sábado, 24 de março de 2012

«Queríamos ver a Jesus» (Jo 12,21). Este pedido, feito ao apóstolo Filipe por alguns gregos que tinham ido em peregrinação a Jerusalém por ocasião da Páscoa, ecoou espiritualmente também aos nossos ouvidos ... Como aqueles peregrinos de há dois mil anos os homens do nosso tempo, talvez sem se darem conta, pedem aos crentes de hoje não só que lhes «falem» de Cristo, mas também que de certa forma lh'O façam «ver». E não é porventura a missão da Igreja reflectir a luz de Cristo em cada época da história, e por conseguinte fazer resplandecer o seu rosto também diante das gerações do novo milénio?
Mas, o nosso testemunho seria excessivamente pobre, se não fôssemos primeiro contemplativos do seu rosto;..., ao retomarmos o caminho de sempre, conservando na alma a riqueza das experiências vividas neste período muito especial, o olhar permanece mais intensamente fixo no rosto do Senhor.
João Paulo II, «Novo Millennio Ineunte», 6.

quinta-feira, 22 de março de 2012

«Sede perfeitos» dissera o Mestre aos seus discípulos: e agora o Apóstolo exortava a viver segundo esta medida alta da vida cristã que é a santidade. Pode fazê-lo porque os irmãos aos quais se dirige são «escolhidos por Deus, santos e amados». Também aqui na base de tudo está a graça de Deus, há o dom da chamada, o mistério do encontro com Jesus vivo. Mas esta graça exige a resposta dos baptizados: requer o compromisso de se revestir dos sentimentos de Cristo: ternura, bondade, humildade, mansidão, magnanimidade, perdão recíproco, e sobretudo, como síntese e coroamento, o agape, o amor que Deus nos deu mediante Jesus e que o Espírito Santo derramou nos nossos corações. E para se revestir de Cristo é necessário que a sua Palavra habite entre nós e em nós com toda a sua riqueza, e em abundância. Num clima de constante acção de graças, a comunidade cristã alimenta-se da Palavra e eleva até Deus, como cântico de louvor, a Palavra que Ele mesmo nos doou. E cada acção, cada gesto, cada serviço, é realizado no âmbito desta relação profunda com Deus, no movimento interior do amor trinitário que desce até nós e volta para Deus, movimento que na celebração do Sacramento eucarístico encontra a sua forma mais alta.
Bento XVI, Homilia na Basílica de São Gregório al Celio,
nas Vésperas por ocasião da visita do arcebispo de Cantuária (sábado, 10 de Março de 2012)

quinta-feira, 15 de março de 2012

Oração para pedir a Chuva

Deus, nosso Pai, Senhor do Céu e da Terra (Mt 11, 21)
Vós sois para nós existência, energia e vida (Act 17, 2).
Criastes o homem à Vossa imagem
(Gn 1, 27-28)
a fim de que com o seu trabalho ele faça frutificar
as riquezas da terra
colaborando assim na Vossa criação.
Temos consciência da nossa miséria e fraqueza:
nada podemos fazer sem Vós (Jo 15, 5).
Tu, Pai bondoso, que sobre todos fazes brilhar o sol (Mt 5, 45)
e fazes cair a chuva,
tem compaixão de todos os que sofrem duramente
pela seca que nos ameaça nestes dias.
Escuta com bondade as orações que Vos são dirigidas
com confiança pela Vossa Igreja (Lc 4, 25),
como satisfizestes com as súplicas do profeta Elias (1Rs 17, 1)
que intercedia em favor do Vosso povo (Tg 5, 17-18).
Fazei cair do céu sobre a terra árida
a chuva desejada
a fim de que renasçam os frutos (Tg 5, 18)
e sejam salvos homens e animais (Sl 35, 7).
Que a chuva seja para nós o sinal
da Vossa graça e da Vossa bênção:
assim, reconfortados pela Vossa misericórdia (Is 55, 10-11),
dar-Vos-emos graças por todos os dons da terra e do céu,
com os quais o Vosso Espírito satisfaz a nossa sede (Jo 7, 37-38).
Por Jesus Cristo, Vosso Filho, que nos revelou o Vosso amor,
fonte de água viva, que brota para a vida eterna (Jo 4, 14).
Ámen.

