Quase toda noite gosto de sair
para o jardim de meu quintal à frente da casa, onde me ponho solitariamente às reflexões
da vida enquanto do mosaico da calçada observo os verdes vários vivos que do
chão brotam; o olivado da grama esmeralda tapetando, o verde-amarelado dos
crótons e dos pingos-de-ouro iluminando o ambiente, o verde-alface dos buxinhos
(com xis mesmo), o das folhas do manacá-da-serra ocultado pelas lindas flores
roxas da época, algumas flores vermelhas avulsas destoando, todos contrastando
com a candura branca das pedras dolomitas e os marrons das cascas de pinus que
dormem seus silêncios às bordas.
São momentos curtos meus, porém,
o bastante para a extensão e a profundidade de meus pensamentos fluírem acerca
dos fatos da vida presente e passada, todavia, sem grandes ansiedades pelo porvir,
porque, enquanto desapegado, também creio que ele, o futuro, realmente a Deus pertence,
como bem o diz o salmista no Livro-Santo: “Entrega o teu caminho ao Senhor;
confia nele, e ele o fará.” (Salmos 37:5).
Na sexta-feira à noite, fui sobressaltado
por uma notícia que me deixou deveras comovido: o desencarne do ainda jovem cantor e
compositor mineiro Vander Lee, a quem, enquanto músico que desde os 12 anos de
idade procurei ser, descobri por volta de 2010, através duma canção cuja letra
altamente inspirada e profunda, a tomei como legítima oração ditada pela voz de
um coração-poeta em eterna definição das dores da alma que ama. Era a canção “Onde
Deus possa me ouvir”. À época a publiquei
num post aqui.
Dali em diante, como é comum a
todo fã verdadeiro que não se embaraça em confessar sua afeição pela obra de um
artista, passei a procurar vídeos e a ouvir a harmoniosa voz de Vander Lee, a
tirar suas músicas ao meu violão, a assimilar as riquezas harmônicas das
canções, em geral por ele construídas com acordes dissonantes vibrantes como os
girassóis de Van Gogh, em movimento vivo constante feito o das bailarinas de
Edgar Degas, com semelhante sentimento de impacto dos acordes de uma Ave Maria
de Gounod sobre certo prelúdio de Bach.
Ontem à noite tornei ao jardim. Olhando
vagamente às plantas e ao firmamento, as canções de Vander Lee vibrando em meus
ouvidos e a lembrança de que seu corpo descera à campa por volta das 10 da manhã
desse sábado, e que assim sua obra estava definitivamente demarcada no tempo pelo
Criador do Universo, tudo isso me fez conjeturar sobre a pequena compreensão que
temos sobre o quão breve e complexa é nossa passagem por este Plano.
Por um lado as alegrias na
abertura dos jogos olímpicos no Rio de Janeiro e, por outro, a comoção que havia
pouco mais de quatrocentos quilômetros dali tomava conta da família e dos
circunstantes que madrugada adentro faziam o guardamento do corpo de um
poeta-cantor “VANDER LEE”, registrado Varderli Catarina e nascido em Belo Horizonte
em 03.03.1966, chamado que fora pelo Divino Pai Eterno para a Volta à Origem,
não obstante seus cinquenta anos completos, mais da metade deles vivendo e
cuidando de sua família com os resultados de seu talento na música, e que planejara
em 2017 comemorar os vinte anos profissionais de arte e poesia através de um CD
recém gravado no Rio de Janeiro. Tudo isso foi interrompido pelo Chamado.
Mas se esse fato surpreendeu a
todos, com certeza não a ele Vander Lee, porque havia muito que já se preparara
para a Volta, escrevendo uma conversa sua com o Divino Pai Eterno, que lindamente
musicara, intitulada “Alma nua”, cuja partitura o acompanhou na última morada,
como manifestara ser seu último desejo.
Enfim, se é certo que o artista deixou
este Plano, que ficamos mais pobres pela falta de seu talento entre nós, dúvidas
não tenho de que seu espírito hoje é mais uma estrela fulgurante no Firmamento.
Assim, nestas linhas de fã de sua obra que sou, rendo-lhe minha modesta homenagem:
MEDALHA DE OURO PARA O LUMINAR INTENSO DE VANDER LEE E SEU VIOLÃO QUE SE CALOU!
Descanse em PAZ, Menino-Poeta!
Um dia todos nos reencontraremos…
Foto: by Jornal Tribuna Hoje