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sexta-feira, 29 de julho de 2011

fim de caso


Abandonei a musa manca
Atolada no meu palavrório chocho
Pobre dama imortal!

Cortamos relações

Vagamos então
Fingindo não nos ver nesse charco
Ignoramos as nuvens
Mesmo quando chovem corações

Tortos
Acéfalos
Natimortos

Minha deusa manca afunda
Cria oratórios na lama
Brinca de Ofélia
Distraída e louca
Canta versos indecentes
Todos bárbaros!

Cortamos relações!

Não nos beijamos mais
Somos agora torturadas charlatãs
Comportadas santas
Mãos sobre o colo
Cruzamos as pernas bentas
Em mudas zangas

quarta-feira, 29 de junho de 2011

O escafandro e a borboleta


era bem tarde quando bateu na escotilha
o mar era profundo e vasto

eu vestia meu traje e fugia
hermeticamente refugiado
nas lembranças suaves

pessoas ,sentimentos,coisas,olhares
distantes e extintos
perdido nesse mar

meus olhos de escafandrista vagueiam
enquanto as asas dela se debatem
trazendo sopros ávaros

desejo de tornar a ver ou possuir
o passado que não volta

borboleteava na janela
hermética
mas não existe mais

domingo, 29 de maio de 2011

Enuma elish...


havia a raiva

feito serpente

bicho ruim

pelos cantos

havia poder

deslindando o caos

dissecando tudo

havia o desejo

certezas vagas

chuva miúda

minha boca na sua

havia tua beleza errática

minhas culpas temáticas

teus sorrisos asmáticos

havia mil beijos esquecidos de se dar

eles beiravam o abismo

e voejam ao teu redor

não vê?

havia você

na tal caixa

que Pandora abriu

sexta-feira, 29 de abril de 2011

descaminhos




teus olhos hábeis
traçaram descaminhos

nas vidraças
nas janelas

não evitei
não discuti

chegaram assim
sem aviso

raios alaranjados
cobriam o céu

teu sorriso me olhava
num consentimento velado

felicidade breve
apressada e distraída

estilhaçando ocasos
bailando em nossas línguas



domingo, 29 de agosto de 2010

¼ de confusão e uma dose de incerteza


.



Não te contei...
Guardo minha escuridão
Com cuidado e medo
Num remoto escaninho,

Que fica à direita dos desejos.
Desejos e medos que escondo
Na cerração que desliza
Em espesso nevoeiro.

Sei que não contei
Não dessa vez..

Sonhei com seu sorriso e sorri.
Visão imprevista e tão rara
Seu sorriso flutuando
Entre céticos desejos...

Acredito em tantas coisas
Algumas disparatadas e loucas
Costumo duvidar de você

Recuar mil passos atrás
Desconfiada e descrente
Mas, quando sorri.
Tudo muda
E até em você acredito.
E nesse seu sorriso
Que desmente todo o resto.

Brinco com sua sombra
Aquela que prendi numa gaveta

E sem que perceba
Viscosa e demoradamente

Desejos,
Terrores,
Escuridão e medo.
Escapam por entre os esconsos

Assustada
Escondo-me no sorriso



.

terça-feira, 29 de junho de 2010

SONHOS



Relendo “Os Livros da Magia” a novela em quadrinhos de Neil Gaiman, acabou esbarrando na definição apropriada para o momento que vivia. Na cena em questão quem fala é Titânia, a bela e perigosa Rainha das Fadas tentando explicar o inexplicável:

“Há apenas dois mundos — o seu mundo, que é o mundo real, e outros mundos, a fantasia. (...). O importante, é que eles estão lá. Esses mundos proporcionam uma alternativa. Proporcionam uma fuga. Proporcionam uma ameaça. Proporcionam sonhos e força. Proporcionam refúgio e dor (...). Eles não existem, então são tudo o que importa. Você entende?"