Oração do Papa Paulo VI, composta em 1976,
quando se abateu sobre o continente europeu um período de seca prolongada.

quinta-feira, 1 de março de 2012

PALAVRA DE VIDA
Março de 2012
Chiara Lubich
«A quem iremos nós, Senhor?
Tu tens palavras de vida eterna!»
(Jo 6, 68).
Jesus falava do Reino de Deus às multidões que vinham para O ouvir. Falava com palavras simples, usando parábolas sobre a vida de todos os dias. Mas a sua maneira de falar tinha um fascínio muito especial, encantava. As pessoas ficavam impressionadas porque Ele ensinava como alguém que tem autoridade, e não como os doutores da Lei. Mais tarde, até os guardas que O foram prender – respondendo aos sumos sacerdotes e aos fariseus que lhes perguntaram porque é que não tinham cumprido as ordens – disseram: «Nunca nenhum homem falou assim!» (Jo 7, 46).
O Evangelho de São João cita alguns diálogos cheios de luz com determinadas pessoas, como Nicodemos ou a samaritana. Jesus, quando fala aos Seus apóstolos, aprofunda ainda mais: fala abertamente do Pai e das coisas do Céu, já sem usar comparações. Eles ficam conquistados, e não O deixam, nem sequer quando não compreendem perfeitamente as Suas palavras, ou quando estas lhes parecem demasiado exigentes.
«Que palavras insuportáveis!» (Jo 6, 60), disseram-Lhe alguns discípulos quando O ouviram dizer que lhes daria o Seu corpo a comer e o Seu sangue a beber.
Jesus, ao ver que esses discípulos se afastavam e já não andavam com Ele, dirigiu-se aos Doze Apóstolos: «Também vós quereis ir embora?» (Jo 6, 67).
Pedro, já ligado a Ele para sempre, fascinado pelas palavras que Lhe tinha ouvido pronunciar desde o dia em que o encontrara, respondeu, em nome de todos:
«A quem iremos nós, Senhor?
Tu tens palavras de vida eterna!»
(Jo 6, 68)
Pedro tinha percebido que as palavras do Seu Mestre eram diferentes das palavras dos outros mestres. As palavras terrenas pertencem à Terra e têm o mesmo destino que a Terra. As palavras de Jesus são espírito e vida porque vêm do Céu. São uma luz que desce do Alto e têm a força do Alto. Possuem uma densidade e uma profundidade que as outras palavras não têm, sejam elas de filósofos, políticos ou poetas. São «palavras de vida eterna» (Jo 6, 68) porque contêm, exprimem e comunicam a plenitude daquela vida que não tem fim, porque é a vida do próprio Deus.
Jesus ressuscitou e vive. E as Suas palavras, ainda que pronunciadas no passado, não são uma simples recordação. São palavras que Ele dirige hoje a todos nós e às pessoas de todos os tempos e de todas as culturas: palavras universais, eternas.
As palavras de Jesus! Devem ter sido a Sua maior arte, se assim se pode dizer. O Verbo que fala com palavras humanas: que conteúdo, que intensidade, que tom, que voz!
«Certo dia – conta, por exemplo, Basílio, o Grande (São Basílio (330-379), bispo de Cesareia, Padre da Igreja) –, pareceu-me despertar de um sono profundo. Abri-me à maravilhosa luz da verdade evangélica e compreendi a inutilidade da sabedoria dos mestres deste mundo» (Ep. CCXXIII, 2).
