O que é a LUXÚRIA?
Royo
Marín: No nosso
livro no CAPITULO II: Respeitar seu corpo; Ao abordar esta matéria tão
áspera e suja, acreditam oportuno recolher a muito prudente advertência com que
São Alfonso do Ligório começa a explicação da mesma:
«Agora
vamos tratar, com desgosto, daquela matéria cujo só o nome infecciona a mente
dos homens... !Oxalá mais breve e mais obscuramente pudesse me explicar! Mas,
como esta seja a mais freqüente e mais abundante matéria das confissões e pela
que maior número de almas caem no inferno—mais ainda: não vacilo em afirmar que
por este só vício ou, ao menos, não sem ele se condenam todos os que se
condenam—, daí que seja necessário, para instrução dos que desejam aprender a
ciência moral, me explicar com clareza (embora da maneira mais casta possível)
e discutir algumas coisas particulares».
Fiéis a
esta ordem do grande santo e eminente moralista, vamos estudar esta matéria na
forma mais breve e discreta possível, sem renunciar, não obstante, a informar
ao leitor secular de tudo que precisa saber para formar sua própria consciência
em torno destas questões.
Dividimos
a matéria em dois artigos fundamentais: I.°, da luxúria em geral, e 2. °,
das espécies de luxúria.
Noção de
luxúria em geral: Em
sentido amplo ou metafórico, a palavra luxúria designa qualquer luxo, excesso
ou exuberância; e assim, por exemplo, de um campo muito fértil se diz que tem
uma luxuriante vegetação. Mas no sentido próprio e estrito que aqui nos
interessa se define: o apetite ou o uso desordenado do venéreo. Consiste
principalmente no uso da faculdade generativa fora do matrimônio ou dentro dele
contra suas leis.
A luxúria
é um dos sete pecados capitais. Dela derivam outros muitos pecados,
principalmente a cegueira da mente, precipitação, desconsideração,
inconstância, amor desordenado de si mesmo, ódio a Deus, apego às coisas desta vida
e horror à futura. Santo Tomás dedica um muito belo artigo a esta questão.
A divisão
fundamental é a que distingue entre luxúria consumada, completa ou
perfeita, e a não consumada, incompleta ou imperfeita,
conforme chegue ou não até o orgasmo completo, com sua correspondente efusão
seminal no varão ou de humores vaginais na mulher.
- Consumada-a
se subdivide em segundo a natureza, se dela pode segui-la geração de um novo
ser, e contra a natureza, se de sua não é apta para a geração. refere-se
sempre a atos externos e não pode dar-se nos meramente internos.
- A
não consumada pode ser interna e externa, conforme se refira tão somente a
atos meramente internos ou a atos externos imperfeitos.
É
preciso, acima de tudo, ter sempre à vista dois grandes princípios que informam
toda esta questão, e que, bem compreendidos, resolvem sem mais toda a abundante
e complicada casuística que pode expor-se em torno à luxúria, ei-los aqui com
toda claridade e precisão:
Primeiro
princípio:
A luxúria
ou deleite venéreo, tanto a consumada ou perfeita como a não consumada ou
imperfeita, DIRETAMENTE PROCURADA fora do legítimo matrimônio, é sempre pecado
mortal e não admite diminuição de matéria.
Expliquemos,
acima de tudo, os termos do princípio:
A LUXÚRIA
ou DELEITE
VENÉREO, ou seja, a própria e específica da geração humana, diferencia-se:
A. Do deleite puramente sensível,
que é o produzido por um ato ou objeto prazeroso em si mesmo, mas não apto em
si para excitar o prazer venéreo (v.gr., o aroma de uma rosa, a suavidade do
veludo, o aprimoramento de um manjar, etc.).
B. Do deleite sensual, que é o
produzido por um ato ou objeto que, embora não é propriamente venéreo em si
mesmo, é apto, entretanto, para excitar a concupiscência da carne
(v.gr., um beijo, um abraço, etc.). Nestes últimos terá pecado ou não
segundo a intenção ou finalidade com que se façam.
TANTO A CONSUMADA ou PERFEITA,
ou seja, a que chega a seu término natural pelo orgasmo e efusão seminal no
varão ou de humores vaginais na mulher.
COMO A
NÃO CONSUMADA ou IMPERFEITA,
que se reduz a pensamentos, olhares, toques, etc., com intenção ou finalidade
desonesta.
DIRETAMENTE
PROCURADA, já seja
por ter tentado voluntariamente obter o prazer venéreo completo ou incompleto,
ou por ter mimado nele quando se produziu sem buscá-lo.
