-la.
Assim é melhor,
Assim sem a máscara.
E volto à personalidade como a um términus de linha.




domingo, 15 de fevereiro de 2009


Desencanto
Gabriel Archanjo de Mendonça

O sonho realizado
acomodou-se preguiçosamente
na lua da rede
e foi cuidar
por tempo de sesta
na digestão burguesa.

Que o sonho futuro
por mais que sonhado
não passe de sonho.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

(Imagem by me)


Um instante
Ferreira Gullar

Aqui me tenho
Como não me conheço
nem me quis

sem começo
nem fim

aqui me tenho
sem mim

nada lembro
nem sei

à luz presente
sou apenas um bicho
transparente.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

(imagem by me)



Soneto

Nunes Claro.

Vieste tarde, meu amor. Começa

Em mim caindo a neve devagar...

Morre o sol; o outono vem depressa,

E o inverno, finalmente, há-de chegar.



E se hoje andamos juntos, na promessa

De caminharmos toda a vida a par,

Daqui a pouco o teu amor tem pressa

E o meu, daqui a pouco, há-de cansar.



Dentro em breve, por trás das velhas portas,

Dando um ao outro só palavras mortas

Que rolam mudas sôbre as nossas vidas,



Ouviremos, nas noites desoladas,

Tu, a canção das vozes desejadas,

Eu, o chorar das vozes esquecidas.


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

COBARDÍA
Amado Nervo

Pasó con su madre. ¡Qué rara belleza!
¡Qué rubios cabellos de trigo garzul!
¡Qué ritmo en el paso! ¡Qué innata realeza
de porte! ¡Qué formas bajo el fino tul...!
Pasó con su madre. Volvió la cabeza:
¡me clavó muy hondo su mirar azul!

Quedé como en éxtasis...
Con febril premura,
«¡Síguela!», gritaron cuerpo y alma al par.
...Pero tuve miedo de amar con locura,
de abrir mis heridas, que suelen sangrar,
¡y no obstante toda mi sed de ternura,
cerrando los ojos, la deje pasar!

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Como Eu não Possuo
Mário de Sá carneiro, in 'Dispersão'
(...)
2
Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
Como eu quisera emmaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos d'harmonia e côr!...

Desejo errado... Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim - ó ânsia! - eu a teria...

Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases dourados,
Se fôsse aquêles seios transtornados,
Se fôsse aquêle sexo aglutinante...

De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destrôço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.