Titânia talvez entendesse a situação melhor que ela. Há alguns dias sonhava sempre com o mesmo homem, a situação inicial e o final eram sempre as mesmas, ela era um arquivo; um programa que existia para agradar aquele homem. Sempre ele.
Passava o dia inquieta sabendo que o sonho viria e o esperava, ansiosamente. A noite chegava deitava vestida apenas de perfume, desejo, cansaço e espera. O cansaço vencia e logo ela dormia. O sonho vinha.
Ela sorria na tela para ele, gostava do seu olhar indeciso e desejoso. Seus olhos eram grandes, tristes e magnéticos. Depois de alguns instantes, em que mexia nervosamente com o mouse, ele afinal clicava e ela saltava da tela.
Não era mais ela, era dele, sua amiga, sua escrava, sua amante, atendia todos os seus desejos. A cada sonho, ela ia cada vez mais rápida, caindo numa espiral vertiginosa, caindo em seus braços carinhosos e ávidos.
A voz dele era parte do encanto, a língua em sua pele a dominava, seus desejos a viciavam como uma droga potente.
— Oi vício.
Ele disse em seu ouvido, sem tocar. Não era preciso tocar, sua presença era o bastante e ela esperou por um longo tempo, ou pelo que pareceu um longo tempo, pelo seu pedido.
Ele nada disse apenas beijou. A língua, dando voltas em torno da dela, numa dança suave e interminável. Enquanto beijava, seus dedos apertavam meus seios, deslizavam pelas costas, afundavam-se no sexo.
Carinhosamente ele a conduziu até a cama, ela já estava liquefeita e pronta. O corpo inteiro aberto para ele, e ele entrou fundo e forte.
— Você me quer também? Ou só quer me agradar?
Ele sussurrava perto da sua orelha, ela não respondeu, sentia todo o peso dele comprimindo seu corpo; o vai e vem suave dentro dela, seu sexo pulsando como se o mordesse. Ele gemeu e esqueceu a pergunta.
— Fica comigo a noite toda?
Ela obedeceu. Era um sonho tão real. Ficou, ou pensou ter ficado.
— Isso. Agora põe os saltos altos e fica ali de costas pra mim.
Obedeceu.
Depois do silencioso abraço, ele beija seus seios, beija sua boca, morde seu pescoço e diz de modo firme em seu ouvido.
— Vai embora, logo não vou estar sozinho.
Ela se levanta. Começa a desaparecer.
— Espera.
Ela volta. Espera.
— Eu te chamo e você volta?
— Volto.
Ele a beija de novo, os olhos parecem tristes, mas o beijo é bom. Ela desliza os dedos pela testa dele, beija a boca, que tem um gosto cinzento e desaparece. Acorda sempre inquieta a espera pelo próximo sonho... Pela próxima vez em que ele abrirá o arquivo...

sábado, 29 de maio de 2010

TORPOR


♂♀
Acordei. Meus olhos aos poucos se habituando ao lusco-fusco daquele fim de tarde, fim de domingo, fim de um sono de dois dias. Das janelas do quarto de paredes nuas eu podia ver a chuva caindo. Faz calor, apesar da chuva, um calor sufocante. Ouço o som da televisão ligada no outro apartamento, algumas vozes abafadas e o tilintar da chuva na cobertura da garagem. O telefone toca e eu tateio tonta em busca dele. Atendo. Não morri afinal.

– Alô.
Minha voz me parece surpreendentemente firme.

– Oi. Esqueceu?

– De que?

Pergunto enquanto levanto meio trôpega e nua.

– De mim.

– Parece que sim.

– Vem me ver?

– Pode ser.

– Quero te ver.

– Sei que quer. Apareço depois.