Teresa de Lisieux, numa carta de 9 de maio de 1897, escreveu: «Às vezes, quando leio certos tratados espirituais (…) a minha pobre inteligência cansa-se muito depressa, fecho o sábio livro que me quebra a cabeça e me seca o coração, e pego na Sagrada Escritura. Então tudo me parece luminoso, uma só palavra revela à minha alma horizontes infinitos e a perfeição parece-me fácil» (Santa Teresa do Menino Jesus, “Carta 226”, em Obras Completas, Edições Carmelo, Paço de Arcos, 1996, p. 608).
Sim, as palavras divinas saciam o espírito, feito para o infinito. Iluminam interiormente não só a inteligência, mas todo o ser, porque são luz, amor e vida. Dão paz – aquela que Jesus chama Sua: «a minha paz» – mesmo nos momentos de inquietação e de angústia. Dão alegria plena, até no meio do sofrimento que, por vezes, despedaça a alma. Dão força, sobretudo quando nos falta a coragem e sentimos o desânimo. Tornam-nos livres, porque abrem o caminho da Verdade.
«A quem iremos nós, Senhor?
Tu tens palavras de vida eterna!»
(Jo 6, 68)
A Palavra de Vida deste mês lembra-nos que o único Mestre que queremos seguir é Jesus, até quando as suas palavras nos possam parecer duras ou demasiado exigentes: ser honestos no trabalho, perdoar, pôr-se ao serviço dos outros, em vez de pensar egoisticamente em nós mesmos, permanecer fiel à vida familiar, assistir a um doente em fase terminal sem ceder à ideia da eutanásia…
Há muitos mestres que nos convidam a escolher soluções fáceis, a entrar em “compromissos”. Mas nós queremos ouvir o único Mestre e segui-Lo a Ele, que é o único que diz a verdade e tem «palavras de vida eterna». Assim, também nós podemos repetir as palavras de Pedro.
Neste período da Quaresma, em que nos preparamos para a grande festa da Ressurreição, devemos realmente entrar na escola do único Mestre e tornarmo-nos Seus discípulos. Também em nós deve nascer um amor apaixonado pela Palavra de Deus: ouçamo-la com atenção quando nos for proclamada nas igrejas, quando a lermos, estudarmos, meditarmos...
Mas nós somos chamados, sobretudo, a vivê-la, segundo o ensinamento da própria Escritura: «Tendes de a pôr em prática e não apenas ouvi-la, enganando-vos a vós mesmos» (Tg 1, 22). É por isso que, todos os meses, tomamos especialmente uma em consideração, deixando que ela nos penetre, nos molde, que “viva em nós”. Vivendo uma palavra de Jesus vivemos todo o Evangelho, porque Ele dá-Se completamente em cada uma das Suas palavras. É Ele mesmo que vem viver em nós. É como uma gota de sabedoria divina do Ressuscitado, que lentamente vai abrindo espaço dentro de nós e vai substituindo o nosso modo de pensar, de querer, de agir em todas as circunstâncias da vida.
Publicada em Cidade Nova, 2003/2 (Março/Abril), pp. 22-23.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Meu é o projecto de vida de São João Baptista:
“Ele é que deve crescer, e eu diminuir” (Jo 3, 30).
A verdadeira alegria consiste em não ser nada,
para que Deus seja “Tudo” em todos.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

