quinta-feira, 16 de junho de 2011

“Esperanças arruinadas e boas intenções...”


George e Martha, vinte anos de casamento. Ele, professor do departamento de História; ela, a filha do reitor. O relacionamento dos dois é tumultuado e a rotina é de mútua humilhação. Ela, irascível. Ele, sarcástico. Ambos, acídulos nas palavras. Por pedido do pai de Martha, recebem, tarde da noite, a visita de um jovem casal, Nick e Honey. Nick é o ambicioso professor do departamento de Biologia, da mesma instituição de George, e Honey é uma moça rica. De começo, o jovem casal fica espantado e constrangido com as atitudes de George e Martha, com seus jogos cruéis, mas acabam ficando noite adentro e até tomam parte nos jogos. Com o passar do tempo, descobrimos que o jovem casal tem grande potencial de ser uma futura cópia de George e Martha. Os quatro passaram por situações limite e muita tensão. Há um momento em que George pega uma arma e atira na cabeça de Martha, mas a arma é falsa e todos riem nervosamente. A cena é incrível. Eles bebem o tempo todo e o álcool vai funcionando como um elixir da verdade. Martha tem sempre a vantagem na batalha contra George, através do jovem e belo professor, que ela seduz. Depois do episódio do falso tiro, Martha chega a dizer a Nick “Nada de armas falsas com você, heim!” Há sempre muita malícia nas palavras de Martha. Honey, bêbada, pontuado a ação (Violência! Violência!). George observando-se na gradação “Bom, ótimo, o melhor, derrotado”. Quando os brios de George não agüentam mais, ele parte para o ataque, primeiro contra o jovem casal “É preciso ter um porco para achar as trufas”, que se arrepende amargamente de ter entrado no jogo. Depois ataca Martha (que infligiu uma regra) em seu ponto mais frágil, seu filho.

O grande diretor, Mike Nichols, já em sua estréia, fez um dos maiores filmes do cinema. Um filme poderoso, onde o clima é de desabafo, ressentimentos (“por que não me beija George”); malícia (Em um momento Nick falha com Martha na cama; em outro, quando George manda Nick se foder, Martha observa: Ele não pode; está bêbado demais); embate filosófico entre a história e a biologia; embate emocional entre amor e ódio (Martha é a primeira a defender George quando ele é ameaçado fisicamente).

Personagens destrutivos e autodestrutivos, mentiras reveladoras, verdades mascaradas, fatos obscuros (“bergin”, “livro”, “filho”, “Virgínia Woolf”); até as “Flores para los muertos” aparece, como em Um Bonde Chamado Desejo. São elementos integrantes e intrigantes de um texto dos mais brilhantes já vistos em um filme.

O elenco está perfeito; Sandy Dennis como a hilária e patética Honey (Oscar de atriz coadjuvante); um jovem George Segal como o belo e ambicioso professor; Richard Burton (marido de Liz Taylor na vida real), bom como nunca, dando a George cínicas risadinhas; e Liz Taylor absoluta, num despojamento digno do Oscar que recebeu.

Quem Tem Medo de Virgínia Woolf? (Who's Afraid of Virginia Woolf?, EUA, 1966) foi baseado na peça do grande dramaturgo, Edward Albee, cujas peças tem, sobretudo, um forte cunho psicológico, mostrando o conflito homem versus sociedade; Albee, um dos pilares do teatro do absurdo, é conhecido como o dramaturgo da incomunicabilidade. Um autor maravilhoso, cuja obra, infelizmente, não é editada em português; suas peças chegam até nós através de companhias de teatro, que compram o direito de exibição das peças e fazem, elas mesmos, suas traduções; as mais conhecidas são “Três Mulheres Altas”, “A História do Zoológico”, “A Morte de Bessie Smith”, “Quem Tem Medo de Virgínia Woolf” e “A Peça Sobre o Bebê”. A peça em que se baseou o filme tem, na íntegra, três horas e meia de duração e foi, desde sua estréia, um marco da moderna dramaturgia mundial. As homéricas batalhas verbais entre George e Martha são o ponto alto, tanto da peça quanto do filme. O título da peça tem intrigado as pessoas por muitos anos. Aqui vai uma explicação: o próprio Albee contou uma vez, que viu escrita, em um espelho de bar, a frase “Who’s afraid of Virginia Woolf?” (Wolf com apenas um “o” quer dizer lobo). O curioso trocadilho com a famosa canção do desenho Os Três Porquinhos “who’s afraid of the big bad wolf?”, levou Albee a fazer analogias entre a fragilidade das casas que os porquinhos construíram e o clima emocional da peça/personagens. Ele teve a idéia de nomear a peça como “Quem Tem Medo do Lobo Mau?”, mas desistiu por causa dos caros direitos autorais da Disney. Deixou, então, o título como conhecemos, que, aliás, é bem mais genial, já que Virgínia Woolf era bipolar e vivia em conflito com o marido e consigo mesma, até se matar.

