Escolhi a maravilhosa voz e interpretação de Beth Gibbons para dedicar ao Angélico Vieira e a todos os que são ceifados pelo imprevisto, nas várias formas de que este se reveste. A vida é-nos oferecida, mas nada, absolutamente nada, nos é garantido, apesar de tudo tomarmos como certo e adquirido. Somos humanos, pois. Se conseguirmos fazê-lo, celebremos o presente, que o passado não mora cá e o futuro é projecção e sonho. A vida, essa, é agora.
Vi Contraluz há umas semanas e deixou-me impressão profunda a explorar.
O vídeo de apresentação com o António Feio comove-me de cada vez que o vejo.
É, creio, a terceira vez que o deixo aqui; a primeira foi quando soube que o filme ia sair em breve e tocou-me bastante a mensagem do António Feio; a segunda foi depois de ele voar para o céu e a terceira é hoje porque sim.
Quero rever este filme. E ter sempre esta mensagem presente no coração.
Não lhe cheguei a entregar os pastéis de nata que contava levar-lhe amanhã. Hoje partiu para esse lugar secreto, onde voam borboletas brancas e se reencontram os amigos e os amores de sempre. Recordo com ternura as nossas conversas, a sua inteligência, cultura, fina ironia e grande lucidez. Sabe uma coisa? Quando a imagino aí no céu vejo-a com um grande sorriso nos lábios a dançar a sua canção :)
Charles Trenet - La mer
Da sua sobrinha emprestada, como tão, tão carinhosamente me chamava! Paula
Podemos deixar que as palavras nos toquem. Podemos pegar nas palavras, senti-las nas mãos, agarrá-las sem as prender, criar laços, desapertar os nós na garganta e os outros. A vida é breve. A vida é para ser vivida com paixão, dizias-me no outro dia, João. A Rute alegremente afirmava, sem saber que ia morrer estupidamente aos 21 anos, numa anestesia que correu mal: Se a vida for bem vivida uma vez basta. Não me esqueci, peço aos céus que não me deixe esquecer.
"Se é coisa que eu costumo dizer é: aproveitem a vida e ajudem-se uns aos outros. Apreciem cada momento, agradeçam, e não deixem nada por dizer, nada por fazer."
Merda de vida. Merda de vida. Merda de doença rasteira, rastejante, que se infiltra nas entranhas e vira a vida do avesso até que de repente a alma voa e, sem base física que a sustente, o corpo parte com ela.
Estes casos acontecem todos os dias com pessoas que não conhecemos mas quando conhecemos alguém de perto ou se se trata de alguém mediático por quem sentimos carinho com se fosse lá de casa, ou quando é alguém perto, demasiado perto, dói a notícia como um murro no estômago e tornamo-nos cientes da (também nossa) mortalidade e finitude.
Além da coragem com que o António Feio lutou ao fim - e isso faz dele um vencedor a toda a linha - ressalto a dimensão humana e a simpatia. E o mau génio (o nome correcto é auto-respeito) quando alguém manifestava não respeitar o seu trabalho. Lembro-me de uma das vezes em que assisti a uma das peças protagonizadas por ele e pelo velho companheiro de lutas e palcos Zé Pedro Gomes na qual, perante uma assistência repleta e intranquila devido a vários acessos de tosse de um espectador - coitado, podia acontecer a qualquer um - e vendo que o dito insistia em permanecer na sala, não tendo a iniciativa de se retirar o tempo suficiente até a coisa acalmar - o António Feio, às tantas diz, de cima do palco e fitando a plateia de repente muda e queda, alto e pára o baile que assim não há condições para trabalhar e o espectáculo termina já aqui. E sai de rompante palco fora em direcção aos bastidores. Zé Pedro segue-o e após breves ou longos minutos o António Feio regressa ao palco (a plateia continuava muda e queda) continua a peça sem mais delongas, no exacto ponto onde a interrompeu. Profissional. Os outros actores continuaram também com enorme profissionalismo, como se nada tivesse acontecido e certo é também que a tossezinha irritante não mais se ouviu.