FORA DO
LEGÍTIMO MATRIMÔNIO, ou
seja, fora dos atos ordenados de sua à geração humana dentro do legítimo
matrimônio.
É SEMPRE
PECADO MORTAL, não só
por estar grave e expressamente proibida Por Deus, mas sim por ser uma coisa de
sua natureza intrinsecamente má.
E NÃO
ADMITE DIMINUIÇÃO DE MATÉRIA, ou seja, que, por insignificante que seja o ato
desordenado (v.gr., um simples movimento carnal), é sempre pecado mortal quando
através dele se busca diretamente o prazer venéreo. Só pode dar o pecado venial
por imperfeição do ato humano, ou seja, por falta da suficiente advertência ou
de pleno consentimento.
Vejamos
agora a prova teológica do princípio:
a) PELA
SAGRADA ESCRITURA. São
inumeráveis os textos. Eis aqui alguns dos mais conhecidos:
«Não
adulterará» (Ex. 20,14).
«Todo
aquele que olha a uma mulher desejando-a, já adulterou com ela em seu coração»
(MT. 5,28).
«Não
lhes enganem: nem os fornicadores, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os
efeminados, nem os sodomitas... possuirão o reino de Deus» (1 Cor. 6,9-1o).
«Agora
bem: as obras da carne são manifestas, ou seja: fornicação, impureza,
lascívia... e outras como estas, das quais lhes previno, como antes o fiz, que
quem tais coisas fazem não herdarão o reino de Deus» (Gal. 5,19-21).
«Pois
têm que saber que nenhum fornicador ou impuro... terá parte na herdade do reino
de Cristo e de Deus» (Eph. 5,5).
Como se
vê, os textos não podem ser mais claros e categóricos. trata-se da exclusão do
reino dos céus, que corresponde ao pecado grave ou mortal; e afeta não só aos
atos consumados ou perfeitos (fornicação, adultério), mas sim inclusive aos não
consumados ou imperfeitos: basta um simples olhar mal ntencionado, como declara
o mesmo Cristo no Evangelho (MT. 5,z8).
b) PELO
MAGISTÉRIO DA IGREJA. A Igreja
(Aelxandre VII) condenou, ao menos como escandalosa, a seguinte proposição:
«É
opinião provável a que diz ser somente pecado venial o beijo que se dá pelo
deleite carnal e sensível que do beijo se origina, excluído o perigo de
ulterior consentimento e poluição» (D I140).
Agora
bem: se um simples beijo dado com intenção carnal (luxúria imperfeita ou não
consumada) é pecado grave, serão-o também outros atos de luxúria imperfeita, e
a fortiori os de luxúria consumada ou perfeita.
c) PELA
RAZÃO TEOLÓGICA. Todos os
teólogos católicos estão de acordo em proclamar que a luxúria perfeita ou
imperfeita é em si intrinsecamente má e não só porque está proibida Por Deus. A
razão fundamental é porque o prazer venéreo o pôs Deus no ato da geração como
estímulo para ela, dada sua necessidade imprescindível para a propagação do
gênero humano. É, pois, um prazer cuja única e exclusiva razão de ser é o bem
da espécie, não do indivíduo particular. Agora bem: utilizar esse agradar em
proveito e utilidade própria fora de sua ordenação natural à geração em
legítimo matrimônio é subverter a ordem natural das coisas, o qual é sempre
intrinsecamente mal, porque se opõe ao que dispôs Deus, não só por uma lei
positiva, mas também na natureza mesma das coisas; e como se trata de uma
desordem grave, que afeta ao bem de toda a sociedade humana, sua infração
voluntária e direta tem que constituir forçosamente um pecado mortal.
A esta
razão fundamental podem acrescentar-se outras várias, principalmente para pôr
de manifesto a ilegitimidade incluso dos atos imperfeitos. Porque:
1.°
Tratando-se de matéria tão escorregadia, é quase impossível realizar o ato
imperfeito sem expor-se a grave perigo de chegar até o perfeito; e, como é
sabido, é pecado grave expor-se sem causa justificada—não o é nunca o desejo de
satisfazer a própria sensualidade—a perigo próximo de pecado grave.
2º. É
virtualmente impossível procurar o deleite venéreo incompleto sem que
implicitamente se busque e queira o completo; porque, como adverte com
fundamento Santo Tomás, a incógnita de uma coisa se ordena sempre a sua
consumação»; de onde, que quer a incógnita, pelo mesmo quer implícita e
necessariamente a consumação, da mesma maneira que o que quer um bem imperfeito
o quer assim que tende de seu ao bem perfeito.
