Recebi muitos pedidos para divulgar o manifesto elaborados por candidatos que fizeram a prova de Direito Tributário.
Confesso que relutei um pouco em publicá-lo pois poderia passar a impressão de que em função do manifesto dos candidatos que fizeram Direito do Trabalho, todo mundo iria querer anular suas respectivas provas, jogando todos os manifestos em descrédito.
Por outro lado, como o Blog é um espaço destinado aos bacharéis em Direito que desejam passar na prova da OAB, eu não poderia preterir um ou outro grupo, sob pena de incorrer em alguma injustiça discriminatória.
O manifesto dos examinandos em Direito Tributário NÃO pleiteia a anulação da prova ou do Exame, e sim um elastecimento dos critérios de correção, porquanto os candidatos acham que o enunciado possibilitaria mais de uma abordagem prática.
Quem quiser subscrever o manifesto pode clicar no link abaixo:
Quem quiser conferir a pertinência do manifesto por si mesmo pode ler abaixo a íntegra do texto:
Ilustríssimo Senhor Doutor Cezar Britto - Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Os Bacharéis em Direito infra-assinados, examinandos da segunda fase do Exame de Ordem 2009.2 (139), prova prático-profissional na área de Direito Tributário, aplicada em 25 de outubro de 2009, indignados com os procedimentos que vêm sendo adotados pelo CESPE, instituição contratada para a aplicação do Exame de Ordem, vêm, respeitosamente, diante de Vossa Excelência, apresentar seu MANIFESTO, substanciado na exposição de motivos a seguir aduzidos:
I – Dos Fatos
A) Da prova prático-profissional
Segue a transcrição do enunciado da situação hipotética proposta na prova de Direito Tributário:
“A sociedade empresária RN Ltda., inscrita no CNPJ com o número 000.000.000-0 e com sede na Rua Santo Antônio, n.º 1.001, no Município de Taió – SC, foi notificada, em 1.º/3/2008, pelo município de Rio do Sul – SC, para recolher o ISS relativo aos serviços de transporte escolar realizados entre os municípios citados, no período de 1.º/1/2003 a 31/12/2007.
O tributo não foi pago nem foi oferecida impugnação administrativa.
Em 10/11/2008, o responsável legal da referida empresa procurou escritório de advocacia com o objetivo de propor uma única ação judicial visando ao cancelamento da notificação fiscal e à obtenção, urgente, de certidão de regularidade fiscal para participar de procedimento licitatório no município de Rio do Sul – SC.
A execução fiscal foi proposta em 10/8/2008, com base na certidão de dívida ativa lavrada em 10/5/2008.
Em face dessa situação hipotética, na qualidade de advogado (a) constituído (a) pela empresa RN Ltda., proponha a ação judicial cabível, considerando que a sociedade empresária não foi citada e não quer pagar o tributo nem sofrer qualquer constrição de bens.”
A situação hipotética proposta, em decorrência do enunciado confuso e inconclusivo, dá margem ao cabimento de pelo menos quatro medidas processuais diferentes, quais sejam: Mandado de Segurança, Exceção de Pré-Executividade, Embargos à Execução e Anulatória de Crédito Tributário;
Observa-se que embora haja a menção expressa de algumas datas, como a data da notificação (01/03/2008), lavratura da certidão de dívida ativa (10/05/2008) e execução fiscal (10/08/2008), houve omissão acerca de outras datas, como a do momento de ciência, pelo contribuinte, da inscrição na dívida ativa;
Porquanto, a possibilidade de cabimento do Mandado de Segurança, assim como da Exceção de Pré-Executividade e dos Embargos à Execução, embora não tenham sido previstas no gabarito proposto pela banca examinadora, pode ser exaustivamente comprovada por meio de citações doutrinárias e jurisprudenciais;
Nos abstivemos de correlacionar aqui as fundamentações inerentes à cada medida processual cabível em razão do objetivo maior de informar Vossa Excelência acerca das arbitrariedades encontradas neste certame. Porém, desde já, nos colocamos à disposição deste Conselho para apresentarmos nossas razões sobre a possibilidade de aplicação de cada uma das peças processuais supra-citadas.