MENSAGEM DE SUA SANTIDADE
O PAPA BENTO XVI PARA A QUARESMA DE 2012
«Prestemos atenção uns aos outros,
para nos estimularmos ao amor
e às boas obras»
(Heb 10, 24)
Irmãos e irmãs!
A Quaresma oferece-nos a oportunidade de reflectir mais uma vez sobre o cerne da vida cristã: o amor. Com efeito este é um tempo propício para renovarmos, com a ajuda da Palavra de Deus e dos Sacramentos, o nosso caminho pessoal e comunitário de fé. Trata-se de um percurso marcado pela oração e a partilha, pelo silêncio e o jejum, com a esperança de viver a alegria pascal.
Desejo, este ano, propor alguns pensamentos inspirados num breve texto bíblico tirado da Carta aos Hebreus: «Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» (10, 24). Esta frase aparece inserida numa passagem onde o escritor sagrado exorta a ter confiança em Jesus Cristo como Sumo Sacerdote, que nos obteve o perdão e o acesso a Deus. O fruto do acolhimento de Cristo é uma vida edificada segundo as três virtudes teologais: trata-se de nos aproximarmos do Senhor «com um coração sincero, com a plena segurança da fé» (v. 22), de conservarmos firmemente «a profissão da nossa esperança» (v. 23), numa solicitude constante por praticar, juntamente com os irmãos, «o amor e as boas obras» (v. 24). Na passagem em questão afirma-se também que é importante, para apoiar esta conduta evangélica, participar nos encontros litúrgicos e na oração da comunidade, com os olhos fixos na meta escatológica: a plena comunhão em Deus (v. 25). Detenho-me no versículo 24, que, em poucas palavras, oferece um ensinamento precioso e sempre actual sobre três aspectos da vida cristã: prestar atenção ao outro, a reciprocidade e a santidade pessoal.
1. «Prestemos atenção»: a responsabilidade pelo irmão.
O primeiro elemento é o convite a «prestar atenção»: o verbo grego usado é katanoein, que significa observar bem, estar atento, olhar conscienciosamente, dar-se conta de uma realidade. Encontramo-lo no Evangelho, quando Jesus convida os discípulos a «observar» as aves do céu, que não se preocupam com o alimento e todavia são objecto de solícita e cuidadosa Providência divina (cf. Lc 12, 24), e a «dar-se conta» da trave que têm na própria vista antes de reparar no argueiro que está na vista do irmão (cf. Lc 6, 41). Encontramos o referido verbo também noutro trecho da mesma Carta aos Hebreus, quando convida a «considerar Jesus» (3, 1) como o Apóstolo e o Sumo Sacerdote da nossa fé. Por conseguinte o verbo, que aparece na abertura da nossa exortação, convida a fixar o olhar no outro, a começar por Jesus, e a estar atentos uns aos outros, a não se mostrar alheio e indiferente ao destino dos irmãos. Mas, com frequência, prevalece a atitude contrária: a indiferença, o desinteresse, que nascem do egoísmo, mascarado por uma aparência de respeito pela «esfera privada». Também hoje ressoa, com vigor, a voz do Senhor que chama cada um de nós a cuidar do outro. Também hoje Deus nos pede para sermos o «guarda» dos nossos irmãos (cf. Gn 4, 9), para estabelecermos relações caracterizadas por recíproca solicitude, pela atenção ao bem do outro e a todo o seu bem. O grande mandamento do amor ao próximo exige e incita a consciência a sentir-se responsável por quem, como eu, é criatura e filho de Deus: o facto de sermos irmãos em humanidade e, em muitos casos, também na fé deve levar-nos a ver no outro um verdadeiro alter ego, infinitamente amado pelo Senhor. Se cultivarmos este olhar de fraternidade, brotarão naturalmente do nosso coração a solidariedade, a justiça, bem como a misericórdia e a compaixão. O Servo de Deus Paulo VI afirmava que o mundo actual sofre sobretudo de falta de fraternidade: «O mundo está doente. O seu mal reside mais na crise de fraternidade entre os homens e entre os povos, do que na esterilização ou no monopólio, que alguns fazem, dos recursos do universo» (Carta enc. Populorum progressio, 66).
A atenção ao outro inclui que se deseje, para ele ou para ela, o bem sob todos os seus aspectos: físico, moral e espiritual. Parece que a cultura contemporânea perdeu o sentido do bem e do mal, sendo necessário reafirmar com vigor que o bem existe e vence, porque Deus é «bom e faz o bem» (Sal 119/118, 68). O bem é aquilo que suscita, protege e promove a vida, a fraternidade e a comunhão. Assim a responsabilidade pelo próximo significa querer e favorecer o bem do outro, desejando que também ele se abra à lógica do bem; interessar-se pelo irmão quer dizer abrir os olhos às suas necessidades. A Sagrada Escritura adverte contra o perigo de ter o coração endurecido por uma espécie de «anestesia espiritual», que nos torna cegos aos sofrimentos alheios. O evangelista Lucas narra duas parábolas de Jesus, nas quais são indicados dois exemplos desta situação que se