No final do filme, George volta a cantar o trecho “Quem tem medo de Virgínia Woolf?” e Martha responde “Eu tenho, George. Eu tenho”. Genial! Os porquinhos também tinham medo de abrir as portas. Termino, deixando para reflexão, as palavras de George: “Quando se rasga a pele e os músculos, se destrói os órgãos e chega aos ossos; o que fazer com o tutano?”.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Fiz este mosaico de estrelas em homenagem a essa arte que tanto amamos. Posto aqui para que possam vê-lo grande. Basta clicar nela.


domingo, 29 de maio de 2011

Boogie Nights





Boogie Nights – Prazer Sem Limites (Boogie Nights, EUA, 1997) é um retrato contundente do mundo pornográfico das décadas de 70/80. Um elenco incrível dá vida a uma rica galeria de personagens, da qual mesmo os não protagonistas não são tratados como meros coadjuvantes. As histórias desses personagens se cruzam em algum momento, o que nos faz lembrar as construções narrativas da obra de Robert Altman. A maravilhosa estética do filme é bem cuidada e a trilha sonora escolhida a dedo, o que nos faz lembrar Quentin Tarantino. Isso não quer dizer que Paul Thomas Anderson não seja um diretor com idéias e características próprias. Pelo contrário, ele se renova e nos surpreende a cada novo filme e tenho certeza de que ele ainda nos brindará com filmes incríveis futuramente. O forte do filme é o elenco bem dirigido: William H. Macy, Heather Graham, Don Cheadle, Mark Whalberg e Julianne Moore. O filme ainda foi responsável pela volta de Burt Reynolds, em seu melhor papel no cinema. Quem conhece a pornografia dos anos 70/80 através de vídeo cassete, reconhece no filme o inegável clima desse mundo, ou melhor, submundo, e sente uma obscena nostalgia e quem não conhecer o filme poderá jurar que ele foi feito nos anos 70. Os cortes de cena, ou o contrário, as longas tomadas, são um show à parte; numa seqüência fabulosa, a câmara passeia entre os convidados de um churrasco e mergulha na piscina, seguindo outros; esse é, realmente, o filme dos planos-sequência geniais; visualmente o resultado é magnífico; emocionalmente é arrebatador. Grande filme. Foi indicado aos Oscars de melhor ator coadjuvante, atriz coadjuvante (sendo que tanto ator como atriz são principais) e roteiro original (do próprio diretor); indicado ao Globo de Ouro de atriz coadjuvante, ganhou o de ator coadjuvante. 

sábado, 28 de maio de 2011

“Eu te homo...”