3º. O
prazer venéreo que se obtém com a luxúria imperfeita se ordena também, por si,
ao bem da espécie, já que é um aspecto parcial do estímulo natural para a
geração posto no organismo humano pelo mesmo Autor da natureza. Logo utilizá-lo
em proveito próprio fora daquela muito alta finalidade é subverter a ordem
natural das coisas, e, pelo mesmo, é em si intrinsecamente mau.
Segundo
princípio: A luxúria perfeita ou imperfeita, involuntária em si mesmo, mas INDIRETAMENTE
PERMITIDA ao realizar uma ação em si indiferente, pode ser pecado grave,
leve ou nenhum pecado, segundo as razões que se tiveram para realizar aquela
ação e o comportamento observado ao produzir o prazer venéreo não procurado.
Expliquemos,
acima de tudo, os termos do princípio:
A LUXÚRIA
PERFEITA ou IMPERFEITA, no sentido já explicado.
INVOLUNTÁRIA
em si
mesmo, ou seja, não procurada nem tentada direta nem indiretamente em si mesmo.
MAS
INDIRETAMENTE PERMITIDA. Não é o mesmo querer uma coisa que permiti-la indiretamente quando há
justa causa para isso, de acordo com as leis do voluntário indireto. Tornaremos
em seguida sobre isto.
AO
REALIZAR UMA AÇÃO DE EM SI BOA ou INDIFERENTE; por exemplo, ao reconhecer a uma doente, ao
estudar certas matérias necessárias de medicina ou moral, ao tomar um banho
quente, etc. Se a ação excitante fora já de sua má (v.gr., a assistência a um
espetáculo imoral), não poderia invocar-se ao voluntário indireto, já que uma
de suas regras fundamentais é que se realize e tente exclusivamente uma ação
boa, ainda que dela se siga indiretamente um efeito mau.
PODE SER
PECADO GRAVE, LEVE ou NENHUM PECADO, na forma que explicaremos em seguida.
SEGUNDO
AS RAZÕES QUE SE TIVERAM PARA REALIZAR AQUELA AÇÃO. É o aspecto mais importante do
princípio, que explicaremos em seguida detalhadamente.
E O COMPORTAMENTO
OBSERVADO AO PRODUZIR O PRAZER VENÉREO NÃO PROCURADO. É outro aspecto fundamental.
Se, ao produzir o prazer não procurado, consente-se voluntária e perfeitamente
nele, comete-se sempre pecado mortal, embora a causa excitante se tenha posto
por graves razões e sem intenção alguma pecaminosa. Se o consentimento for
imperfeito, comete-se pecado venial por imperfeição do ato humano. E se se
rechaça totalmente o prazer, não se comete pecado algum, contanto que a causa
excitante se pôs por razões gravemente proporcionadas segundo as leis do
voluntário indireto.
Expliquemos
agora com detalhe os dois pontos que ficaram sem explicar, ou seja, os
relativos à classe do pecado que se comete segundo as razões que tenha havido
para permitir o efeito desordenado que se segue ou pode seguir-se de uma causa
em si boa ou indiferente. A questão não é tão fácil como a primeira vista
pudesse parecer, e é preciso, para resolvê-la com acerto, estabelecer com toda
claridade e precisão umas quantas distinções muito importantes.
1.a. Há
ações que de dele (per se) são aptas para excitar a deleite venérea (v.gr., um
olhar ou toque francamente obscenos); e outras que em si nada têm que ver com o
prazer venéreo, mas poderiam lhe excitar indiretamente (per accidens); por exemplo,
comer ou beber em demasia, montar a cavalo, tomar um banho quente, etc.
2.a Entre
as primeiras—ou seja, as que operaram per se — terá as que atuam próxima e
notavelmente no efeito desordenado, de sorte que sempre ou quase sempre se
produz de fato (v.gr., a vista prolongada das partes desonestas de uma pessoa
de diferente sexo, uma leitura muito obscena, etc.); e outras que só influem
remota e levemente (v.gr., a vista ou conversação com uma pessoa de aparência
agradável, estreitá-las mãos ao cumprimentar-se, etc.).
3.a Há
ações que excitam próxima e notavelmente a certas pessoas (v.gr., aos jovens,
aos de temperamento muito ardente e passional, etc.) que não causam impressão
alguma, ou só muito leve, a outras pessoas (v.gr., de temperamento frio ou de
idade muito avançada, etc.).