B) Da divulgação do gabarito e dos resultados
Como é de conhecimento deste Conselho, o CESPE não tem por hábito divulgar gabaritos antes da própria divulgação da lista de aprovados. Entretanto, inusitadamente, na data de 11 de novembro, circulou na Internet um possível gabarito das provas aplicadas, cujo endereço eletrônico remetia ao próprio CESPE, e a notícia foi logo postada nas listas de discussões criadas pelos examinandos, criando grande polêmica;
Vários examinandos, ansiosos pela confirmação de que o gabarito era oficial, telefonaram ao CESPE, que, por sua vez, tratou de tirar o tal endereço eletrônico do ar, mas a confusão já havia sido gerada;
Ressalta-se que o referido gabarito não atendia aos moldes de uma folha de respostas padrão, mas assemelhava-se a um quadro esquemático divulgado internamente para ser seguido pelos examinadores responsáveis pela correção do teste, e não um gabarito oficial direcionado aos examinandos;
No dia seguinte, 12 de novembro, o CESPE publicou em seu site, pela primeira vez desde que assumiu o controle do Exame de Ordem, um gabarito oficial, o qual recebeu o título de “Padrão de Resposta Peça Profissional”;
A partir daí, surgiram vários rumores e questionamentos sobre a lisura do exame, pois o vazamento de informações, aparentemente internas, do CESPE, deu margem a suspeitas de que tal padrão de respostas já havia sido visualizado antes.
A data prevista para a divulgação do resultado do Exame, conforme constava impressa na prova prático-profissional era de 17 de novembro, a partir das 18 horas, embora a lista de aprovados tenha sido divulgada antecipadamente na data de 16 de novembro, depois das 18 horas. Entretanto, desde às 14 horas, através do endereço eletrônico do próprio CESPE, alguns alunos obtiveram acesso à lista antes da divulgação oficial;
Há vários outros fatos controversos que ocorreram entre a realização do Exame e a divulgação dos resultados que evidenciam o que chamaremos de “atrapalhadas” do CESPE, mas primando pela objetividade, apenas os mais relevantes foram ressaltados para que seja possível ter uma singela noção sobre os inúmeros erros cometidos por este instituto contratado pela OAB para organizar seu Exame de Ordem.
C - Da correção da prova prático-profissional de Direito Tributário
A correção das peças processuais da prova prático-profissional foi manifestadamente negligente e incoerente, vez que se pautou em um padrão de respostas contraditório.
Estabelece o item 4.5, do edital de abertura do certame em comento:
4.5 DOS TEXTOS RELATIVOS À PEÇA PROFISSIONAL E ÀS QUESTÕES:
4.5.1 As questões e a redação de peça profissional serão avaliadas quanto à adequação das respostas ao problema apresentado, ao domínio do raciocínio jurídico, à fundamentação e sua consistência, à capacidade de interpretação e exposição, à correção gramatical e à técnica profissional demonstrada. (GRIFO NOSSO)
A despeito do exposto no edital, quase todos os examinandos que nominaram suas peças de forma diversa da prevista no gabarito apresentado pela Banca, ainda que tenham atendido à todos os outros quesitos de forma satisfatória, tais como fundamentação, consistência, causa de pedir e pedidos, além de terem apresentado linguagem escorreita e técnica profissional, nos mesmos termos previstos no gabarito, tiveram suas peças ZERADAS, sob as seguintes alegações:
§ Exceção de Pré – Executividade: não é cabível, pois a formulação da questão solicita a propositura de uma ação judicial em favor do contribuinte;
§ Mandado de Segurança: não é cabível em face do transcurso do prazo decadencial;
§ Embargos à Execução Fiscal: não é cabível, pois não há garantia do juízo;
§ Ação Declaratória: não é cabível em virtude de o crédito já estar constituído.
Correto afirmar que o examinador não deve se atentar apenas ao nome da peça, isso porque, como cediço, a própria CESPE/OAB expediu o seguinte comunicado no espelho da prova prático-profissional de Direito do Trabalho e Direito Civil, in verbis:
“Atenção: para decidir se a peça proposta é inadequada, não tomar como base apenas o nome da peça, mas, sim, a fundamentação, o pedido e a causa de pedir.”
A despeito da orientação supra-citada, este critério de avaliação não foi adotado nas correções das peças das provas prático-profissionais dos examinandos de Direito Tributário, vez que o único critério adotado para esta área foi o do “nome da peça”.