Desligo sem esperar resposta. Lá fora tudo me parece calmo e ameno como a paisagem de um filme ou de uma fotografia antiga. A chuva parece fresca. Nua e tonta, caminho pelo apartamento abafado e mortiço. O calor torna meus movimentos ainda mais pesados. O telefone toca de novo. Deixo tocar.
Olho para a cartela de comprimidos vazia, para a meia garrafa de Martini e penso que devia ter calculado melhor. Não estou mal e também não estou bem. Meu sorriso refletido no espelho parece quase convincente, pareço calma e tranqüila, nada em mim diz: “tome conta de mim” ao contrário pareço pronta para cuidar de tudo e todos.
O telefone toca e eu ignoro. Um banho rápido e me visto rapidamente também. Camiseta branca, minissaia, tênis, algum dinheiro no bolso e nada mais.
A cidade parece vazia e estranha, quase tão vazia e estranha quanto eu. Caminho sem pressa através da chuva fina, quase invisível. Preciso andar para afastar o torpor que a mistura de Martini e comprimidos tinham deixado. Era quase engraçado, não morri, mas dormi por dois dias e ninguém notou, nem ele.
Toco a campainha. Ele abre a porta sorrindo e sem falar me beija. Não penso,não falo,deixo-me beijar, deixo-me levar. Não morri. Ele nem percebe meu torpor, meu vazio. Percebe?


Rosa Cardoso

♂♀

segunda-feira, 29 de março de 2010

aura rara



.

quer que eu defina
agora, nessa hora
as cores dessa aura rara

que afine a sintonia
para além da tara

que defina alvos
compactue,repare
conserte, restitua

não sei

em algum lugar
alguém talvez defina
alguém ame melhor

e você continua por aí
dançando pelos multiversos

caçando rima
encantado,
raro e perplexo



(rosa cardoso)

Imagem :Angelica_Rivera_Aura_oleotela_50_x_40_2005 

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

efígie



cansado de mundo
guerras e presságios
vem e conta sonhos
deixa essa efígie
que pressinto
nas tardes perdidas
em que divagas

ouço tua voz
vem do mar
num sussurro

não explico
só te escuto
num segundo

não discuto
miro teus olhos
incendiados de promessa
vazia e dolente
plantada no azulejo
dessas viagens viúvas

estranhas remessas
desejos e desvarios
que o vento sopra

beijo,teu cenho
de súbito, tristonho,
com temor, prevejo
com esse ato
que é hora de ir

domingo, 29 de novembro de 2009

QUINTA

Abro os olhos devagar, tentando não me irritar com o toque do celular. Lizt em versão de bolso me avisa quem está ligando. Demoro um pouco para atender, buscando alguma saída dentro daquela loucura. Não há saída. Atendo enfim.

- Alô.
- Por que demorou a atender? Tá com outro? Pondero antes de responder: -Tava dormindo... São duas da manhã!
- Hoje é quinta! Esqueceu? Você me deve duas horas!

- Não... não esqueci. Só é cedo demais... Posso dormir?

- Não! 

Ser só dele às quintas, era esse o acordo. Saio de casa e entro no carro que me espera.

O motorista mal olha quando abre a porta e me entrega uma caixa.

- Está atrasada.
Era verdade, tecnicamente a quinta começou à 00h .
- Perdão.
Sinto um leve arrepio me alertando. Presságios confusos rondam minha cabeça. Tenho a sensação de estar avançando para o desastre. O motorista volta-se para mim e diz numa voz neutra:

- Tira a roupa e abra a caixa.

Obedeço em parte, tiro minhas roupas enquanto o carro avança pela madrugada. Abro a caixa devagar. Um par de algemas e um colar com o nome dele gravado, ponho o colar. Não consigo colocar as algemas.

Quando o carro para são quase 3hs, o motorista abre a porta eu desço. Usando apenas saltos altos, o colar e o que me resta de rebeldia. Ele me espera na escadaria. Passo a ele as algemas. Ele sorri e segura firmemente meus braços. Desliza pelas minhas costas, num caminho sinuoso, suas mãos grandes e quentes. Ele me agarra pelos cabelos, os afasta, beija e morde meu pescoço. Segura e acaricia meus seios como quem toma posse.

