Tô cheia de coisas pra contar, mas o tempo é curto e minha vida não acontece na frente do computador - especialmente agora! Por isso, vamos começar pelo começo: as férias em
Lofoten. Pra se ter uma idéia, em 4 dias eu tirei 650 fotos. Isso porque só fez sol um dia.
Pra quem nunca ouviu falar (como é possível eu não sei), Lofoten é uma península com várias ilhas, exatamente em frente a Nordland e Troms, começando na altura de Bodø. Tanto que pro sul de Lofoten, o ponto de partida é Bodø. Há vôos direto pra
Leknes (25 min) ou
Svolvær (30 min), dois
Hurtigruta por dia pra Stamsund e Svolvær (cercade 3 1/2 horas), e uma barca várias vezes ao dia pra Moskenes (4 horas). Resolvemos tomar a barca. Tanto na barca como nos Hurtigruta é possível levar o carro (mas atenção aos Hurtigruta, tem um deles, mais vovozinho, que não leva carros, chama-se
M/S Lofoten e viaja aos sábados sentido sul). Entre Lofoten e o continente tem uma porção de mar que chamam de Vestfjorden, e é um lugar bastante especial. Povoado por golfinhos, águias marinhas e até baleias orca, se você der muita sorte. Também é um lugar de paisagem muito especial, com diversas montanhas de mais de mil metros de altura que despencam no mar. Assim é Lofoten, assim é Kjerringøy, assim são os fjords na região de Salten, ao redor de Bodø. Pode não ser tão popular como as atrações turísticas lá do sul (Preikestolen, Geiranger), mas também são de outro mundo, e melhor, não é tão apinhado de turista como lá pra baixo (com exceçãode Lofoten, claro), e ainda por cima chove bem menos!
Tenho que fazer a propaganda pra que os amigos que ainda não se atreveram a vir me ver nos confins do mundo se animem...
Resolvemos tomar a barca num horário peculiar: 4:30 da manhã. 1)Mais vazia, 2)chegaríamos lá com bom tempo, podendo parar em vários pontos turísticos entre Moskenes e Svolvær, já que o check in no hotel que reservamos não seria antes das 15h - em geral é assim por aqui. A viagem levou 4 horas cravadas, e o mar tinha ondas enoooormes, mas não havia vento, então o navio balançou um pouco, mas suavemente. Mas eu dormi. Como muitos caminhoneiros (como o próprio Lars já fez muito) usam o serviço de barca, elas tem um saguão (não é permitido fazer o trajeto no carro, obviamente) com lanchonete e sofás em que é possível se espichar se não houver muita gente. Até levamos travesseiro. Saímos de Bodø com tempo parcialmente nublado e chegamos em Moskenes com um solzinho gostoso. Na saída da barca encontramos nosso vizinho de chalé fazendo um bico de cobrador. Só aqui mesmo...
Depois de uns bons bocejos e uns tapas na cara pra espantar a soneira, começamos a jornada. Quando me dei conta de onde estava, precisei catar o queixo no chão do carro. Não importa quantas vezes você possa ter visto fotos ou imagens de um lugar, é sempre diferente ao vivo. E com Lofoten é ainda mais diferente, porque as dimensões ali são monumentais, especialmente ao sul, onde estão as montanhas mais altas... De Moskenes a Svolvær calculamos 4 horas, são duas de estrada, mais todas as paradas...
Estávamos com uma vontade tremenda de tomar um café, então paramos no primeiro vilarejo. Era cedo, cerca de 9 da manhã, e nos demos conta de que TODAS as lojas estavam fechadas até as 10. Era uma quinta feira... Achamos uma lojinha de souvenirs aberta e entramos. A dona, uma vovó muito simpática, logo puxou prosa. Perguntou de onde eu era porque meu sotaque era diferente. Disse que Brasil, começa a conversa, o que te traz tão longe, etc. Lars conta que trabalhavamos num navio, blablabla, aí o povo fica ainda mais curioso. Chegou o marido, mais prosa, tomamos um café pavoroso, e eu acabei comprando um peixe de pelúcia pensando que era bacalhau (no fim é um salmão!) pra mandar pro meu sobrinho. A conversa ficou longa, conseguimos nos desvencilhar, não sem antes ouvir as dicas de passeio do vovô.
