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segunda-feira, novembro 18, 2013

O Sexo dos Anjos - Final

Capítulo  1 - Conjuratio
Capítulo  2 - Tons e Cores
Capítulo  3 - Cherchez la femme
Capítulo  4 - Deuses primordiais
Capítulo  5 - Serpente
Capítulo  6 - O despertar
Capítulo  7 - Ascenção
Capítulo  8 - Amor Eterno
Capitulo  9 - Um anjo se prepara
Capítulo 10 - Anima Mundi
Capítulo 11 - Holus

Capítulo 12 (final) -  O gozo de Gaia


Deuses não copulam como criaturas mortais.
Não existe penetração ou qualquer outro artifício para transferência de material genético de um corpo para o outro por uma razão simples: os deuses não tem corpos.
Embora os mortais possam imaginar os deuses a sua imagem e semelhança, eles são constituídos de energia livre.
Os corpos mortais também são constituídos de energia, colapsada, porém, como matéria.  A matéria é uma das formas possíveis para a energia.  Sua forma mais limitada, na verdade.
Para os deuses não existe essa limitação material.  São limitados apenas por sua consciência individual, seu ego e pelo apego a essa ideia.
Eros era, talvez, o único deus capaz de compreender o conceito em toda a sua extensão, mas isso não o impedia de exercitar o apego à individualidade.  Ao contrário, talvez fosse o mais individualista dos deuses, justamente pela consciência de que essa era a garantia de sua existência.
O único momento em que se permitia abrir a guarda era durante os encontros com Gaia.    
Esse era um momento paradoxal.  O prazer de Eros era inversamente proporcional à sua consciência individualista.  Quanto mais abrisse mão de sua individualidade, quanto mais se permitisse fundir com Gaia, mais prazer sentia, mas menos existia.
Nos instantes de prazer mais intensos, Eros transcendia sua existência.  Não havia mais a distinção entre Eros e Gaia.  Ambos formavam um único ser e suas energias se somavam e reverberavam, síncronas, ressonantes, formando uma só onda colossal.  Passado aquele momento eterno, Eros lembrava-se de haver sido Eros-Gaia.
Ao mesmo tempo em que essa lembrança o amedrontava, pela perda momentânea da individualidade, também o estimulava, porque ser Eros-Gaia era muito mais do que ser apenas Eros.
Gaia, é claro, tinha as mesmas sensações e menos restrições a essa fusão.  Por ela, poderia permanecer sendo Eros-Gaia por toda a eternidade.  A memória desses instantes preenchia o intervalo entre seus encontros fugidios, uma ou duas vezes em cada século.
Dizer que Eros se lembrava dos encontros não é correto.  Como Eros é temporalmente onipresente, todos os encontros com Gaia estão acontecendo, para ele, simultaneamente.
Impossível para os mortais, e mesmo para outros deuses, conceber essa ideia, a não ser no momento do orgasmo, quando tanto para os deuses como para os mortais, o tempo deixa de existir.
E foi neste particular encontro entre Eros e Gaia, quando Eros tinha sua atenção contaminada por seus planos e pelo recente encontro com Gabriel, que Gaia teve seu momento de epifania. 
No ápice de seu gozo, transcendeu a familiar sensação de ser Eros-Gaia para ser, por um breve e eterno instante, absolutamente tudo.
Khaos, Tártarus, Eros, Gabriel e tudo que existiu e existiria um dia, todas as manifestações da energia universal pareciam fazer parte dela.  Ou ela parecia fazer parte de tudo.  Não havia distinção.  O Universo passado, presente e futuro, era Gaia, e Gaia era o Universo.
Gaia havia experimentado um orgasmo transcendental e já não era Gaia.  Havia encontrado a verdade final e o sentido fundamental da não existência.
Num último olhar de apaixonada gratidão para Eros, Gaia dissolveu-se em seus braços.
Eros também havia experimentado a mesma sensação, absorvendo Gaia e sendo absorvido pela energia universal.
Mas ele estava alí, naquele momento, e em todos os outros momentos das possíveis linhas da existência.
Naquele preciso instante, Eros observava as diversas possibilidades de futuro e numa delas, ele já não estaria consciente de sua individualidade, dissolvido no universo como Gaia.  Neste caso, ele não teria como conhecer um futuro onde não estaria presente.
E foi então que Eros concebeu o plano que o levou até ali, não sem divertir-se com a curiosa circularidade dos acontecimentos.  Ele estava elaborando um plano que terminaria no exato instante em que começou.
Precisaria acessar os registros Acásicos de Gabriel para saber como seria o futuro caso decidisse permanecer naquele momento presente e deixar de existir.
Desviou sua atenção para o momento em que acessaria os registros, depois para sua conversa com Gabriel e, por último, para o encontro secreto com Maria Celeste, a companheira de Gabriel.
Não foi fácil convence-la a experimentar o prazer da fusão transcendental.  Celeste estava habituada as regras monogâmicas do Céu e Eros precisou utilizar todos os recursos de sedução para faze-la entender que ao final de seu plano, todos estariam de volta à energia universal, ou voltando ao encontro de Deus, na linguagem da primeira-anja.
Mas foi a menção ao gozo de Gaia que, finalmente, convenceu Celeste mergulhar na vivência com Eros.  E experimentar o maior orgasmo de sua milenar existência a convenceu de que ela, também, era Deus.  
Abraçados, ainda inebriados pelo aroma dos incensos de Lesbos, combinaram o sonho que Celeste induziria em Gabriel durante seu sono, com Bianca e Sheila.
Eros estava ali com Celeste, no topo do edifício com Gabriel, no templo com Khaos e Tártaros, no oriente inspirando a filosofia Tântrica, com Bianca despertando a Kundalini e com Gaia, deixando de existir.
Toda a energia gerada por todos os seres vivos com os quais Eros havia interagido por toda a eternidade convergiu para ele.
- Está feito ! - respondeu para Maria Celeste em outro ponto do espaço-tempo.
Uma imensa onda, um pulso energético originário de sua decisão final,  propagou-se pelo Universo e dissolveu toda a matéria existente.  
Tudo voltou a ser como no início dos tempos, ao som do último suspiro de Eros.