Scott Pilgrim Contra o Mundo (Scott Pilgrim vs. the World, EUA/Canadá, 2010) é uma grande e ótima surpresa, um filme muito agradável e divertido. O jovem e talentoso diretor, o traquinas Edgar Wright, não tem mesmo medo de ousar fazendo um filme baseado em um HQ, mas com visual de videogame. O resultado é muito bonito, muito artístico. As referências aos games são muitas, desde Mario até Street Fighter, enquanto os balões informativos e as onomatopéias aludem aos quadrinhos. Tudo isso é usado com muito tato, humor e competência por diretor e equipe, formando um todo coeso e gratificante de se ver, uma festa para os olhos. É mais que isso, os recursos gráficos muitas vezes definem os personagens e as cores significam emoções; nada está ali somente para ser divertido e bonitinho. A edição virtuosa é um show e devia ter sido indicada ao Oscar, mas como reflexo de sua bilheteria nos EUA, o filme foi ignorado, o que espanta num filme bem americano e com as qualidades que eles gostam; fico pensando que uma razão para os americanos não terem gostado do filme foi por não terem entendido nada, pois o enredo, apesar de simples, desenvolve-se de forma complexa, sendo o modo como o tempo é utilizado, um exemplo. A história é deliciosamente absurda ao extremo, pois o absurdo para ser delicioso, como em Bob Esponja e A Vaca e o Frango, tem de ser extremo.

 Scott Pilgrim (interpretado com êxito por Michel Cera, pois esse, mesmo se repetindo algumas vezes, tem carisma suficiente para sempre gostarmos dele na tela) é um jovem canadense comum (já que os personagens não tem noção ou não fazem caso de lutarem como heróis de videogames) que acabou de levar um pé na bunda da namorada, ficou com uma adolescente e desistiu desta por uma paixão fulminante, ou seja, um jovem bemmmm normal. Na verdade, tudo que Scott sofre é bem merecido, pois ele não hesita em deixar sua namoradinha quando Ramona aparece; Scott e Ramona são terríveis com os seus pares românticos, mas o são sem maldade, são apenas exemplares típicos dos jovens de hoje, cuja paixão é mais sensual que romântica. Mal começa a se envolver com Ramona e descobre que tem pela frente a tarefa de enfrentar os sete ex-namorados do mal, que não se conformam de terem levado cada um seu próprio pé na bunda. As lutas contra os ex-namorados significam amadurecimento e superação; são fases (como nos games) que Scott tem de não apenas superar, mas vencer mesmo, ou não evoluirá. Ramona também passa por fases, mostradas na mudança da cor de seus rebeldes cabelos; olhando direitinho todos passam por alguma mudança, como uma das exs de Scott que consegue finalmente lhe perdoar, o amigo gay que se impõe e põe Scott para fora de casa, etc. Outro fator tratado com realidade é a falta de beleza física de Scott (pelo menos a beleza estereotipada); ele não tem certos atrativos físicos, mas se mostra incrivelmente atraente por dentro, e isso faz as garotas se apaixonarem por ele, coisa que acontece muito com os jovens de hoje, que a apesar de se rasgarem por seus belos ídolos, na vida real dão mais valor ao conteúdo do seu par romântico (falo dos jovens modernos e inteligentes, pois a parcela ignóbil ainda existe). Os efeitos especiais, os gráficos, dão ao filme uma surpreendente veracidade, pois espelham fielmente os jovens de hoje e seu mundo fantástico, jovens que não tem mais vergonha de serem nerds ou o que quiserem ser; eles são a bola da vez.

O jovem elenco é ótimo, todos combinando com seu personagem, como Anna Kendrick fazendo a irmã de Scott, Jason Scwartman como o vilão mor Gideon Graves, Aubrey Plaza como a boca suja Julie Powers, Alison Pill excelente como a invocada Kim Pine, Mary Elizabeth Winstead como a fulgaz Ramona Flowers, Johnny Simmons como Young Neil e Mark Webber como Stephen Stills se saem bem também; dois galãs do cinema atual fazem pontas divertidas, Chris Evans como o galã Lucas Lee e Brandon Routh como o vegano Todd Ingram; destaque especial para Ellen Wong como Knives Chau, a ficante quase namorada abandonada de Scott, e Kieran Culkin (irmão de Macaulay, na aparência e no talento) como o melhor amigo de Scott, cujo fato de ser super gay não é levado em conta pelos outros personagens (Scott até dorme no mesmo leito que ele), outra característica dos jovens de hoje, cada vez menos preconceituosos (falo dos saudáveis psiquicamente).