Por conta disso achamos essa praia... Apesar do vento (uma gaivota estava praticamente parada no ar batendo asas como louca sem sair do lugar, morri de rir), sempre me ocorre arrancar a roupa e sair correndo pra um tchibum, porque isso parece Tahiti e não Ártico. Aí penso na temperatura da água, brrrrrrr.
Próxima parada, Vikten, onde fica uma oficina de vidro soprado. O lugar é famoso por aqui, chama-se
Lofoten Design, e seus itens, carésimos, são bem cobiçados. Entretando, me decepcionei horrores. Não estava esperando nenhum cristal Baccarat, mas algo parecido com o que se encontra em Veneza e Murano. Não era. Era um trabalho com muito pouco refinamento pra custar o que custa. Uns peixes de vidro, depois vários vasos e pratos de enfeite, não gostei de nada. Só da arquitetura do local. Ficamos só uns 10 minutos ali, e seguimos pra Leknes.
A essa altura estávamos varados de fome, então resolvemos parar pra café, comida e banheiro, claro. Achamos um super-hiper-mega gigante shopping center, e ao redor dele haviam cafés e uma padaria. Da padaria saía um cheiro de danish (aqueles pães doces de massa folheada recheados de creme ou geléia e cobertos de glacê, um pecado) recém saído do forno. Ali mesmo paramos, tomamos outro café pavoroso, comemos um delicioso e fresquinho danish, fomos ao banheiro do shopping, compramos algumas coisas pra viagem e seguimos em frente.
De Leknes pra Borg, onde fica o famoso
museum viking Lofotr. Pra esse lugar vale parar pra uma visita guiada. Tudo ali é réplica, com base em escavações feitas ao longo de muitos anos. O museu foi construído em 1995. Há uma casa viking totalmente mobiliada, um ferreiro e um navio. Aprendi coisas novas sobre os vivkings... Na minha cabeça não estava claro se os vikings daqui tinham ido pra Islândia ou se foi o contrário. Mas confirmei o fato de que eles saíram daqui pra lá, por que? Por causa do cristianismo, ora bolas. Sempre eles! A Islândia era terra de ninguém e lá eles poderiam ser "free to be you and me", ao passo que os cristãos exigiram que houvesse apenas um rei e os vikings não gostaram dessa história. Descobri também que chifre em capacete de viking é tudo mentira! É um mito que tem muito a ver com os bárbaros alemães, disse o guia. Em nenhum capacete viking encontrado nem na Dinamarca, nem na Suécia nem na Noruega tinha chifres, uma vez que o inimigo poderia agarrar o sujeito pelos chifres e derrubá-lo com muito mais facilidade. Além de tudo isso, as Sagas vikings foram narradas pela elite, que era apenas quem podia se dar ao luxo de ter um capacete, já que o ferro era artigo de alto luxo por ser caro. Então os mais simples preferiam ter uma espada. Claro.
Naquelas épocas também o trabalho doméstico era bem definido. Mulheres no fogão, costurando, limpando e os homens caçando, brincando de espada (não resisto à piada, perdão) etc. Se uma mulher quisesse aprender as tarefas masculinas, sem problemas, afinal, quando a homarada ia pras batalhas eram elas quem ficavam pra trás e tinham que se virar em casa. Maaaaas, se um cara quisesse aprender a costurar, aiaiaiai! Era expulsão do clã. Sexismo desde aqueles tempos. Vale muito a visita pra conhecer um pouco dessa história toda. No alto verão existem várias atividades, e tem ainda o festival viking todos os anos.