pode criar no coração do homem. Na parábola do bom Samaritano, o sacerdote e o levita, com indiferença, «passam ao largo» do homem assaltado e espancado pelos salteadores (cf. Lc 10, 30-32), e, na do rico avarento, um homem saciado de bens não se dá conta da condição do pobre Lázaro que morre de fome à sua porta (cf. Lc 16, 19). Em ambos os casos, deparamo-nos com o contrário de «prestar atenção», de olhar com amor e compaixão. O que é que impede este olhar feito de humanidade e de carinho pelo irmão? Com frequência, é a riqueza material e a saciedade, mas pode ser também o antepor a tudo os nossos interesses e preocupações próprias. Sempre devemos ser capazes de «ter misericórdia» por quem sofre; o nosso coração nunca deve estar tão absorvido pelas nossas coisas e problemas que fique surdo ao brado do pobre. Diversamente, a humildade de coração e a experiência pessoal do sofrimento podem, precisamente, revelar-se fonte de um despertar interior para a compaixão e a empatia: «O justo conhece a causa dos pobres, porém o ímpio não o compreende» (Prov 29, 7). Deste modo entende-se a bem-aventurança «dos que choram» (Mt 5, 4), isto é, de quantos são capazes de sair de si mesmos porque se comoveram com o sofrimento alheio. O encontro com o outro e a abertura do coração às suas necessidades são ocasião de salvação e de bem-aventurança.
O facto de «prestar atenção» ao irmão inclui, igualmente, a solicitude pelo seu bem espiritual. E aqui desejo recordar um aspecto da vida cristã que me parece esquecido: a correcção fraterna, tendo em vista a salvação eterna. De forma geral, hoje é-se muito sensível ao tema do cuidado e do amor que visa o bem físico e material dos outros, mas quase não se fala da responsabilidade espiritual pelos irmãos. Na Igreja dos primeiros tempos não era assim, como não o é nas comunidades verdadeiramente maduras na fé, nas quais se tem a peito não só a saúde corporal do irmão, mas também a da sua alma tendo em vista o seu destino derradeiro. Lemos na Sagrada Escritura: «Repreende o sábio e ele te amará. Dá conselhos ao sábio e ele tornar-se-á ainda mais sábio, ensina o justo e ele aumentará o seu saber» (Prov 9, 8-9). O próprio Cristo manda repreender o irmão que cometeu um pecado (cf. Mt 18, 15). O verbo usado para exprimir a correcção fraterna – elenchein – é o mesmo que indica a missão profética, própria dos cristãos, de denunciar uma geração que se faz condescendente com o mal (cf. Ef 5, 11). A tradição da Igreja enumera entre as obras espirituais de misericórdia a de «corrigir os que erram». É importante recuperar esta dimensão do amor cristão. Não devemos ficar calados diante do mal. Penso aqui na atitude daqueles cristãos que preferem, por respeito humano ou mera comodidade, adequar-se à mentalidade comum em vez de alertar os próprios irmãos contra modos de pensar e agir que contradizem a verdade e não seguem o caminho do bem. Entretanto a advertência cristã nunca há-de ser animada por espírito de condenação ou censura; é sempre movida pelo amor e a misericórdia e brota duma verdadeira solicitude pelo bem do irmão. Diz o apóstolo Paulo: «Se porventura um homem for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi essa pessoa com espírito de mansidão, e tu olha para ti próprio, não estejas também tu a ser tentado» (Gl 6, 1). Neste nosso mundo impregnado de individualismo, é necessário redescobrir a importância da correcção fraterna, para caminharmos juntos para a santidade. É que «sete vezes cai o justo» (Prov 24, 16) – diz a Escritura –, e todos nós somos frágeis e imperfeitos (cf. 1 Jo 1, 8). Por isso, é um grande serviço ajudar, e deixar-se ajudar, a ler com verdade dentro de si mesmo, para melhorar a própria vida e seguir mais rectamente o caminho do Senhor. Há sempre
necessidade de um olhar que ama e corrige, que conhece e reconhece, que discerne e perdoa (cf. Lc 22, 61), como fez, e faz, Deus com cada um de nós.
2. «Uns aos outros»: o dom da reciprocidade.
O facto de sermos o «guarda» dos outros contrasta com uma mentalidade que, reduzindo a vida unicamente à dimensão terrena, deixa de a considerar na sua perspectiva escatológica e aceita qualquer opção moral em nome da liberdade individual. Uma sociedade como a actual pode tornar-se surda quer aos sofrimentos físicos, quer às exigências espirituais e morais da vida. Não deve ser assim na comunidade cristã! O apóstolo Paulo convida a procurar o que «leva à paz e à edificação mútua» (Rm 14, 19), favorecendo o «próximo no bem, em ordem à construção da comunidade» (Rm 15, 2), sem buscar «o próprio interesse, mas o do maior número, a fim de que eles sejam salvos» (1 Cor 10, 33). Esta recíproca correcção e exortação, em espírito de humildade e de amor, deve fazer parte da vida da comunidade cristã.