4.a Ao
realizar uma ação em si boa ou indiferente que produz ou pode produzir um
efeito mau, poderiam existir razões gravemente proporcionadas para realizá-la,
ou razões insuficientes, ou nenhuma razão absolutamente.
Tendo em
conta estes princípios, eis aqui as conclusões a que se deve chegar:
1.a. É
PECADO MORTAL realizar sem grave razão uma ação boa ou indiferente que
influa próxima e gravemente no prazer venéreo (já seja por si mesmo ou pela
especial psicologia de uma pessoa determinada), embora em algum caso concreto
não se seguisse de fato aquele prazer. A razão é porque não é lícito a ninguém,
sem grave causa, expor-se a perigo próximo de pecar gravemente (cf. n.256).
Grave
causa a tem, v.gr., o médico. que deve reconhecer ao doente, o estudante de
medicina que deve aprender anatomia ou obstetria, o sacerdote que tem obrigação
de estudar a moral ou de ouvir confissões acidentadas, etc. Nenhum destes
pecaria se ao realizar esses estudos ou desempenhar suas funções profissionais
experimentassem algum prazer desordenado, com tal, naturalmente, que
rechaçassem absolutamente o voluntário consentimento do mesmo.
Tampouco
pecaria por este capítulo o que por uma larga experiência soubesse com toda
certeza que não lhe excita carnalmente alguma ação de si boa ou indiferente que
para outros resulta gravemente provocadora. Mas, como é natural, esta frieza
subjetiva não poderia invocar-se para legitimar uma ação de si mesma má (v.gr.,
a assistência a um espetáculo imoral), porque se pecaria, ao menos, por razão
do escândalo e da cooperação ao mal.
2.a É
PECADO VENIAL realizar sem justa causa uma ação que influi tão somente per
accidens, ou de maneira leve e remota, no prazer venéreo não procurado nem
tentado direta nem indiretamente (v.gr., algum excesso na comida ou bebida, a
vista e conversação com uma pessoa muito bela, etc.). A razão é porque, embora
estas ações influem tão somente e remotamente no prazer venéreo, que, além
disso, não se busca nem se tenta, pôr essas causas sem razão alguma e por puro
capricho não deixa de envolver certa desordem, ao menos de imprudência e
temeridade. Entretanto, como esta desordem não afeta diretamente à luxúria (já
que neste caso seria grave, porque, como já havemos dito, não se dá DIMINUIÇÃO
de matéria na luxúria diretamente intencionada), constitui tão somente um
pecado venial, com tal, naturalmente, de rechaçar o consentimento ao prazer
desordenado que possa produzir-se inesperadamente.
3ª. Não É
PECADO ALGUM realizar com justa causa (v.gr., por necessidade, educação,
utilidade ou conveniência) as ações que acabamos de indicar no parágrafo
anterior (ou seja, as que influem só per accidens ou leve e remotamente). E com
grave causa (v.gr., o exercício profissional de médicos, enfermeiros, etc.)
inclusive as do primeiro parágrafo (ou seja, as que influem próxima e
gravemente), com tal de tomar toda espécie de precauções de rechaçar no ato o
prazer se se produzir. Entretanto, se a causa fora de tal maneira excitante e a
própria debilidade tão grande que se tivesse certeza moral de que se produzirá
o prazer e de que não se terá a suficiente energia para rechaçar o
consentimento, seria absolutamente ilícito pôr aquela causa, embora para isso
tivesse o interessado que abandonar sua própria profissão ou emprego, já que
nem sequer para salvar a própria vida ou a do próximo é lícito jamais expor-se
a perigo certo ou virtualmente inevitável de pecado.
Com estes
dois princípios que acabamos de expor, bem compreendidos e assimilados, pode
resolver com acerto toda a muito abundante casuística que expõe a luxúria em
todas suas manifestações completas ou incompletas. Tudo gira em torno destes
dois pontos fundamentais:
I.°, a
luxúria diretamente tentada fora do legítimo matrimônio é sempre pecado mortal,
sem que admita DIMINUIÇÃO de matéria (um simples movimento carnal, um
simples olhar ao corpo de uma pessoa, basta para pecar mortalmente se com isso
se tenta diretamente e experimentar um prazer ou deleite venéreo);
e 2.°, a
luxúria involuntária, mas prevista, será pecado grave, leve ou nenhum pecado,
conforme tenha havido ou não raciocínio proporcionadas para permiti-la e se
rechaçou ou não o consentimento ao prazer desordenado no momento de
produzir-se.
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