sábado, janeiro 26, 2013

O Sexo dos Anjos - Capítulo 8



Capítulo  1 - Conjuratio
Capítulo  2 - Tons e Cores
Capítulo  3 - Cherchez la femme
Capítulo  4 - Deuses primordiais
Capítulo  5 - Serpente
Capítulo  6 - O despertar
Capítulo  7 - Ascenção


Capítulo 8 -  Amor eterno



A relação entre os Deuses Primordiais nunca foi cordial e pacífica.
Embora as vezes possa parecer, essa não é uma questão relacionada com disputas de poder ou grandes paixões.
A verdade é que até mesmo os Deuses percebem o Universo através de experiências sensoriais interpretadas de acordo com suas estruturas mentais
pré-existentes. 
Não poderia ser diferente, já que são criações humanas e refletem a sua natureza, ainda que de forma idealizada.
Na medida em que diferem em sua percepção do Universo, é fácil concluir a possibilidade de discordarem sobre a forma de interagir com ele é grande.
Esse é o verdadeiro fundamento da discórdia nos diversos panteões em todas as eras.
Khaos é fruto das paixões arrebatadoras.  Pura energia, intensa e desordenada, avassaladora e atemporal.  Khaos é a força que constrói e destrói sem razão.
Dessa energia surge Gaia, a beleza criativa que representa toda a vida em seu momento presente.
Mas também emerge o destrutivo Tártarus, que representa o assustador final da existência.
Khaos, Gaia e Tártarus nunca se deram conta da essência diferente de Eros.
Enquanto os três primeiros explicam a origem e os fundamentos do mundo, Eros é quem oferece um sentido para a existência.
Eros, de fato, é o único deus eterno. 
Gaia e Tártarus estão conectados ao momento presente.   Khaos é incapaz de perceber o tempo.
A natureza essencial de Eros oferece o privilégio de esparramar-se pelo tempo.
Os outros deuses, e certamente os humanos, não são capazes de compreender claramente esse conceito.
Eros foi criado a partir do amor, a única emoção capaz de sugerir aos humanos a sensação de eternidade.
Essa característica é a grande vantagem competitiva de Eros em relação aos outros primordiais e mesmo aos que vieram depois.  Eros está sempre presente, em todas as eras. 
A intensidade de sua presença eterna depende apenas do amor gerado num determinado instante e, por isso mesmo, Eros buscava uma forma indireta de interferir na era Cristã, onde o amor havia sido substituído pelo seu antagonista, o temor.
E essa não era sua primeira tentativa.  Eros já havia perdido a conta de quantas intervenções havia feito sem sucesso. 
O fato de nenhum outro deus ter consciência disso o divertia.  A história se reescrevia a cada investida de Eros e as alternativas só poderiam ser percebidas por quem tivesse acesso aos registros Acásicos. 
Mas, desta vez, o plano de Eros demandava ajuda, ainda que involuntária, para ser executado.
Como, nessa era, apenas a equipe do CEO (também chamada de turma do Céu) podia consultar os registros, Eros havia tomado providências para garantir que os registros fossem consultados, invadindo o sistema e enviando uma mensagem absurda para Gabriel.
Eros decidira usar a vantagem de ser cronologicamente onipresente de forma mais inteligente... e estava funcionando desta vez.