Deixo aqui um vídeo alheio que ilustra bem a coisa toda...
De lá deveríamos ter parado em Eggum, um vilarejo com uma praia fenomenal e um forte construído pelos alemães na Segunda Guerra. Deixamos de lado porque demoramos demais em Borg. E agora estávamos AZUIS de fome. Pelo caminho, uma grande desvantagem. Pra achar um lugar pra comer foi um sufoco, nem as lojas de conveniência nos postos de gasolina existem em abundância, só mesmo em Leknes.
Finalmente avistamos uma placa que dizia "comida caseira a 500 m". Paramos.
Um lugar muito simples, bem tradicional das beiras de estrada aqui do norte. No cardápio, língua de bacalhau frita, halibut frito, peixe frito (mais barato que halibut, ou kveite, ou alabote em português, mas no Brasil se diz halibut, e aliás não é um peixe comum por lá), ensopado de carneiro, lapskaus (um prato tradicional que consiste de batatas, cenouras e carne seca de ovelha/carneiro, cozido por bastante tempo. Come-se com pão sueco ou flatbrød) e por fim, guisado de baleia. Claro, em Lofoten se encontra a maioria dos baleeiros ainda na ativa na Noruega. Tava em dúvida entre língua de bacalhau e lapskaus, mas Lars quis a baleia, claro. Acabei pedindo peixe frito. Estava tudo uma verdadeira delícia. Mesmo com um montão de conflitos internos e me sentindo uma grande hipócrita, provei o prato do Lars e estava sensacional!
Barriga cheia, saco cheio de estrada, chegamos em Svolvær por volta de cinco da tarde, O tempo a esta altura já estava completamente fechado, nubladão, e chovia. Não muito, mas uma chuva fina e chata, estilo São Paulo. Fomos direto pro hotel.
Uma coisa que é importante saber sobre Lofoten é que há um meio de hospedagem bem distinto por ali, não estou segura se ainda existem rorbus em algum outro local da Noruega. Rorbu são essas casinhas vermelhas que ficam na beirinha d´água e aparecem em todas as fotos de Lofoten,e desde o século 19 serviam de acomodação pra os pescadores que vinham em bandos trabalhar em Lofoten na temporada. A temporada de pesca acontece no inverno, de dezembro a abril. Dentro de cada uma dessas cabanas ficavam às vezes toda a tripulação de um barco de pesca. Em tempos mais modernos os rorbus antigos de Lofoten foram transformados em hotéis. Existem quartos ou suítes, e em geral há cozinha também. O hotel que ficamos só tem rorbus, de diferentes categorias. O hotel faz parte de uma associação chamada
De Historiske. Os hotéis membros ou estão em edifícios históricos ou em locais de relevância cultural. O nosso, em Svolvær, era o
Anker Brygge. Não é barato, mas vale muito a pena.
Depois de um providencial banho, saímos pra cidade. A vida noturna em Svolvær não é lá essas coisas. Paramos no Bacalao, um barzão todo gerido por suecos, todo mundo trabalhando ali era sueco. Ali descobrimos a melhor cerveja norueguesa que já tomei, admiramos o tráfego de turistas italianos e alemães (hordas deles, mesmo no meio de agosto), vimos o Hurtigruta da hora chegar e sair, mas bateu o cansaço. Fomos pro hotel, mas a música que ouvimos ao passar pelo bar nos fez entrar, e ali ficamos mais um par de horas. Comemos camarões fresquinhos, e tomamos mais um par de cervejas.