O corpo ainda vestido do homem roçava em minha pele nua. Ouvi minha respiração entrecortada e tentei me controlar. Os braços doíam levemente. Ele me empurrou para a casa sem me libertar do abraço. A escada range quando afinal subimos os degraus. Eu arfo e começo a tremer levemente. Já conhecia o cenário. Piso de madeira encerada, pé direito alto nenhum móvel além da enorme cama onde ele me jogou sem cuidado. Ele tira as próprias roupas, devagar e cuidadosamente, enquanto diz bem baixinho quase docemente:

- Eu sei do que você precisa!

Beija suavemente minha boca.

- Vou cuidar de você. Você é minha e sabe disso... -a cama range quando ele se move. - Huhum... Sua por todo o dia. - Outro rangido quando ele me vira de bruços, sinto o lençol de seda sob meu rosto e uma liberdade estranha. Nada ali estava mais sob meu controle. Os pensamentos coerentes param, esqueço a multidão de vultos sem rosto que nos observam e apenas obedeço. Ele ri.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

um grande abraço



Toda estória, seja ela grande ou pequena, insignificante ou importante, todas as estórias, todas mesmo tem marcadores, sinais que atribuímos e que nos levam diretamente para dentro de uma lembrança. É um processo básico e tolo. Se você algum dia fez amor num vagão dormitório de um trem é provável que fique estranhamente emocionado ao sentir o balanço do trem. O trem, o balanço, os sons que o envolvem são os marcadores, os sinais, os símbolos que te arremessam dentro daquela estória. Eu por exemplo tenho uma relação boa com o chocolate e com cheiro de goiabas. Todos nós temos muitas estórias e muitos marcadores ou sinais. Nessa estória o som dos sinos é o marcador. Não importa se grandes ou pequenos. Sinos. São eles o selo, o convite e a senha para essa estória. Tudo começou numa noite que minha personagem há muito tempo esqueceu. Ela a escondeu sob muitas camadas de estórias mais urgentes. A mulher dessa estória é uma dessas pessoas distraídas e práticas que mal notam a magia que existe á sua volta. Se no café da manhã uma fada surgir e se sentar á mesa exigindo atenção, a mulher conversará com a fada amistosamente e depois vai se despedir apresada e partir para mais um dia de trabalho.
Na noite em que nossa estória começa a mulher estava triste, desesperadamente triste. Um grande abraço era tudo com que ela sonhava naquela noite. Sentia uma tristeza imensa e indefinida, era como se todas as culpas do mundo fossem suas. Um desespero sem nome. Andou pela casa, ligou o computador,conversou,riu até. Mas a sensação permanecia ali, latente e dolorida. Desligou tudo, desligou-se de tudo. Decidiu-se por um longo banho, os pensamentos vagos e confusos. A água caindo fazia um barulho que preenchia todo o espaço do pequeno banheiro, ecoando pela casa vazia e amplificando a tristeza, logo ela estava chorando. Longos soluços convulsionando o corpo frágil. As lágrimas misturando-se à água morna do chuveiro. Mas à medida que se acalmavam os soluços mais sombrios se tornavam seus pensamentos e maior era o nevoeiro de tristeza que a envolvia. Teria jurado que ouvia música, como de fossem sinos... Ou talvez uma risada. Ela balançou a cabeça negativamente e permitiu-se um sorriso. “É um rádio ou uma televisão”– pensou – Os sons deviam vir de um dos vizinhos e, por qualquer razão, ela podia escutar. O curioso era que parecia vir de sua própria casa. O vento fazia esses truques. Enrolou-se na toalha e enquanto escovava os cabelos mal via a si mesma, pensava nas coisas que teria de fazer no dia seguinte, contas, trabalho, almoço com fornecedores, comprar um presente para um amigo, sorrir muito para que ninguém percebesse que ela estava desmoronando, sorrir sempre, especialmente quando a sua família voltasse da viagem.