                             ----------------------- ∞ --------------------

Bianca e Sheila permaneciam abraçadas sobre a cama, num estado de amorosa letargia.
Sheila foi a primeira a sentir a presença e abrir os olhos.
-          -  Meu Deus ... – gritou assustada.
-           -  Quem é você ??? – arrematou Bianca, colocando-se á frente de Sheila e protegendo-a instintivamente.
A figura etérea que pairava diante delas limitou-se a sorrir.

quinta-feira, dezembro 27, 2012

O Sexo dos Anjos - Capítulo 6




Capítulo  1 - Conjuratio
Capítulo  2 - Tons e Cores
Capítulo  3 - Cherchez la femme
Capítulo  4 - Deuses primordiais
Capítulo  5 - Serpente



Capítulo 6 -  O despertar 


- Você não quer saber o que eu achei do livro ? – Bianca estava surpresa com o comentário de Sheila.
- Nãããã oooo ....
Sheila se divertia com a confusão da amiga, normalmente tão senhora de si.
- Eu quero que você me diga o que é que você sentiu enquanto lia.  Mas não tente me enrolar, porque eu já imagino.
Ali na cama, frente a frente com Sheila, com o corpo ainda vibrando após uma noite de sonhos intensos e eróticos dos quais não se lembrava, Bianca sentiu que ruborizava.  Seus glúteos contraíram involuntariamente e ela desviou os olhos para suas mãos.  Percebeu que estava, distraidamente, acariciando a parte interna das próprias coxas.
Uma energia diferente percorria seu corpo.  Não pode deixar de sorrir pelo trocadilho que sua mente, sempre muito verbal, lhe ofereceu: poderia ser um calafrio, não fosse o calor que sentia, nascendo em algum lugar próximo ao cóccix e subindo pela coluna até o topo da cabeça.
- Um calaquente .... – deixou escapar num sussurro.
- Quê ?
- Não sei se quero falar sobre isso agora, Sheila ... – Bianca se recompôs.
- Deixa de ser boba, Bianca.  É justamente agora, quando você está sentindo umas coisas estranhas, que precisamos conversar.
As imagens da noite de despedida voltaram, vívidas.  Num impulso, Bianca resolveu começar a falar, ainda com os olhos fixos em suas próprias mãos.
- Estou me lembrando da última noite que passamos juntas, antes da minha viagem....
Sheila respirou profundamente e suspirou, aliviada.  Não sabia se a amiga teria coragem de abordar o assunto e não queria força-la.
- Foi uma noite deliciosa, Bianca ... mas sei que deve tê-la deixado constrangida.
Bianca levantou lentamente a cabeça e sustentou o olhar da amiga.  Registrou, de passagem, a calcinha branca de algodão, exposta pelas pernas cruzadas sob o vestido curto.
- Fiquei um pouco ... mas tínhamos bebido muito e considerei que tinha sido apenas uma extrapolação de nossa afetividade.
- Que tal você deixar de lado suas racionalizações por um instante a aceitar que aquele momento foi único, inesperado e absolutamente incrível ? – o sorriso de Sheila era irresistível.
- Tá ... foi ... – Bianca voltou a olhar para suas mãos - ... não sei bem o que aconteceu e confesso que fiz força para me esquecer.  Mas agora que voltei e você me deu esse livro para ler ... – ela encarou Sheila enquanto terminava a frase - ... parece que foi ontem que isso aconteceu ... E o pior é que nem gostei do livro !
Sheila sorriu e tomou as mãos de Bianca entre as suas.
- Poderia ter te dado até uma bula de analgésico para você ler e o efeito teria sido o mesmo, Bianca.  Se você não fosse tão racional e tão distante de seus próprios sentimentos, já teria percebido que algo está acontecendo.  E é maior do que eu e você.  Naquela noite fomos “vítimas” de uma ressonância ... há uma vibração diferente no ar.  Alguma coisa na energia do Universo está mudando !
- Você sabe que eu não acredito nessas coisas, Sheila ...