As outras medidas processuais propostas cujos nomes estavam divergentes em relação ao gabarito, não foram sequer corrigidas, o que representa não somente uma discrepância com o edital, mas principalmente, uma flagrante falta de isonomia em relação às outras áreas do Direito.
Para agravar ainda mais a total falta de uniformidade de correção adotada pelo CESPE, inúmeras provas de candidatos que optaram por medida processual diversa do padrão oficial do gabarito, foram corrigidas, em detrimento de tantas outras. Enquanto alguns examinandos obtiveram nota zero na peça processual, em razão de não ter havido qualquer correção, outros, que propuseram exatamente a mesma medida processual, obtiveram o direito à correção. Não se pode admitir tamanha arbitrariedade.
Por intermédio dos fóruns de discussão sobre o Exame de Ordem, tomamos conhecimento de inúmeros examinandos, de diferentes regiões do país, que tiveram suas provas integralmente corrigidas, e conseguimos obter algumas cópias dos respectivos espelhos que comprovam tais fatos. Há evidências de que foi feita a correção das medidas processuais de Embargos à Execução, Mandado de Segurança, Exceção de Pré Executividade e até Medida Cautelar.
Constatamos dessa forma que, ao redor do país, independentemente da peça proposta pelo candidato, não houve nenhum critério prudente e objetivo na correção. Ainda que o Exame tenha sido unificado, alguns Estados, em especial, parecem ter sido beneficiados com o “direito à correção”, embora esta deveria ser a regra adotada em todas as regiões. Portanto, resta comprovada, inequivocadamente, flagrante afronta ao Princípio Constitucional da Isonomia.
Ademais, já existe uma penalidade para os candidatos que fizeram peça considerada inadequada, qual seja a redução de nota no quesito nº 3 (doc. 01) do espelho, “do raciocínio jurídico e cabimento da peça”. Assim, atribuir nota ZERO a todos os quesitos configura verdadeiro bis in idem, ou seja, dupla penalidade aos examinandos, em clara violação ao edital.
Por esperarmos e acreditarmos que, em sede de recurso, será dispensado um tratamento equânime e justo a todos os examinandos, de todos os Estados da Federação, nos abstivemos de juntar os espelhos obtidos neste momento. Embora estes possam ser obtidos diretamente do CESPE, desde já, nos colocamos à disposição para apresentá-los caso necessário.
D- Da tese da Decadência prevista no gabarito
Como pode ser verificado na situação hipotética proposta, o contribuinte não declarou, não calculou e nem pagou o ISS. Note-se que o lançamento desse tributo é por homologação. Desse modo, se o contribuinte não efetuou o pagamento antecipado exigido pela lei, não há possibilidade de haver lançamento por homologação, já que não há o que ser homologado e esta não pode operar no vazio.
Não obstante, o gabarito proposto pela Banca não só premiou a absurda tese da “decadência”, como atribuiu 0.8 ao quesito em questão, o que viola a melhor doutrina e o próprio entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça no tocante ao quesito DECADÊNCIA. Nesse sentido, decidiu o STJ:
“A Primeira Seção consolidou entendimento no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, no caso em que não ocorre o pagamento antecipado pelo contribuinte, como no caso jub judice, o poder-dever do Fisco de efetuar o lançamento de ofício substitutivo deve obedecer ao prazo decadencial estipulado pelo artigo 173, I, do CTN, segundo o qual o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado”. (REsp 857614/SP, Rel. MIN. LUIZ FUX, J. 04/03/2008) (gf).
Com efeito, tratando-se de fatos geradores ocorridos a partir de 2003, o prazo de 5 (cinco) anos deve ser contado do 1º dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, ou seja, contar-se-iam 5 (cinco) anos, a partir de 1º/jan/2004, ocorrendo a decadência somente em 1º/jan/2009. Como o lançamento descrito no ponto do exame se deu em 1º/mar/2008, não há que se falar em decadência.
Ricardo Lobo Torre, Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior, Leandro Paulsen, Sacha Calmon Navarro Coelho, Luciano Amaro e Paulo de Barros Carvalho esposam idêntico entendimento, e prelecionam que a aplicação do art. 173, I, do CTN para este caso é a regra mais condizente com o espírito do sistema.
O examinando que não alegou a decadência, certamente não o fez, com base no conhecimento jurídico adquirido após o estudo exaustivo das melhores doutrinas, e não por negligência às datas dispostas no problema apresentado.