Saiu para o corredor e ao entrar no quarto o mesmo vento encheu o quarto e fez os papéis sobre a pequena escrivaninha voarem como borboletas enlouquecidas. Ela pegou uma das folhas que caiu perto da cama e leu o texto rabiscado por ela mesma alguns dias antes. "Não dê as costas a possíveis futuros antes de ter certeza de que não tem nada a aprender com eles. Você está sempre livre para mudar de idéia e escolher um futuro, ou um passado diferente. Richard Bach” Ela olhou para a frase e devagar, quase religiosamente, dobrou a folha de papel, não recolheu os outros papéis. Fechou os olhos e quase em perceber cobriu as orelhas para não ouvir o riso que a essa altura já sabia, tinha certeza só seus ouvidos ou sua mente captavam. Apagou a luz do quarto e da sua janela viu as luzes dos vizinhos se acenderem brilhando sob o céu estrelado. Deixou a toalha cair e jogou-se na cama, os olhos decifrando sombras, aceitou os risos e a música dos sinos,se era só isso que podiam fazer não se incomodaria,eram os sons perdidos de alguma lembrança eles não significavam nada. Ao pensar isso a risada cessou, mas os sinos soavam ainda. Aos poucos sem perceber ela adormeceu encolhida como um bebê, os braços envolvendo o travesseiro.
Como se escolhe um passado diferente? Você deve estar pensando, mas se você pudesse viajar ao passado e convencer seu Eu mais jovem que aquela determinada ação não lhe faria nenhum bem?Você iria?E se passado e presente não fossem mais que uma ilusão? Se o próprio tempo fosse uma ilusão?Minha personagem estava para encontrar alguém que a conhecia melhor do que ela mesma, alguém que a visitava em sonhos, com quem tinha grandes conversas, um grande amigo, normalmente ela não ouvia seu riso desperta, mas aquele era um dia atípico e como disse antes ela precisava de um abraço. A magia não é uma prática tão obscura e complicada como a maioria das pessoas pensa. A magia é baseada na ciência das vibrações e das suas diversas qualidades. O mago branco comunica aos objetos e aos seres vibrações harmoniosas que favorecem o melhor para todos. Nós enviamos vibrações o tempo todo. Mesmo que não seja consciente disso a mulher triste e nua naquele quarto enviou seu chamado, seu pedido de socorro.Seu amigo estava chegando, pelo ar, sob as estrelas, sobre uma estrada, ele voava. Invisível para você e eu, como o vento, ele voava. Planava sobre nuvens tão macias quanto algodão, parava em árvores, distraía-se com outros voadores e ria dos medos da mulher adormecida. Mas, em seu quarto ela dormia profundamente um sono ainda sem sonhos, trêmula e apreensiva, em sua cama, enquanto uma lua brilhante e cheia erguia-se sobre a cidade, fazendo com que a paisagem se tornasse um mar de prata.Ela o pressentiu e em seu sono abriu os olhos claros e doces, espreguiçando-se languidamente. Sentado à beira da cama, um vulto de o rosto indistinto parecia esperar por ela. Uma voz grave e suave disse:– A senhora queria falar comigo?
– Eu te chamei? Não percebi.– O dia inteiro. Vim aqui te ver e você não parecia nada bem. – Ela sentou-se na cama, abraçou os joelhos e apoiou o queixo sobre um deles. Ele aproximou-se e ajoelhou-se diante dela – Não me ouvia por mais que te chamasse, porque estava como sempre fechada a tudo que não fosse real, mesmo sonhando acordada, você me diverte – respondeu ele por fim – Conversava com você mesma, me excluiu de sua vida desperta – adicionou com um sorriso enquanto acariciava distraidamente a perna que ela ainda abraçava. – Por que está tão nervosa? Ela suspirou sentindo-se mais tranqüila olhando para aquele par de olhos cintilantes entre as sombras. – Não sei... Tudo parece errado, mesmo estando certo. A lua brilha no céu. A vida segue seu rumo. Trabalho, casa, trabalho, família, mas eu não me sinto bem, falta alguma coisa. Talvez você!Ele sorriu, ela sentou-se a beira da cama. Os olhos imensamente tristes procurando os dele. – Não estava procurando por você – ele disse - Não quero em minha vida o que quer me oferecer – Você é prática demais, realista demais e teme o que eu tenho o que eu sou. Volte para seu mundo e não me invoque de novo. O meu mundo não é para você.