- Você não precisa acreditar em nada, Bianca.  Apenas sentir.... feche os olhos !
- Para que?
- Confie em mim ... feche os olhos por um momento.  Mantenha o corpo relaxado e respire profundamente.  Eu vou me aproximar de você e quero que preste toda a atenção no que sentir ... só no que estiver sentindo ...
Enquanto falava, Sheila contornou Bianca e postou-se atrás dela, de joelhos sobre a cama.  Aproximou o corpo de suas costas e tocou o dorso de suas mãos com a ponta dos dedos, e foi subindo lenta e suavemente pelos braços, enquanto respirava exalando o ar pela boca em seu pescoço.
O corpo de Bianca tremeu e ela jogou a cabeça para trás, encostando-a no ombro direito de Sheila, emitindo um profundo suspiro.
Sheila se afastou delicadamente deitando-se na cama, apoiando sua cabeça sobre o braço, e perguntou, séria:
- O que foi que você sentiu, Bianca ?
- Difícil de descrever ... – Bianca não estava quase em transe - ... eu já estava sentindo isso antes quando você chegou e sentamos aqui na cama, mas foi muito mais intenso... uma coisa subindo pela espinha .. uma sensação forte ... como se fosse um arrepio de tesão, mas diferente ... mais intenso ...  E, ao mesmo tempo, um sentimento de ... de amor ... por você ... por nós ...  Nossa ! ... tão breve e tão intenso ! ... o que foi isso, Sheila ?
Sheila estava radiante.  Finalmente podia partilhar com a amiga sua descoberta.
- Não sei, Bianca ... mas é disso que estou falando.  Por alguma razão estamos mais predispostas a estímulos sensoriais e emocionais.  E estamos afetivamente mais disponíveis ..
- Isso quer dizer que estamos apaixonadas ? ... tipo lésbicas ou algo assim ??
A gargalhada de Sheila foi espontânea e contagiante.  Ela era muito sexualizada e não costumava fazer distinção de gênero quando se tratava de prazer.  Mas Bianca era absolutamente “conservadora” nessas questões e Sheila sabia que essa possibilidade, de se apaixonar romanticamente por outra mulher, não era exatamente “confortável”.
- Não, Bianca ... ou talvez sim ... mas isso, de verdade, não importa.  Você se permitiu vivenciar isso comigo e se entregou com facilidade porque já temos uma relação afetiva importante.  Mas essa sensação que você teve poderia ter sido provocada por qualquer pessoa, ou até por você mesma, desde que estivesse disponível e intencionada.   Não tem nada a ver comigo.  Essa coisa que eu chamo de energia e os orientais chamam de Kundalini ... mas que você pode chamar como achar melhor... vem de você mesma ...
- Como assim ? – Bianca estava aturdida.
- Olha ... – Sheila assumiu um ar sério - ... eu não sei bem o que está acontecendo.  Mas não é só com a gente.   Eu também fiquei impressionada com o que sentimos naquela noite.  Mas diferentemente de você, não deixei para lá.  Segui experimentando e mergulhando dentro de mim mesma tentando compreender... descobrir de onde vinham essas sensações tão intensas que faziam com que todas as outras coisas perdessem sua importância.
- E o que descobriu ?
- Pouco ... mas o suficiente para dizer que, seja lá o que for, é coletivo.  As pessoas sensorialmente mais abertas estão vivenciando isso também.  As mais fechadas, resistentes, andam reclamando cada vez mais da falta de sentido da vida ... achando tudo meio sem graça ... como se soubessem, inconscientemente, que estão perdendo alguma coisa importante.
Bianca não sabia o que dizer e Sheila continuou:
- Minha intuição me diz que alguma coisa está provocando isso ... é como se estivéssemos vivendo entorpecidas até agora, e alguém quisesse nos despertar.
Bianca deitou-se ao lado de Sheila e a abraçou.  Ambas permaneceram caladas, imersas em seus pensamentos.