Este texto é de lamento, de louvor e de recordações pessoais também. O meus dois avós (avô e avô) foram levados, à distância de mais de 40 anos, por doenças más e uma das minhas avós teve cancro da mama aos 80 anos sobrevivendo ao bicho, perdeu uma parte física de si mas sobreviveu sem sequelas ou inquietações demasiadas. E eu continuo a sentir-lhe a falta e a presença passados 10 anos. Morrer é só não ser visto, como diz o livro e o poema.
É também paradoxalmente de esperança este arrazoado. Várias pessoas que conheço lutaram ou lutam com sucesso contra a doença. E vão conseguir vencer. Sei felizmente de vários casos que tiveram remissão e mesmo cura mas ao António Feio não coube essa sorte, esse destino. Há histórias para todas as esperanças.
Ao António Feio: Que repouse em paz e em luz, continuando a distribuir, lá onde estiver, sorrisos contagiantes, esperança divina e essa grandiosa humilde e rara humanidade.
Sim, é possível. Magnífico, admirável e exemplar. Notável o poder individual quando se quer muito, se movem montanhas e se vai até ao fim. Comovente. Obrigada.
Se ontem acordei com o rosto inchado e com dores e fui a correr ao dentista com cara de poucos amigos (afinal tinha ido lá na sexta para terminar o processo de desvitalização de um dente), hoje acordei com um inchaço, sei lá, 8 vezes pior. Quando acordei a meio da noite e sem dores, pensei: ah, afinal os medicamentos começaram a fazer efeito - afinal, nada menos que 4 tipos diferentes de comprimidos, incluindo 2 Clonix de cada vez em sos. Durou pouco o pensamento quando me defrontei com uma pessoa estranha no espelho. Não, aquela não era eu. O meu rosto parecia ter sido alvo de um combate de boxe ou de uma cirurgia plástica: inchado, deformado, parecia tudo fora do sítio, enfim era um ser alienígena que me olhava do lado de lá. E pensei, eu que sou de tão femininas vaidades, o quanto certos sinais exteriores de bem estar e feminilidade nos fazem falta quando se ausentam, mesmo que momentaneamente. E tem também a ver com a questão da identidade. Pessoal e feminina. Não saí de casa. Liguei ao médico, perguntei se era normal, disse-me que sim. Agora é esperar. E eu, que tinha a agenda da semana cheia de planos e projectos, tive que alterar tudo. Pausa forçada. E tanto comprimido faz-me sentir um bocado zombie. Como não tenho agora dores (tomei há pouco 2 Clonix) e tenho evitado o espelho, às vezes penso que está tudo normal. Mas basta olhar para ele para perspectivar as coisas: neste momento a minha identidade está meio perdida - o suficiente para me inibir de sair à rua.
Curiosamente li hoje uma reportagem do Expresso sobre o Plano de Protecção de Testemunhas onde se citava o caso de uma mulher que, vítima de várias ameaças de morte por ter presenciado um crime violento, decidiu trocar de rosto no cirurgião plástico. Por muito bonita que pudesse ter ficado (e o objectivo não era esse, era mesmo mudar de identidade) imagino, aliás, não imagino, o antes e o depois daquela mulher. Ganhou a liberdade à custa de uma parte de si. Entre o medo e a coragem optou pela vida, esqueceu as identidades físícas, imaginou que daqui a muitos anos somos todos pó conseguindo assim abstrair-se da questão da aparência (e note-se que ficou mais atraente depois da cirurgia, Biscaia Fraga dixit). Valente, é assim que a imagino.
"Tem sido assim a nossa relação com ela: aprisionámos o monstro. Amália tornou-se figura sem corpo, à mercê do imaginário colectivo. A exposição "Amália, Coração Independente" pode ser o início de uma nova relação."
Entendo, identifico-me com a forma como a jornalista do Público esgrimiu as palavras seguindo a dança do pensamento. Há pessoas que escrevem com tanta alma e facilidade que parece que as palavras se descolam do texto e ganham asas, voando em nossa direcção.