Dia seguinte tomamos café da manhã (meio que ordinário pelo preço do hotel, mas os pães eram divinos!) e pegamos o carro em direção a Kabelvåg, um "bairro" há uns 20 km de Svolvær. Lá fica Storvågan, onde há um hotel e restaurante bem tradicionais, e um "complexo" que envolve um aquário (sou apaixonada por aquários, visito todos que posso!), um museu estilo Kjerringøy, com casas preservadas e móveis antigos, e a galeria de um artista plástico famoso chamado Kaare Espolin Johnson. Começamos pelo aquário. Um lado meu fica tristérrimo de ver os bichinhos (mesmo peixes) presos num tanque. Lá eles tem três lontras e três focas, sendo uma delas um bebê de 6 meses. Além disso, há um tanque com cada tipo de peixe encontrado no mar daqui (exceto os de profundidade, como uer, kveite e breiflabb - monkfish - porque eles não tem um tanque pressurizado). Olhamos o tanque de salmão, o de bacalhau e steinbit, o de skrei, o das trutas, todos os crustáceos, um barato (
aqui tem uma fotinho de todos os nossos habitantes marinhos conhecidos). Tava cheio de criança, claro, e num certo ponto, um senhor muito amável veio avisar a todos que as focas estavam sendo alimentadas. Fomos assistir, mas eu fico me doendo de pena, coitadinhas... Mas as crianças amaram. Depois as lontras.
E daí resolvemos avançar, e fomos
à galeria. Eu não conhecia esse artista e fiquei impressionadíssima com as gravuras dele. Ele foi um ilustrador famoso, tem vários livros ilustrados por ele. E ele captura toda a atmosfera dessa região, que ainda vive bastante da indústria da pesca. Aquelas montanhas além da imaginação, encontrando esse mar que tirou muitas e muitas vidas, pescadores e seus barcos, a fronteira com a Rússia... Pra quem gosta de arte, vale dar uma olhada no site dele só pra ver as obras. Compramos uma gravurinha avulsa por 500 coroas. A enquadrada custava 1500! Compramos um "Trollfjord".
Por fim passamos ao museu (e se você compra ingresso pros 3 ao mesmo tempo saem mais barato que comprar separado, e você não precisa visitar os três no mesmo dia). Pudemos ver um mercado antigo, uma casa decorada, e o melhor de tudo, um autêntico rorbu à lá antigamente. Tem também uns barcos de pesca antigos, com motores do século 19... O melhor desse museu foi um mini-documentário que assistimos sobre faróis antigos e as famílias que cuidavam deles quando eles ainda não eram automatizados.
Nessa altura do dia o tempo estava horroroso, chovia, e fomos embora dar uma descansada. Mais à noitinha tínhamos uma reserva no restaurante
Du Verden, do chef Roy Magne Berglund, de quem eu já havia falado
aqui. Esse chef e um empresário dono de vários restaurantes e empreendimentos aqui em Bodø entraram em sociedade, e pra minha decepção, os menus do Du Verden e do Bryggeri Kaia são unificados. A única diferença é que o Du Verden serve sushi e pizza. Afe maria, que falta de originalidade. Mas enfim, o restaurante era encantador, o serviço, dos melhores que recebi em todos os lugares que fui aqui nesse país (nosso garçon, claro, era indiano). Atacamos de sushi de entrada e um prataço de frutos do mar para duas pessoas. Tava tudo gostoso, a experiência no geral foi boa e valeu a fortuna que deixamos pra trás.
Depois de um belo jantar, ainda fomos dar umas bandas, mas pra nenhuma surpresa, nada de mais acontecendo na cidade. Então fizemos um bom
bar hopping, e terminamos a noite no bar do nosso hotel. Havia música ao vivo e uma recepção de casamento rolando tudoaomesmotempoagora! E o povo que cuida do bar é excelente, o melhor grupo de bartenders que já vi por essas terras... Os primeiros que não olharam pra mim como se eu fosse louca quando eu pedi um Long Island Iced Tea no balcão. Esses não só sabiam o que era como prepararam com perfeição. E ainda recomendaram ao Lars um Lynchburg Lemonade. What???? Nota mil. Fomos dormir de pileque. Forte.
Agora percebi que o post ficou longuíssimo, então vou fazer em duas partes. Essa acaba por aqui. O slide show com muuuuitas fotos fica pro próximo!