Sendo assim, vislumbra-se a atribuição de 0,80 na prova de todos os candidatos quanto ao quesito 2.4.1, vez que não há como ser exigido do examinando que apresente uma tese contrária ao entendimento doutrinário e jurisprudencial.
II – Do Direito
O Exame de Ordem é unificado e deve ser aplicado de maneira uniforme a todos os candidatos, respeitando as diretrizes gerais. Dessa forma, se foi aplicado o entendimento de que para decidir se a peça proposta é adequada, não se deve tomar como base apenas o nome da peça, mas sim a fundamentação, o pedido e a causa de pedir, as peças da área de Direito Tributário devem também ser corrigidas com fundamento neste entendimento, sob pena de haver violação ao Princípio Constitucional da Isonomia.
Nesse sentido, vale destacar o caput do art. 5º da Constituição Federal, “in verbis”:
"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, a segurança e a propriedade, (...)". (gf)
O princípio da igualdade tem sede explícita no texto constitucional, sendo também mencionado inclusive no Preâmbulo da Constituição. Destarte, é norma supraconstitucional; estamos diante de um princípio, direito e garantia para o qual todas as demais normas devem obediência. O regime democrático faz desabrochar a legalidade e a igualdade como princípios fundamentais para o Direito.
Nesse sentido, traz-se as enfáticas palavras do ilustre doutrinador Geraldo Ataliba, “in verbis”:
“Não teria sentido que os cidadãos se reunissem em República, erigissem um Estado, outorgassem a si mesmos uma Constituição, em termos republicanos, para consagrar instituições que tolerassem, ou permitissem, seja de modo direto, seja indireto, a violação da igualdade fundamental, que foi o próprio postulado básico, condicional da ereção do regime. Que dessem ao estado – que criaram em rigorosa isonomia cidadã – poderes para serem usados criando privilégios, engendrando desigualações, favorecendo grupos ou atuando em detrimento de quem quer que seja ... (República e Constituição, RT, SP, 1985, p. 133) (Grifo nosso)
Insta trazer à baila também, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
"Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas (...). Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumédia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra". (Curso de Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 900)
Posto isso, o posicionamento adotado pela Banca Examinadora, deve ser revisto e modificado, para fins de, observando o Princípio da Isonomia, proceder à correção equânime de todas as medidas processuais propostas pelos candidatos. Qualquer tratamento diferenciado viola a credibilidade do exame e a própria finalidade deste de aferir a capacidade profissional dos Bacharéis de Direito.
III – Dos Pedidos
Perante tamanho despautério na correção das provas e, tendo em vista que Vossa Excelência, por definição do Estatuto da Advocacia da OAB, deve dar cumprimento efetivo às finalidades da OAB, dentre as quais se encontra o Exame de Ordem, que tem por escopo avaliar se os candidatos têm competência para exercer a nobre atividade de advocacia, requeremos a manifestação expressa de Vossa Excelência, para que tome as providências necessárias, no sentido de acolher os argumentos ora apresentados.
Dessa forma, requeremos a Vossa Excelência que atente-se às decisões do Egrégio Superior Tribunal de Justiça e à melhor doutrina para fins de afastar a absurda tese da decadência, premiada pelo gabarito apresentado pela Banca Examinadora, bem como, atue em defesa do Princípio Constitucional da Isonomia, determinando que seja realizada a correção integral de todas as provas, obedecendo os critérios particulares de cada medida processual cabível.
Ante o exposto, requeremos que, Vossa Excelência, se digne a determinar:
1. Correção integral de todas as peças processuais de Direito Tributário, tendo em vista o Princípio da Isonomia, estendendo-se, aos examinandos desta área, os mesmos direitos e critérios de avaliação das provas prático-profissionais de Direito do Trabalho e de Direito Civil, e procedendo-se à uma correção equânime, vez que algumas peças processuais foram corrigidas em detrimento de outras;
2. Seja o espelho de correção revisado para fins de estar adequado às peculiaridades de cada medida processual adotada pelos examinados;
3. Seja o gabarito retificado, anulando o quesito n° 2.4.1 em razão da inaplicabilidade da matéria ao problema proposto, respeitando-se desta forma o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, e atribuindo pontuação de 0,80 a todos os examinandos.
Termos em que pedimos e esperamos deferimento.
Brasília, 25 de novembro de 2009.
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