Comecei a gostar verdadeiramente da Amália aos 20 anos, depois de sentir a energia e paixão da entrega num concerto a que fui no Coliseu de Lisboa. Os meus pais e as filhas. No início torci o nariz à sugestão de irmos ao concerto familiar, no fim estava rendida sem regresso. Corria o ano de 1987 e eu não sabia nada da vida. Hoje sei menos mas sou tão feliz nesta calma certeza...
de férias começa a surgir, iniciado que é hoje o primeiro dia de uns quantos de fuga ao quotidiano. Ano intenso, duro, rico, revelador, feito de recuos e avanços, mas mesmo os recuos não serão uma espécie muito particular de desenvolvimento e teste à nossa capacidade de lutar e renascer? Mais que o início de um novo ano, o início de umas férias ansiadas (meio programadas meio vamos lá ver se é hoje que decido o destino) é para mim desejavelmente um período de liberdade e reencontro comigo.
Ao sabor de mim mesma. Livros e revistas dispersos pela casa começam a empilhar-se em cima da mesa da sala desejosos como eu de sair por uns dias. O saco de praia ao pé da porta, a mala grande de viagem aberta para se deixar inundar. O corte com o quotidiano quero-o suave. Nos primeiros dias organizo a casa, vou ao ginásio sem hora marcada, ao cinema quando sentir vontade, atiro para a mala umas calças, uma blusa mais, brincos, o verniz.
Depois uns dias fora de casa. Planos afinal. Apesar da tal vontade de liberdade há certamente na minha cabeça um plano pré-estabelecido, quanto mais não o plano da ausência de planos. A vida avança todos os dias, a cada minuto. E a vida são momentos, a vida é este dia, esta hora, este desejo, esta consciência de o saborear.
........................ ....... ...........................DedicadDedicado à L. .................................. ..que partiu para o céu no esplendor da beleza.
As respostas de Mário Soares e D. Manuel Clemente no seminário "Hospital, Lugar de Esperança".
À pergunta "quando morrer para onde vou?", o Bispo do Porto, Manuel Clemente, responde com simplicidade: "eu vou para onde estou". Já o antigo presidente da República, Mário Soares, opta por afirmar convictamente: "eu vou de certeza para a terra".
Este foi apenas um dos pontos que permitiu cruzar os olhares de um crente e de um agnóstico sobre questões da esperança e da fé, da vida e da morte, no seminário "Hospital, Lugar de Esperança", organizado pela coordenação nacional das capelanias, no Hospital de S. João, no Porto.
D. Manuel Clemente explicou, depois, a sua resposta: "Quando morrer vou para onde estou, de outra maneira, porque o céu está na terra e a terra está no céu".
Numa intervenção marcada pela sua perspectiva de crente, o Bispo do Porto sublinhou que "a pessoa que tem Jesus como referência absoluta, tem fé" e "a esperança é a activação da fé".
Mário Soares preferiu recorrer à língua francesa, que distingue "espoir", enquanto esperança na condição humana, e "esperance", quando se refere à ressurreição, para garantir: "Sou um homem de esperança. Sempre fui".
"Tenho esperança no progresso e na espécie humana e nesta coisa extraordinária que temos que é a capacidade de separar o bem do mal, de termos consciência. Não é preciso ser religioso para isso", sublinhou.
Apresentando-se como "o agnóstico de serviço", o antigo presidente da República sublinhou, ainda, a importância do apoio espiritual nos hospitais, dizendo que a medicina é, talvez, o sector onde tem havido mais progressos e "já quase venceu a dor, mas é preciso acabar, também, com a dor espiritual e com a angústia".
Aos 84 anos, confessa não pensar na morte. "A morte é um fenómeno tão natural como a vida, que temos de aceitar como aceitamos a vida", diz. E acrescenta: "não me aflige que para lá da vida seja o nada como não me aflige o que se passou quando eu estava, como dizia o meu pai, na ordem dos possíveis".
Confessando uma especial simpatia pelo Papa Paulo VI, este cidadão "laico, republicano e socialista" cita as três virtudes teologais "fé, esperança e caridade", para dizer que não tem fé, mas tem "esperança terrestre" e, como S. Paulo, prefere "o amor pelo próximo à caridade".
No entanto, sublinha, isto pode "ser completado com a trindade laica "da liberdade, igualdade e fraternidade".