– Só quero tempo e um pouco de paz. – ela rebatia em pensamento – Preciso de você. O homem se aproximou da cama e envolvendo a mulher num abraço apertado, deixou-se ficar ali de modo que ela podia beijar sua cabeça enquanto ele se enterrava entre seus seios. – Se encontrar o que busca aqui, poderá ficar preso a mim... Para sempre. Está disposta a correr o risco?Quer abrir mão da vida que escolheu? Mudar presente, passado e futuro. Não te quero pela metade. Você queria um abraço, meu abraço... Eu vim e sempre que venho me perco, você me desconcerta....Ela suspirou enquanto o fazia erguer a cabeça e olhava em seus olhos –Talvez seja hora de me arriscar – O que aconteceria se eu lhe beijasse agora, você me esqueceria ao acordar? – perguntava sabendo a resposta. Assim, sem deixar de olhá-la nos olhos, ergueu a mão até o rosto dela e a beijou. Ela estava tão entregue que era tentador aproveitar-se dela. Pensou em acariciar o pescoço com um dedo. Ela não poderia fazer nada se ele resolvesse deslizar as mãos por sua pele. Estava sob controle, entregue, suave, cálida e frágil. Contentou-se com mais um beijo. E com aquele abraço interminável, ela gemia para lhe dar boas vindas, era sua ali naquele espaço ela era só dele. Sua boca ávida percorreu o pescoço, os seios, o tempo não existia. Adoraria leva-la com ele mostrar-lhe o que havia além daquela vida que ela escolheu.
– Dorme e me esquece. – ele disse ao mesmo tempo em que lhe beijava os olhos, ela afastou-se relutante, mas obedeceu. Ele meteu as mãos nos bolsos para resistir ao desejo de tocá-la e suspirou.– Inferno! – se lamentou – Não quero o que me oferece. Não a quero em minha vida. Ele ficou parado à porta do quarto, olhando para ela com uma expressão de tanta raiva que a mulher se encolheu na cama. Estava perdendo tempo demais pensando nela. E isso o irritava mais do que gostaria de admitir. Ela dormia e ele aproximou-se, as mãos desenhando o traçado do corpo dela. O cheiro dela entranhando-se em suas memórias. Ainda que se forçasse a se afastar da mulher, aqueles olhos tristes, aquela doçura o prendiam. Ele a conhecia há tanto tempo. Pena que ela não lembrasse. Decidiu que tinha direito a algum capricho, assim, sem deixar de olhá-la, inclinou a cabeça e a beijou ela não precisava lembrar, ele a queria e a teria de novo, voltaria mesmo que não o chamasse porque precisava dela. Ela gemia em seu sono. Já não o percebia mais. O vento soprou e ele beijou-lhe a testa. – Durma – Seu modo de se mover suave e feminino bastava para deixá-lo louco. Cada vez que ela respirava com os lábios entreabertos parecia um convite e provavelmente era – Sonhe comigo, não vou voltar se me chamar – acrescentou. Mas o vento invadiu o quarto e fez os papéis revoarem novamente, ele viu a folha que jazia dobrada ao lado da mulher adormecida. Desdobrou-a com cuidado e leu o texto escrito em letra apressada. "Não dê as costas a possíveis futuros antes de ter certeza de que não tem nada a aprender com eles. Você está sempre livre para mudar de idéia e escolher um futuro, ou um passado diferente. Richard Bach" O visitante sorriu e desapareceu na noite enluarada, com a certeza de que voltaria. A mulher sorria em seu sono.