Sobre o diretor, todos concordam que é talentoso e inventivo, como mostrou em “Todo Mundo Quase Morto” e “Chumbo Grosso” (filmes batizados de trilogia sangue e sorvete; o terceiro ainda está por vir) e parte desse talento tem influência do amigo Quentin Taratino, com quem já contribuiu com o divertido trailer fake “Don’t” para o projeto Grindhouse. Interessante como ninguém ainda falou sobre as referências a Kill Bill, que para mim são bem claras: o didatismo das informações em balões, aqui usadas como elemento cômico; a lista de vilões destinados à morte; e as brigas entre mulheres, sendo a luta entre Ramona Flowers e sua ex Roxy Richter uma nítida homenagem à luta entre Beatrix Kiddo contra Gogo Yubari. Scott Pilgrim Contra o Mundo é um refrigério.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Magnólia



Embora a crítica considere Boogie Nights o melhor trabalho do diretor Paul Thomas Anderson, eu prefiro Magnólia (Magnolia, EUA, 1999), um dos meus filmes preferidos. Por causa de sua longa duração, 189 minutos, o próprio diretor, em entrevistas, disse se tratar de um épico. E não deixa de ser curioso o caráter épico dos filmes de PTA; vide Boogie Nights (épico sobre o mundo pornô das décadas de 70/80, mostrando seu apogeu e decadência); e Sangue Negro, (épico nos moldes tradicionais). Magnólia mostra-se então um “épico” inusitado: seus temas são traumas familiares e traições conjugais. O elenco é dos melhores; Philip Baker Hall é magnífico e até Tom Cruise prova de uma vez por todas que pode unir beleza e talento. PTA volta a trabalhar com Julianne Moore e Philip Seymour Hoffman, sempre ótimos. Assim como em Boogie Nights, há uma rica galeria de personagens, só que aqui, essa galeria é enorme, lembra muito Short Cuts, do Robert Altman. São, pelo menos, uns vinte personagens em nove histórias (a magnólia tem muitas pétalas em várias camadas), cada um com seu drama arrasador; isso tudo cobrindo um período de apenas 24 horas. Uma das cenas finais é uma linda surpresa, que já despertou a curiosidade de muitos. A trilha sonora é linda e tocante, com canções melancólicas da Amiee Mann. Foi indicado aos Oscars de melhor ator coadjuvante, roteiro original (do próprio PTA) e canção; Globo de Ouro de ator coadjuvante e indicação de melhor canção; Urso de Ouro em Berlim. É um filme difícil, exigindo mais de uma assistida para uma total compreensão. Mas, já na primeira, temos a perfeita noção de que é uma obra maravilhosa.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

The Royal Tenembaums



Os Excêntricos Tenenbaums (EUA, 2001), cujo título original The Royal Tenembaums nos diz muito mais sobre esta família, é um filme diferente e muito criativo. É como um livro e, como tal, dividido em capítulos. Facilmente passa por comédia, mas é pleno em drama e seus personagens tem um acento melancólico. Os filhos dessa família, apesar de superdotados, em contato com um problema familiar real, se desestruturam e seguem abalados até a fase adulta, onde tentarão ajustar contas em família. O diretor, Wes Anderson, costuma trazer personagens com estas características, frustração e fracasso pessoal, pessoas que os americanos cruelmente chamam de “loser”. O elenco é dos melhores, onde destaco Gwyneth Paltrow, em uma de suas melhores atuações. Finalizando, o filme é um belo sonho, leve no visual, pesado nas emoções e embalado por muito rock do bom.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Deixe Ela Entrar



 "Oi, estou no banheiro. Por favor, não entre! Quer ficar comigo hoje à noite? Gosto de você de verdade. Sua, Eli".