---------------------- ∞ –––––––––––––––

Khaos, Tártarus e Gaia haviam passado os últimos momentos ouvindo Eros explicar os detalhes de sua façanha.
Até Tártarus, normalmente reservado e taciturno, estava radiante, emanando aquela estranha aura infra-vermelha, típica das noites de Vênus, seu planeta predileto.
- Eros ... você decididamente não é tão inútil quanto parece !
- Inútil, Eros ? – Gaia aproveitou para provocar Tártarus – olha quem fala....
- Essa sua idéia de trabalhar subliminarmente no Oriente enquanto o novato concentrava sua atenção no Ocidente foi estrategicamente brilhante, Eros.   Estou agradavelmente surpreso ! – Khaos era um amante da estratégia – Mas como é que você conseguiu a energia necessária para iniciar esse trabalho ?
- Peguei “emprestado”  ... – Eros parecia uma criança levada - ... o novato tem mania de organização e canaliza boa parte da energia que captura para manutenção de arquivos.
- Arquivos ??? Mas isso lá é coisa de um deus que se preze ?
- Pois é ... mas ainda bem que o novato não sabe lidar com lógica fuzzy.  Eu só tive o trabalho de estabelecer uma sincronia quântica com uma parte desse registro e desviar a energia residual para o início dos tempos.  Quando se derem conta, se é que darão, vão pensar que alguém está roubando informações.
- Informação ?  Mas quem precisa disso ? – Khaos estava se deleitando com o primitivismo do oponente.
- Eles precisam ... nós só precisamos da energia.  E a essa altura, já consegui desviar o suficiente para provocar a desestabilização da fonte geradora ...
- Mas o que significa isso ? – Gaia não estava conseguindo acompanhar a conversa.
- Significa que os humanos estão duvidando de sua fé, Gaia ... – a voz de Tártarus ecoou, nefasta, nas ruínas do palácio.

segunda-feira, dezembro 24, 2012

"O Sexo dos Anjos" - Cap. 4

Capítulo  1 - Conjuratio
Capítulo  2 - Tons e Cores
Capítulo  3 - Cherchez la femme

