Minha avó Guiomar
(e eu)
(e eu)
A minha melancolia finca raiz em minha avó Guió. Achei uma
foto antiga e vi meu olhar em seus olhos.
Com custo, lembrei do caminho muitas vezes feito a pé: os
paralelepípedos da rua larga por onde entrávamos na Mouraria, o Sol refletindo nas pedras do calçamento, Mulheres segurando lindos lençóis e o vento sacudindo os tecidos coloridos. O quartel do
exército, a guarita com um soldado imóvel. Descendo a ladeirinha, uma rua
estreita à esquerda, Rua do Bângala, casa de minha avó.
Um casarão que a mim soava estranho. Não existia quintal. Um tio criava pombos e teve um pombo-correio. Periquitos australianos. Outro tinha
uma lâmpada infra-vermelho. Meu avô foi bruto com meu pai na infância. Meu avô
fazia lindas e delicadas caixas de madeira. Um outro não era chamado de
tio pelas crianças. Minha avó parecia tão triste e cansada, sempre, mesmo quando
servia para toda a família um insuperável lombo com batatas assadas e farofa.
(As crianças comendo separadas dos adultos, uma sala depois, numa mesa pequena
adaptada ao nosso tamanho.) Minha tia sempre tão doce, quando envelheceu
parecia a tristeza de minha avó.
Sempre que estávamos lá, nos uníamos, eu e meu irmão mais
novo, para penetrar no Casarão de Tavira. Sentávamos no topo da imensa escada
de madeira para procurar os poços, os encantos, através de uma abertura
discreta que havia na parede para circulação do ar. Era dali que observávamos,
em silêncio, a movimentação na sala de jantar. Sentíamos a nuvem, as lâmias,
culpas. Gostávamos de subir a Montanha e ouvir nosso irmão
mais velho tocar flauta, um pouco triste, sereno.
Fiz das janelas dos quartos, ameias de um castelo. Vi muita
assombração. Escutei o ranger da madeira, pelas frestas, a poeira das ruínas. Dia após dia, o choro triste da Moura Encantada lamentando a sua sorte. D.
Ramiro, insone, a escalar paredes.
As mulheres usavam Leite de Colônia e minha avó lamentava
com seus olhos tristes.
M.