O filme sueco, Deixe Ela Entrar (Låt den rätte komma in, Suécia, 2008),  é uma pequena jóia da sétima arte. Tanto sua brutalidade quanto sua sutileza são sublimes e o filme causa grande empatia (aquilo que faz uma pessoa se colocar no lugar de outra) no expectador. Ainda tem o mérito de dar novo alento às histórias de vampiros, mostrando um tipo diferente do que estamos acostumados a ver. Conta uma história de amizade, de amor, entre duas crianças de doze anos, uma menina vampira, Eli, e um menino louro e tímido, Oskar (um dos personagens mais cativantes que já vi no cinema). Os dois se apóiam um no outro para fugir da solidão. Os personagens são mais complexos que isso. Eli traz em si o hermetismo de uma longa vivência. Oskar, vítima da violência/bullying na escola, revela nos pensamentos sua vingança, que só chega de fato através de Eli. Ele a protege da solidão com amor; e ela com amor o protege da agressão. Os diálogos entre os dois são simples e inteligentes, dando margem a mais de uma interpretação. Tudo isso dirigido com segurança, economia e sensibilidade por Tomas Alfredson. Cenas marcantes: a já famosa cena da matança na piscina, que é um primor de técnica e, para mim, a mais impactante, a descoberta do porquê ela tem que ter permissão para entrar. Filme imperdível.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Sede de Sangue



Chan-wook Park, diretor da cultuada trilogia da vingança, nos entrega mais um filme singular, tanto na qualidade quanto na violência. O filme é um banho de sangue e vai embrulhar o estômago dos mais sensíveis. O vampirismo voltou com tudo na literatura e no cinema, mas Sede de Sangue (Bakjwi/Thirst, Coréia do Sul, 2009) assim como Deixe Ela Entrar, se destacam por trazer um tipo novo de vampiro, feito com muito realismo; um modelo de como seriam essas criaturas, se existissem. Sede de Sangue, com sua história de um padre que se descobre vampiro, é um filme forte, surpreendente, que só peca um pouco no final, quando o roteiro escorrega para algo que se parece com uma comédia de humor negro, quebrando o tom que o filme vinha tendo até então.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Distrito 9


Distrito 9 (District 9, África do Sul/EUA/Nova Zelândia, 2009) é um filme maravilhoso que me arrebatou de cara. Inteligente, criativo, ousado, crítico e muito, muito bem feito. É filmado em grande parte como documentário, mas com agilidade o suficiente para não ser chato (não que os documentários sejam, mas aqui corria o risco, por não ser de fato um). Uma gigantesca nave alienígena sofre avarias e quebra na Terra, ficando estacionada no ar por meses; ela não é invadida nem derruba pelos humanos devido a sua alta tecnologia. Seus tripulantes feridos são acolhidos na Terra, mas especificamente em Joanesburgo na África do Sul ao invés de nos EUA, como de costume. Ali são mantidos em uma espécie de campo de refugiados que com o tempo vira uma favela, o Distrito 9. Por causa de seu aspecto, os ETs são chamados de camarões, pois terráqueo tem mania de apelidar os outros. Somos inteirados em detalhes do modo de vida dos ETs; vemos eles famintos, catando no lixo algo para comer, se submetendo ao tráfico de armas com nigerianos, e isso em troca de algo que adoram “comida de gato”

Com o tempo a favela dos ETs vira um caos e começa a intimidar os humanos (sul-africanos). Para elucidar a situação, a MNU (equivalente a ONU) decide desalojar os exilados, levando-os para um campo mesmo de concentração, chamado Distrito 10. O responsável por essa missão, Wikus Van De Merwe, burocrata oportunista, sem muita ética, se contamina com um líquido alienígena e começa um rápido e apavorante processo de transformação em um dos ETs, sofrendo agora o preconceito que sentia. Ele se vê perseguido, pois sendo agora um híbrido de humano-ET, ele pode manejar as poderosas armas alienígenas, que só funcionam com os aliens. Não dá para contar mais da trama sem estragar-lhe as surpresas.

