Reeditei esse texto, escrito em 30/10/09 pois, conversando com minha amiga Beth do blog Mãe Gaia ela surpreendeu-se e achou que eu estava delirando...hehe. Resolvi contá-la novamente para quem não leu à época.
Amanhã, nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade faria 107 anos. E é sobre ele que vou contar uma estorinha...Eu tinha 18 anos, estava fazendo cursinho de pré vestibular, e, um dos professores, passou um exercício de interpretação de um poema de Drummond.
Eu, cheia de atitude, cheia de ideias pra mudar o mundo, achei um absurdo alguém pensar que poderia interpretar o texto de outra pessoa e, dizer se estava certo ou errado.
Na época, Drummond escrevia crônicas, acho que semanais, não me recordo mais, no Jornal do Brasil, e eu as colecionava.
Não tive dúvidas, escrevi uma carta para ele, endereçada ao jornal, dizendo que eu não concordava com interpretações de poesias, porque ninguém poderia saber o sentimento verdadeiro do autor quando escreveu...ninguém, a não ser o próprio autor, para dizer se estava certa ou errada uma interpretação...eu achava isso um acinte, um professor se arrogar o direito de dar certo ou errado a um aluno, nesse caso.
Passaram-se alguns dias...
Um belo dia, estava em casa à noitinha, quando o telefone toca. Minha irmã atendeu e veio me chamar:
-É pra você...
E eu:
- Quem é?
Ela:
-É um tal de Drummond...
Eu, com 18 anos, desligada como sempre fui...nem me lembrei da carta...Falei:
- Drummond, quem será?
Quando atendi, do outro lado, uma voz já envelhecida:
-Gloria? É Drummond...Carlos Drummond, você me mandou uma carta....
Gente, fiquei muda, o telefone quase caiu das minhas mãos...sempre fui muito tímida, acho que por isso, gosto tanto de escrever...
Eu não sabia se falava, se ria, se chorava...aí ele falou que tinha procurado pelo meu sobrenome e endereço, meu telefone no catálogo...
Eu só conseguia balbuciar as respostas às perguntas que ele me fazia...disse que concordava com tudo o que eu havia escrito...o resto não me lembro mais....
Quando cheguei na sala e contei pra minha mãe e minha irmã, ninguém acreditava...e eu dizia:
- Era ele, era ele!
Bem, resumo da ópera, fiquei igual a uma idiota, não consegui conversar direito com ele...fiquei morrendo de raiva de mim mesma por não ter conseguido aproveitar aquele momento único com aquele "monstro sagrado" da literatura...
E ele ainda me disse, pra quando eu quisesse conversar, ligar pra ele...acho que nem anotei telefone nenhum...
Bem, isso aconteceu comigo...Quanto arrependimento não tê-lo procurado depois desse dia...mas minha timidez foi maior do que a vontade...Pouco tempo depois ele morreu...
Pelo menos, tenho essa linda, tragicômica estorinha pra contar pros meus netos....
E, me identifico demais com esses versos sobre ele mesmo:
"Quando eu nasci
um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida."
Parece que ouço, dentro de mim: Vai, Gloria, ser gauche na vida...
Tenho extrema dificuldade pra lidar com gente, meto os pés pelas mãos, falo o que não devo, ou não falo quando devo...sou meio troncha, atrapalhada com meus sentimentos...igualzinha a ele, gauche....ou como diz minha irmã: sincericida....
Fica aqui minha homenagem ao poeta encantador, ao homem torto, cheio de defeitos e imperfeições, como todos nós, mas que fez da palavra, não sua arma, mas seu canto.
Este é um dos meus poemas preferidos, deixo aqui, com meu amor eterno, ao meu eterno poeta, ( que tentou ser meu amigo...) Carlos Drummond de Andrade:
"Amar o perdido
deixa confundido este coração
nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do NÃO
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão."
PS- Que essa lembrança de Drummond, me abençoe e me apadrinhe, que olhe por mim, lá onde mora, entre os deuses da escrita.
Salve Drummond!