Capítulo 4 - Deuses primordiais


Naquilo que parecia ser um antigo palácio grego em ruínas, 4 vultos agitados sussurravam com estranha intensidade.
Uma enorme lua alaranjada iluminava a cena, ressaltando a beleza dos corpos envoltos por mantos de seda branca.
-      -  Não temos mais poder sobre os humanos, Tártarus ... nenhum poder ! – a tristeza parecia transbordar em densas ondas dos olhos negros de Khaos.
-       - Não seja otimista, K... o fato é que não temos mais poder nenhum sobre nada.  A prova disso é que Gaia já está ficando com pés-de-galinha. – Tártarus jamais perdoara Gaia por havê-lo trocado por Uranus.
-       -  Rugas de expressão, Abyss querido ... – Gaia sabia que Tártarus detestava esse apelido – Ao contrário de você, eu me preocupo...
-       - Estamos “preocupados” há séculos ! – o rouco sussurro de Khaos fez tremerem as deterioradas colunas do palácio – E, enquanto isso, aquele embusteiro sem nome e cercado de passarinhos faz o que bem entende.
-      -  Anjos, Khaos, anjos ... e você não pode negar que são bonitinhos ... – Eros era incapaz de odiar quem quer que fosse – Eu ando pensando seriamente em adotar um par de asas ... você acha que ficaria bem com elas, Gaia ?
-       Você ficaria lindo até coberto de espinhos, Eros ... – Gaia sorriu, carinhosamente - ... e, lembre-se de que fui em que desenhei os pássaros.
-      -  Linda criatura e criadora apaixonada .... – Eros suspirou.
-       - Vamos parar com esse lambe-lambe ?!  Eu mandaria os dois para as profundezas dos meus domínios, se o embusteiro não tivesse entregue tudo para aquele chifrudo ridículo. - os dentes pontudos de Tártarus assustavam até mesmo os deuses primordiais.
Eros parecia particularmente relaxado naquela noite.  Acompanhava os rompantes de irritação de Khaos e Tártarus com um sorriso maroto, como se soubesse de algo e estivesse saboreando o momento antes de contar.
-       - Eu tenho boas notícias para vocês, irmãos de infortúnio.  Mas, primeiro, uma pergunta .... Lembram-se de como perdemos o poder ? – Eros decidira, finalmente, compartilhar as novidades.
-       Não estou afins de lavar roupa suja de novo, Eros ... Já discutimos esse assunto exaustivamente nos últimos dois mil anos.  Abusamos, fomos descuidados e, por fim, delegamos demais.  Você bem nos avisou de que não seria uma boa ideia deixar tudo nas mãos de Zeus e sua equipe de jovens talentos.  Aquele bando de exibicionistas egocêntricos acabou complicando tudo e os humanos perderam a fé.   Presa fácil para o primeiro embusteiro que aparecesse. – Khaos sempre se referia ao novato como embusteiro.
-       - Esse é o ponto chave, Khaos ... perderam a fé.  E o poder dos deuses é alimentado exclusivamente pela fé humana.  Sem ela não somos nada.  E você lembra de nossos bons tempos ?  Lembra como foi que conquistamos a fé dos humanos ?
-       - Está querendo confete, Eros ? – Tártarus destilava seu mau-humor habitual.
-       Não, Tártarus ... quero lembrar que conquistamos a fé dos humanos através do amor.  Gaia concebia as criaturas a partir da energia de Khaos, e eu inspirava o amor universal, o ágape.  E você, Tártarus, ia corrigindo nossos erros, banindo as criaturas que causavam a desarmonia.
-       Ah.... que mundo lindo, aquele ... – foi a vez de Gaia suspirar, enlevada pela memória dos tempos do paraíso.
-       E daí, Eros ?  Estamos cansados de saber disso. – os cabelos negros de Khaos esvoaçavam quando estava impaciente.
-       - E daí que o amor é a peça chave para a conquista e manutenção da fé.  Foi por isso que a equipe do Panteon se deu mal.  Zeus não amava ninguém, os outros deuses só queriam saber de tributos e aquele moleque, o filho da Afrodite que usava o meu nome, gostava mesmo é de uma boa suruba.
-       Se arrependimento matasse ....  – Tártaro ruminou.
-       Não mata, mas pode salvar .... hahaha ... – Eros não conseguiu evitar a piada sobre o discurso dos seguidores do novato.
-       - Eros, Eros ... – Gaia adorava deuses com bom humor.
-       - O fato é que esse novo deus aprendeu com nossos erros e vem mantendo seu poder centralizado, cuidando de tudo pessoalmente.  Mas isso é desgastante e, pelo que ouvi dizer, ele anda de péssimo humor não é de hoje.  Há tempos que não visita as criaturas que herdou de Gaia e nem manda um representante de peso para visita-las.  E não há ninguém encarregado de inspirar o amor por lá.  Está todo mundo sobrecarregado tentando cumprir ordens e manter o controle.  O resultado prático disso é que seu modelo centralizador e autoritário deixou-o completamente desconectado das bases.  Sem planejar, ele delegou a manutenção da fé aos próprios humanos.
-       Hummmm .. vejam só que interessante ... – Tártarus sorria pela primeira vez em séculos.
-       - Resumindo, meus queridos, temos uma boa oportunidade para retomar o que nos pertence ! – os olhos azuis de Eros encontraram os verdes de Gaia e uma onda de energia nasceu dos dois, envolvendo Khaos e Tártarus.
––––––– ∞ –––––––

Bianca, sonolenta, abriu a porta do quarto para Sheila.
Eram 8h00 da manhã e ela havia passado boa parte da noite dedicada à leitura do livro.
Sheila, ao contrário, havia acordado cedo, ansiosa para conversar com a amiga.
-       E então, Bi ?  Leu ?
-       Uahhhh – Bianca não conseguiu segurar o bocejo – Lí sim ...
-       - E o que sentiu ?
-      -  Olha ... o livro não é lá essas coisas ...
-       - Isso até eu, que não sou tão exigente, sei bem .... Mas quero saber o que foi que você sentiu ...

Sheila tomou as mãos de Bianca e a levou até a cama.   As duas se sentaram frente a frente, de pernas cruzadas sobre o colchão.
-       Me conta, Bi .. mas seja sincera.  É muito importante !  Preciso saber o que você sentiu ...