O exercício do dom de si
Pe. Joseph Schrijvers
Quando a alma de boa vontade
se doou a Deus, estão lançados os alicerces do seu edifício espiritual. Só
falta construir, isto é, renovar constantemente essa disposição. É o exercício
do dom de si, que se pratica com a mesma simplicidade, com a mesma serena
mansidão com que a alma interiormente livre cumpre seus deveres.
Logo pela manhã, ao
despertar, a alma eleva-se a Deus, oferece-lhe todo o seu ser e pede-Lhe que
disponha dela como lhe aprouver. Este ato substitui longas orações. É uma
aceitação amorosa de tudo o que vier a acontecer no dia, seja doce ou amargo,
agradável ou penoso. É uma alegre disposição de tudo fazer e sofrer para
agradar a Deus.
A alma esforça-se por
manter-se tranquilamente nessa disposição essencial e repete de tempos em
tempos o seu oferecimento. Assim recolhida em Deus, entrega-se à oração e ao
trabalho segundo as exigências de seu estado.
Durante seus afazeres,
permanece senhora de si, agindo sem frouxidão e sem precipitação, não se
deixando dominar pelo frenesi de acabar de pressa, nem pela vontade de
conquistar estima alheia, nem pelo prazer que encontra na sua ocupação.
Já não se pertence mais, é
inteiramente do seu Senhor, também não pertence aos outros, nem se deixa
escravizar pelo seu trabalho, pois este não é um fim, mas apenas um meio.
Inicia as suas ocupações sem paixão, continua-as com toda a paz, termina-as sem
pressas, sabendo que, depois desse trabalho outros virão. Para acalmar a sua
impaciência, repete muitas vezes: “Enquanto executo esta tarefa, não devo
cumprir outra; enquanto estiver aqui pela vontade de Deus, não sou obrigado a
estar em outro lugar.”
Inteiramente senhora de si,
executa de coração livre os seus deveres, uns após os outros, e esta liberdade
interior permite-lhe empreender com mente clara a atenção contínua, sem fatiga
ou precipitação, sem desânimo ou preguiça.
Os homens verdadeiramente
ativos são os que menos o aparentam. Os agitados, os apressados, não fazem
quase nada. Começam, mas não acabam. Após o trabalho, ficam com o coração
inquieto, o espírito oprimido e incapaz de pensar em Deus. A alma simples, pelo
contrário, imita Deus, parece sempre em repouso e está sempre ativo.
Assim, a alma prossegue em
seus trabalhos diários armada do seu ato de doação. Repete-o em cada ação que
realiza, a cada dificuldade que surge, a cada sofrimento que lhe sobrevém, a
cada alegria ou desgosto que experimenta. Tem o seu modo próprio de resistir as
tentações e de afastar as distrações. Mal se apresentam, não as afugenta
diretamente, como se fossem moscas, mas despreza-as contentando-se em repetir: “Senhor,
auxiliai-me.” Um gesto de amor, eis a sua resposta às sugestões do demônio.
Aliás, não será tentada por muito tempo: o inimigo sabe que cada tentação
provoca um novo impulso do coração de Jesus.
Da mesma forma, acolhe por
um simples ato de amor as contrariedades, as cruzes, os sofrimentos de cada
dia. Por mais opressivos que sejam, os contratempos nada mais fazem do que
provocar atos de amor.
O descanso não interrompe o
seu relacionamento com Deus. Distrai-se com o coração livre, pois sabe que Deus
quer que descanse. Nunca se abandona a uma alegria vã e desmedida. Tudo nela é
moderado. Diverte-se como a criança sob o olhar materno. Só recorda-se de que
Deus está nela, que a vê e que ama.
Toma as refeições com
inteira liberdade de espírito, sem se preocupar com a qualidade do cardápio.
Porventura não lhe vem tudo das mãos de Deus? Só dá atenção a esse bom Pai que
ama ternamente, e não se preocupa com o resto.
Enfim, chegada a noite e
concluídos os trabalhos do dia, enquanto adormece, ainda murmura uma palavra de
abandono, mais comovido, mais profundo, se possível, para reparar as faltas
cometidas e suprir as omissões do dia. Depois adormece em paz, sob o olhar do
seu Senhor, que vela por ela.
Pe. Joseph Schrijvers – retirado do livro “O
dom de si – vida de abandono em Deus”
P.S.: O sub-título entre parênteses foi acrescentado na
edição feita pelo blog. Ajude a
compartilhar, leve esta profunda e eficaz mensagem para mais pessoas, os
menores atos feitos com boa vontade geram frutos gigantescos para a maior
Glória de Deus.