domingo, 30 de agosto de 2009

A noiva morta



Atravessou a sala ciente dos olhares, indiferente aos comentários murmurados. Viu alguém rindo e pensou que era realmente engraçado. A idéia do que ele queria fazer rondando sua cabeça.
“Ela era tão jovem... Vai direto pro céu...”
"Eles tinham um namoro-padrão, padrão 1911 e iam casar em uma semana. Mãos dadas, beijos castos. "
“Coisa sem sentido...”
O burburinho das pessoas atravessava seu torpor e o deixava vagamente irritado. Iria pro inferno sem escalas só pelas coisas que aconteceram ontem. O bispo lhe acena um chamado que ele finge não ver.
“É hoje de manhã, parece que foi um aneurisma...”
Alguém o abraça e ele se vê refletido no espelho grande da sala. Parece tão frio que se assusta. O primeiro abraço foi algum tipo de senha e uma multidão de braços o abraça. Vai se livrando como pode e continua avançando até a porta do quarto, que permanece fechada. Tanta gente! Como souberam? Foi tudo tão inesperado. A mãe aperta suas bochechas numa tentativa esquisita de consolá-lo. A porta do quarto se abre e ele a vê imóvel sobre a cama.
“Na noite passada treze mortos foram encontrados na localidade de... Vítimas de mais um massacre comandado pelo... Desta vez não houve sobreviventes... A receita é simples tempere o frango com... questiona a eficiência das autoridades, totalmente incapazes de impedir esse crime hediondo... E atualmente se encontram ocupados com assuntos ultra-secretos de suma importância, segundo o novo...”
A sogra mudava de canal sem realmente ouvir ou ver coisa alguma, embalada pelas imagens, acalentada pelas vozes. Em algum lugar do quarto o celular tocava. Não pretendia atender. Pouco depois o outro tocou até cair na secretária eletrônica. Ouviu a voz da morta dizendo alegremente: “é óbvio que não estou ou não quero te atender, deixa recado depois do sinal...”
Era incrível o luar daquela noite. A lua estava cheia, seria melhor que não estivesse ela parecia dormir sob aquela luz. Uma lua imensa despejava enganos sobre idiotas apaixonados, idiotas como ele.
Pediu para ficar só com a noiva morta e foi atendido: “deixem o rapaz se despedir” Ouviu o bispo sussurrar. Fechou a porta.
Não teria problemas com o som, tudo estava sendo abafado pelo tagarelar das pessoas e pela porta de madeira grossa, que ele mesmo tinha comprado na demolição de um casarão. Ela tinha adorado o presente.
As luzes estavam sendo acesas, mas preferiu ficar com a lua e com os seus enganos. Abriu a blusa da moça expondo os seios brancos que nunca mais teria. Ela parecia dormir, ele retirava o resto das roupas e as dobrava cuidadosamente. Pensava vagamente na grande sacanagem que o destino tinha feito com ele enquanto beijava a pele fria e deslizava as mãos pelas ancas da moça.
imagem : NudeSleeping_RichardFeynman

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Quaresma

na quadragésima hora
as badaladas avisaram
que chegavas
cobri teus olhos

panos arroxeados
sombras e flores
te escondiam da ressurreição
em que tateavas

dedos longos que escapavam
deslindando pele e sonho
tuas asas de anjo torto
a me adivinhar!

sexta-feira, 29 de maio de 2009

macondo


“Entretanto, antes de chegar ao verso final já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilonia acabasse de decifrar os pergaminhos e que tudo o que estava escrito neles era irrepetível desde sempre e por todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra. " 

O quarto estava frio, e pela janela, vi que a chuva continuava a cair. Chovia sem parar e eu me sentia um habitante de Macondo. Podia jurar que os lençóis ao meu redor estavam mofando. Levantei e escancarei a janela, deixando que o vento úmido lavasse os cheiros, as memórias e os desejos. Devo ter ficado muito tempo ali pois quando me voltei ele estava lá me olhando com um ar preocupado e ao mesmo tempo irritado.

