“Um país sem livros é um deserto de idéias”,
essa frase é minha e traduz o que penso sobre a importância da palavra
impressa. Palavra impressa, diante
das novas formas de levar as idéias até ao leitor, é apenas uma expressão,
porque na verdade o que chamamos de livro sofreu inúmeras adaptações aos novos
meios de informação e tornou-se algo muito diferente do que foi no passado,
contudo, a essência do livro continua a mesma. O livro é ponte sagrada sobre a
qual a humanidade passa para encontrar os rumos que conduzem à civilização. O
suporte para o livro não importa, ao longo da história os homens firmaram
aquilo que seria importante para suas gerações em pedra, pergaminho, papiro,
madeira, metal, papel e, agora, em elétrons na forma de e-book. Lembrando que e-book
é uma abreviação para “electronic book”,
ou livro eletrônico: trata-se de publicação com conteúdo idêntico ao de uma
possível versão impressa, com a característica de ser, claro, uma mídia
digital.
Com o
desenvolvimento da imprensa no final do século quinze, as pessoas começaram a
se interessar pela leitura e a veiculação de ideias se tornou mais fácil e,
sobretudo, desejável. A palavra impressa era um pacote que uma vez aberto
mostrava conteúdo que viria somar ao que se conhecia, a ampliar horizontes,
então, sempre que possível, as pessoas aprendiam a ler para adquirir saberes só
possíveis nos livros. Por causa do potencial perigo que poderia representar
para as autoridades constituídas e para o poder religioso, a censura nasceu ao mesmo tempo. Normal que aqueles que detêm o
poder temam que os produtos da criatividade humana venham a suprimi-lo, ou como
pensava o clero, a verdade das escrituras pode ser abalada pelo que a ciência
descobrir. Então, proíba-se.
Em consequência, a
erudição e a leitura passaram a ser encaradas com receio e até temor puro e
simples. O livro era uma preocupação constante da inquisição. O medo da ciência
era tamanho que, em 1640, todas as obras de Copérnico foram listadas no index proibitorum da igreja católica. Um
inquisidor mais sincero chegou dizer: “A
verdade é que nada dissemina e distribui melhor a doutrina dos hereges do que
livros, que, como mestres silenciosos, falam constantemente; eles ensinam todo
o tempo e em todos os lugares. O adversário e inimigo típico da fé católica
sempre confiou nesse meio nocivo”
Numa época com tanto
receio no ar, os livros eram queimados tanto quanto pessoas. Nos auto de fé,
como eram chamados os espetáculos da queima de hereges, os livros também
encontravam um fim ignóbil. A estupidez e o medo eram tão fortes que em 1579 o
inquisidor geral de Portugal ordenou que livros fossem incinerados até não mais
restar nem cinzas. Intelectuais como Cervantes se indignavam com essas
barbaridades, tanto é que ele incluiu no seu magistral “Don Quixote” a cena em que uma governanta incinera a coleção de
livros de cavalaria do pobre cavaleiro andante Quixote para preservar a
integridade da mente daquele sonhador. Na atualidade, Umberto Eco, pensador, linguista,
filósofo e escritor italiano, incluiu no excelente “O nome da Rosa” uma cena no qual um frei beneditino cego, zeloso das
verdades das escrituras, queima um acervo valiosíssimo de livros raros para
impedir que as heresias contidas neles se disseminem. Claro que ao longo do
tempo muitos outros escritores registraram suas revoltas contra essas censuras.
Ray Bradbury escreveu “Fahrenheit 451”
– temperatura da queima do papel – para denunciar a suposta periculosidade dos
livros. No romance os livros são perigosos demais para a população e estimulam
o elitismo e a divergência das normas politicamente corretas, então devem ser
queimados.
Livros conduzem
idéias e estas podem não serem convergentes com o establishment e podem até contestá-lo, então livros são perigosos,
essa é conclusão do obscurantismo que normalmente acompanha o poder. Nos dias
de hoje, nos países que os fundamentalistas islâmicos dão as cartas, os livros
não têm livre trânsito, se não são queimados em praça pública também não são
vendidos livremente. Continuam sendo objeto de censura. Parece que enquanto
houver livros e poder discricionário haverá inquisição literária e quem perde é
a humanidade. JAIR, Floripa, 01/06/12.