O diretor sul-africano, Neill Blomkamp, apadrinhado pelo produtor Peter Jackson, fez um filme surpreendente, com caprichadas cenas de ação, como na sequência final, com forte e irônica crítica social, aproveitando sua estética de documentário (lembramos até dos documentários de Michael Moore, com sua acidez). Os efeitos visuais são fantásticos e convincentes para uma produção que custou apenas 30 milhões. Ficam claras as metáforas do campo de refugiados dos ETs com Soweto (foi filmado mesmo em Soweto) e outros distritos africanos; a xenofobia com a segregação social do Apartheid; e a situação dos ETs com a situação dos miseráveis da África; a fotografia fantástica ajuda a criar o clima de tal miséria. O ser humano se mostra tão odioso com eles como foram com seus semelhantes africanos, especialmente numa cena de sórdida crueldade, quando incendeiam os ovos dos Ets, fazendo piadas com a palavra aborto. Não agradou alguns por ter estética de documentário e a outros por apresentar tal estética e depois quebrá-la; eles não lembram que o filme é ótimo independendo da estética usada. Houve uma quebra sim, mas não de qualidade; e o filme mescla em sua narrativa a estética de documentário, não sendo um de fato; é uma obra de ficção que imita a realidade. Indicado a quatro Oscars: filme, roteiro adaptado, efeitos visuais e edição (esse para mim foi o melhor dos indicados, seguido de Bastardos Inglórios, quando as apostas iam para os medianos Avatar e Guerra ao Terror). O final do filme deixa bem clara a intenção de se fazer uma continuação; tomara que venha logo.

quarta-feira, 16 de março de 2011

“Quer saber o que eu gosto em você? Você me rejeitou”.







Azul Escuro Quase Preto (Azuloscurocasinegro, 2006), um interessante filme espanhol com toques a lá Almodóvar, mas toca predominantemente no tema da crítica social, sugerindo mais do que dando soluções. Não é um filme muito conhecido, apesar de ter ganho muitos prêmios; talvez o tenham achado pessimista demais, depressivo demais, filmado de forma muito realista, um realismo tão puro que incomoda quem quer ver mesmo a verdade um pouco maquiada.

Personagens: Jorge, um jovem ético, inteligente, bonito e infelizmente pobre; prestes a correr atrás de um futuro melhor, se vê obrigado a cuidar do pai inválido; ele fez Administração e se esforça para mudar de vida, mas suas tentativas são baldadas; é triste vê-lo sempre desejoso daquele terno na vitrine; é triste vê-lo ter vergonha de seus dentes separados e de ser porteiro; é doloroso ver sua alegria e juventude podadas. Antonio, irmão mais velho de Jorge, está preso e tenta ter um filho com Paula, outra presa; suas ambições para o futuro são morar com Paula e abrir uma vídeo locadora. Paula, bonita moça, presa atormentada por suas companheiras; ela deseja engravidar a todo custo, seja para escapar de suas molestadoras, seja para suprir a falta de uma filha que já na barriga não vingou. Israel é um jovem desocupado que vive espiando com seu binóculo o trabalho de um massagista; esse massagista faz favores sexuais aos clientes, sendo um deles o pai de Israel; logo Israel, com algum conflito, se vê outro cliente.

Essas histórias vivem se encontrando no sentido de mostrarem afinidade entre os personagens, mostrando pessoas ávidas por liberdade, mas ambas presas, enganando a si mesmas quando pensam no futuro com otimismo. Almodóvar é lembrado por temas como homossexualidade, pelo absurdo de algumas situações e pela mescla de drama e comédia na mesma dosagem, quer dizer, as situações são engraçadas não porque filmadas como comédia, mas pelo seu absurdo.

O filme é o primeiro trabalho do diretor Daniel Sánchez Arévalo, que também é responsável pelo roteiro. O elenco é ótimo, a começar pelo Quim Gutiérrez, talentoso, de causar pena em algumas cenas e belo apesar dos dentes separados. Marta Etura é uma atriz que ainda vai dar o que falar, bonita e com rosto muito dramático.

O belo título original, Azuloscurocasinegro, é uma palavra só porque o caso aqui não é de gradação, não é um azul escuro tornando-se preto, e também não é como a palavra italiana “chiaroscuro” que mostra um jogo de opostos; azuloscurocasinegro é um tom triste, frio e constante na vida desses personagens; um tom apenas...