Fechei a janela não tanto por ele, mais pelos livros. Ele pegou um lençol e me envolveu num abraço que fez morrer todas as frases de adeus que eu tinha ensaiado. Era um daqueles gestos de carinho que faziam com que eu me enredasse cada vez mais naquela cama, naqueles braços, naquele beijo. Esses pequenos gestos me desmontavam. Logo eu que era diplomado em histórias sem futuro, diplomado em solidão assistida.

Ele me apoiou e seus olhos agora mostravam apenas carinho e preocupação. Comecei a suar, talvez fosse a febre. Passou a mão pelo meu rosto e senti minha cabeça rodar. Outro carinho desses e eu estaria perdido.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Avesso das Coisas








queria que contasse
o que vê do alto

desenhos traçados na areia
linhas confusas

essas que se embaraçam
nos meus passos

trançam meus cabelos
que me prendem aqui
no avesso das coisas

queria não ouvir
as canções gritadas no vento

essas notas dissonantes
que me enlaçam
prendem do lado avesso

a pantera fugiu
sou apenas a sombra da fera



domingo, 29 de março de 2009

fita de möbius






Por tudo que fomos
Sem confusão
Aceita

Não
Não é despedida
É cansaço

Infinito e inútil
Cansaço

A canção me sopra
Sempre que você me despede
Minha alma se despe
Eu morro um pouco

É fácil
Se não tenho nada
Nada
é o bastante

cansei
não quero mais
tuas impossibilidades

Quando afinal te esqueço
E mal vejo teu sorriso
Em meio ao lusco-fusco

Confuso
Você me resgata
Ondas de carinho
Engolem-me
Atropelam-me

E descubro sem susto
Que o tempo é como a fita de möbius
E mais uma vez tropeço
Prendo-me
Enrosco-me
Nas tramas do passado



quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

espanhola






senhora,
tua sombra desliza
ninguém vê

o insólito e anacrônico
festim que sonhei
imaginei,
desenhei
desejei

acordei.
olhos abertos sorriso largo
lá fora a lua estava cheia,
a noite seria longa.

estava só.
inquieto e faminto.


era tão bom senti-la ao meu lado.
carregando minhas lembranças
dores e amores passados.

meu sorriso bobo
revela
amo teu corpo
brilhante encanto
em forma de mulher


*tela de Fabian Perez

sábado, 29 de novembro de 2008

parca







Alguém vaticinou
em eras perdidas,
entre sonhos e
quimeras ,
entre uma volta e outra
do fuso
que não nos veríamos jamais.

Trapaceiro decidi
...vou vendado

fecha os olhos
o vaticínio se mantém
e você não terá me visto
nem eu também

pronto
problema resolvido
sucesso garantido
o resto era acessório

tua pele e a minha
tem um mapa
que conheço bem

....vou deixar escritas
Instruções
Em braile
gravadas na pedra

responde,
e qualquer dia te pego...
numa parede qualquer.


quarta-feira, 29 de outubro de 2008

densidade




toda a manhã procurei
esconder dos teus olhos
esse peso na alma,
essa inquietude,
essa fome.

é pouca coisa ou, quase nada
um vago temor,
um medo que me espalma
sem pressa
apesar da calma
disfarço,
deslizo.


me escondo,
dentro da folha branca
procurando
sílabas,
palavras,
salvação
nesse poema que me entala

te engano,
te beijo
e sigo

esforço tenso
em tentar ser
densamente leve,
levemente densa