Os discípulos do Senhor, unidos a Cristo através da Eucaristia, vivem numa comunhão que os liga uns aos outros como membros de um só corpo. Isto significa que o outro me pertence: a sua vida, a sua salvação têm a ver com a minha vida e a minha salvação. Tocamos aqui um elemento muito profundo da comunhão: a nossa existência está ligada com a dos outros, quer no bem quer no mal; tanto o pecado como as obras de amor possuem também uma dimensão social. Na Igreja, corpo místico de Cristo, verifica-se esta reciprocidade: a comunidade não cessa de fazer penitência e implorar perdão para os pecados dos seus filhos, mas alegra-se contínua e jubilosamente também com os testemunhos de virtude e de amor que nela se manifestam. Que «os membros tenham a mesma solicitude uns para com os outros» (1 Cor 12, 25) – afirma São Paulo –, porque somos um e o mesmo corpo. O amor pelos irmãos, do qual é expressão a esmola – típica prática quaresmal, juntamente com a oração e o jejum – radica-se nesta pertença comum. Também com a preocupação concreta pelos mais pobres, pode cada cristão expressar a sua participação no único corpo que é a Igreja. E é também atenção aos outros na reciprocidade saber reconhecer o bem que o Senhor faz neles e agradecer com eles pelos prodígios da graça que Deus, bom e omnipotente, continua a realizar nos seus filhos. Quando um cristão vislumbra no outro a acção do Espírito Santo, não pode deixar de se alegrar e dar glória ao Pai celeste (cf. Mt 5, 16).
3. «Para nos estimularmos ao amor e às boas obras»: caminhar juntos na santidade.
Esta afirmação da Carta aos Hebreus (10, 24) impele-nos a considerar a vocação universal à santidade como o caminho constante na vida espiritual, a aspirar aos carismas mais elevados e a um amor cada vez mais alto e fecundo (cf. 1 Cor 12, 31 – 13, 13). A atenção recíproca tem como finalidade estimular-se, mutuamente, a um amor efectivo sempre maior, «como a luz da aurora, que cresce até ao romper do dia» (Prov 4, 18), à espera de viver o dia sem ocaso em Deus. O tempo, que nos é concedido na nossa vida, é precioso para descobrir e realizar as boas obras, no amor de Deus. Assim a própria Igreja cresce e se desenvolve para chegar à plena maturidade de Cristo (cf. Ef 4, 13). É nesta perspectiva dinâmica de crescimento que se situa a nossa exortação a estimular-nos reciprocamente para chegar à plenitude do amor e das boas obras.
Infelizmente, está sempre presente a tentação da tibieza, de sufocar o Espírito, da recusa de «pôr a render os talentos» que nos foram dados para bem nosso e dos outros (cf. Mt 25, 24-28). Todos recebemos riquezas espirituais ou materiais úteis para a realização do plano divino, para o bem da Igreja e para a nossa salvação pessoal (cf. Lc 12, 21; 1 Tm 6, 18). Os mestres espirituais lembram que, na vida de fé, quem não avança, recua. Queridos irmãos e irmãs, acolhamos o convite, sempre actual, para tendermos à «medida alta da vida cristã» (João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte, 31). A Igreja, na sua sabedoria, ao reconhecer e proclamar a bem-aventurança e a santidade de alguns cristãos exemplares, tem como finalidade também suscitar o desejo de imitar as suas virtudes. São Paulo exorta: «Adiantai-vos uns aos outros na mútua estima» (Rm 12, 10).
Que todos, à vista de um mundo que exige dos cristãos um renovado testemunho de amor e fidelidade ao Senhor, sintam a urgência de esforçar-se por adiantar no amor, no serviço e nas obras boas (cf. Heb 6, 10). Este apelo ressoa particularmente forte neste tempo santo de preparação para a Páscoa. Com votos de uma Quaresma santa e fecunda, confio-vos à intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria e, de coração, concedo a todos a Bênção Apostólica.
Vaticano, 3 de Novembro de 2011

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A Oração de Jesus diante da morte
«Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?»
(Mt 27, 46)
"...na oração levamos a Deus as nossas cruzes diárias, na certeza de que Ele está presente e nos ouve. O brado de Jesus recorda-nos que na oração devemos superar as barreiras do nosso «eu» e dos nossos problemas, e abrir-nos às necessidades e sofrimentos do próximo. A oração de Jesus moribundo na Cruz ensina-nos a orar com amor pelos numerosos irmãos e irmãs que sentem o peso da vida quotidiana, que vivem momentos difíceis, que estão na dor, que não recebem uma palavra de conforto; levemos tudo isto ao Coração de Deus, para que também eles possam sentir o amor de Deus que nunca nos abandona."
Bento XVI, Audiência Geral - 4ª feira, 8 de Fevereiro de 2012

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

"Eu não devo falar sobre Jesus,
mas dar Jesus
com o meu comportamento."
Beata Chiara "Luce" Badano