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12 outubro 2005

Copias e Coincidencias


A recente exposição (de 8 de Setembro até 2 de Outubro) "COCOS. Copias y coincidencias. En defensa de la innovación en el diseño”, no Museu da Ilustração de Valencia, denunciou o plágio criativo e analisou as fronteiras entre cópia e coincidência mostrando vários exemplos que vão desde a cópia ilícita até ao acto meramente fortuito de haver coincidência de uma ideia ou de uma forma.

Protagonista de histórias de cópias e coincidências é sem dúvida Damien Hirst.
Hirst e as suas instalações de medicamentos, os seus animais conservados em formol (tal como no Teatro Anatómico de um post que já lá vai - por coincidência...), as suas borboletas ou a apropriação de um brinquedo da Humbrol, transportado para o bronze, numa escala cinco vezes maior, e apresentado sem qualquer referência ao fabricante de brinquedos, mas mantendo as cores com que fora comercializado.
Brinquedo monumentalizado e nobilitado pela escala e pelo bronze, adquirido pelo galerista Charles Saatchi por cerca de um milhão de libras – para indignação daqueles que não viram na peça senão uma “cópia exacta” de um velho brinquedo - um simples plágio, portanto.

E foi o mesmo Damien Hirst, que afirmou à BBC que os ataques do 11 de Setembro foram obras de arte “visualmente poderosas” e que os seus perpetradores "deviam ser felicitados”. "Tem de se lhes dar crédito, a algum nível", disse ele dos terroristas, "porque eles conseguiram algo que ninguém pensara ser possível”. Mais tarde, iria afastar o rabiosque da proverbial seringa, sublinhando: “I value human life”.
Entretanto, enquanto Hirst elogiava a Al Qaeda, uma artista neozelandesa, Gail Haffern , dizia à “Auckland Art Press” que a destruição do World Trade Center, embora ocupado por pessoas, foi “maravilhosa… porque foi uma ideia nova”. Juntavam-se, assim, ambos, ao músico alemão, Karlheinz Stockhausen , que qualificara os atentados como “a maior obra de arte de sempre” – embora com posteriores explicações.

Estamos a entrar, agora, nas coincidências. Sem sequer se conhecerem, Michael Luther e Damien Hirst, pintaram quadros bastante semelhantes inspirados numa mesma fotografia de jornal que ilustrava uma operação de resgate de iraquianos feridos na sequência de um ataque terrorista no Iraque. Dois pintores, duas nacionalidades, mas certamente uma série de afinidades culturais que os levaram a esse resultado. Lembro-me de Roland Barthes: ainda haverá autores?

Charles Saatchi, ligado à celebrização de Damien Hirst, foi o comprador, como vimos, do gigantizado brinquedo anatómico do artista britânico. Nasceu no Iraque, filho de judeus iraquianos que emigraram de Bagdade para o Reino Unido.

São ténues as fronteiras entre apropriações legitimas, cópias e coincidências.
Da cópia ilícita direi apenas o que, de um modo geral, resulta da legislação em vigor em Portugal, ou seja, não basta a reprodução não autorizada da obra ou da prestação, é também necessário que o autor da reprodução a apresente como sua.

Em 1913, Marcel Duchamp concebia os seus primeiros "ready made", dos quais a imagem mais conhecida hoje em dia é, talvez, a "assemblage" Roda de Bicicleta. Quatro anos mais tarde, expunha em Nova Iorque o primeiro “ready made” a conseguir notoriedade: um urinol assinado e datado, a que foi dado o título “Fountain”. Inaugurava o tempo em que a escolha dos objectos, é, por si só, um acto de criação artística independente da execução material da obra. Qualquer objecto se pode tornar arte.

Longe vão as apropriações heróicas – e ingénuas. Nos anos 90, Claudia Schiffer opôs-se a que o artista pop Mel Ramos, seguindo uma prática de três décadas, a pintasse nua dentro de um hot dog ou de um copo de vermute. Um tribunal de Hamburgo deu razão à top-model e ordenou a retirada dos quadros de uma galeria de arte por os considerar ofensivos e por atentarem contra a vida privada da mediática alemã, proibindo também a sua reprodução em catálogo.

Jeff Koons, para utilizar imagens, objectos e logotipos propriedade das grandes empresas tem de recorrer à sua anterior experiência profissional como corretor para, de fato e gravata, negociar as condições da apropriação artística com Hoovers, Martinis ou Martells. A apropriação inversa acontece com uma publicidade cada vez mais “arte” numa cultura cada vez mais “esteticizada”. Uma campanha da Benetton utiliza o "look" Koons, vendendo umas quantas camisolas sob o pretexto da luta contra a SIDA.

Os inimigos destas estratégias artísticas enraizadas em Duchamp e no movimento Dada, começam a recorrer a elas para as ridicularizarem, esvaziando a importância do escândalo, única força que nessas práticas conseguem descortinar: é então que, num ataque aos artistas e às empresas, “Benetton” se torna “Penetton”, não só pelo trocadilho como para evitar problemas legais.

“De quien no quiere imitar a nadie, no sale nada”, apregoava Dalí – e Burroughs, por coincidência, desfazia na coincidência:
“In the magical universe there are no coincidences and there are no accidents. Nothing happens unless someone wills it to happen. The dogma of science is that the will cannot possibly affect external forces, and I think that's just ridiculous. It's as bad as the church. My viewpoint is the exact contrary of the scientific viewpoint. I believe that if you run into somebody in the street it's for a reason. Among primitive people they say if someone was bitten by a snake he was murdered. I believe that”. Receptáculos de magia.